PM que matou juiz em briga de trânsito no Iguatemi é absolvido

Julgamento de soldado aconteceu 8 anos depois; júri considerou legítima defesa

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  • Nilson Marinho

Publicado em 27 de março de 2018 às 18:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Arquivo CORREIO

O policial militar Daniel dos Santos Soares, réu por matar a tiros o juiz Carlos Alessandro Pitágoras Ribeiro, então com 38 anos, durante uma briga de trânsito em Salvador, em 2010, foi absolvido pela Justiça baiana na tarde desta terça-feira (27).

Daniel havia sido denunciado à Justiça pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Porém, o soldado alegou legítima defesa, hipótese considerada pelo júri popular realizado no Fórum Ruy Barbosa. A conclusão do inquérito policial que investigava a morte também apontou para uma situação de legítima defesa. 

A mãe do juiz Carlos Alessandro, a geógrafa Telma Veloso Pitágoras, 71, revela que o sentimento da família é de revolta. "Deveriam apurar quem mandou matar ele. Não foi briga de trânsito, foi crime de mando. Disso eu tenho certeza", comentou ela. "Inventaram que ele andava procurando confusão no trânsito. Eu sabia do resultado. Eu esperava que fizessem justiça, mas sei que tem gente grande no meio", completou, desolada.

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Apesar das declarações, o promotor responsável pela acusação, Ariomar Figueiredo, descartou a suspeita da mãe da vítima. "Foram feitas várias investigações e a hipótese de crime de mando é completamente descartada. Que o juiz Alessandro Pitágoras era ameaçado, isso é efetivo, assim como qualquer um que atue contra a criminalidade", ponderou ele, citando juízes, promotores e delegados. Ele acredita que o fato de réu e vítima descerem armados de seus carros foi fundamental para os disparos ocorrerem. Carlos Alessandro foi morto com dois tiros em frente ao Centro Empresarial Iguatemi (Foto: Reprodução) O júri popular realizado pelo 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), absolveu o soldado Daniel dos Santos Soares, acusado de matar o juiz Carlos Alessandro Pitágoras Ribeiro durante uma suposta briga de trânsito na região do Iguatemi, em julho de 2010. Foram quatro votos a favor da absolvição.

A juíza Andrea Teixeira Lima Sarmento Netto conduziu o julgamento, no Salão do Júri, no Fórum Ruy Barbosa. A sessão começou às 10h e foi encerrada às 17h. Foram ouvidas duas testemunhas de acusação – um policial civil e uma pessoa que presenciou o fato. Logo em seguida, o acusado foi interrogado.

Segundo a assessoria do TJ-BA, houve o debate entre o MP-BA e os advogados de defesa. A acusação pediu a condenação por homicídio simples e a defesa pediu o reconhecimento da legítima defesa. Os jurados absolveram o réu.

O MP-BA possui cinco dias para recorrer da decisão. Caso não se utilize desse recurso, o processo é arquivado e considerado transitado em julgado. O promotor Ariomar Figueiredo disse que vai estudar junto com o advogado assistente se vai recorrer da decisão.

Ainda conforme o promotor, a absolvição do júri não é algo "absurdo". "A decisão não é incompatível com o que está nos autos. É um caso difícil, pois não ficou clara a motivação do crime. Há elementos que apontam para uma discussão no trânsito, mas o próprio réu nega", explicou Ariomar.

Na visão da acusação, o fato de a morte ter acontecido há oito anos leva a ponderação sobre a interposição de um recurso."Nós podemos entrar com um recurso, mas não sabemos quando será julgado. Quanto mais tempo passa, mais o sentimento de indignação da comunidade vai se diluindo. Nesse caso, o tempo é nosso inimigo", esclareceu o promotor, em conversa com o CORREIO.Ameaçado Durante o intervalo do júri, a mãe do juiz assassinado disse ao CORREIO que o filho estava sendo ameaçado após ter participado de julgamentos que condenaram uma juíza e um policial. O juiz já havia atuado na cidade de Valença e, na época do crime, era juiz substituto da cidade de Camamu, ambas no Baixo Sul baiano.

Ainda de acordo com a mãe, quando ainda residia na cidade de Valença, Carlos teve a casa invadida por desconhecidos que deixaram um espeto de churrasco embaixo do lençol da cama. Para ela, essa foi uma forma de avisá-lo que algo estava prestes a acontecer com ele."Ninguém sabe o que aconteceu, mas acredito que isso [morte] foi uma encomenda. Eu, como mãe, desde que soube, tive a certeza que foi uma encomenda porque filho meu estava sendo ameaçado", declarou.Relato do soldado Durante o julgamento, o PM disse à juíza Andréa Teixeira Lima Sarmento e aos jurados que o magistrado desceu do carro com arma apontada para sua direção depois de uma discussão de trânsito. Como já havia sofrido um atentado, defendeu-se o policial, ele se sentiu ameaçado e atirou duas vezes na direção da vítima. O juiz foi atingido no abdômen e ombro. "Ele estava com a arma apontada para mim. Anos atrás, eu havia sofrido um atentado, e um dia antes um colega meu de trabalho havia sido baleado. Eu estava assustado", disse o PM, em sua defesa.  A morte ocorreu em frente do Centro Empresarial Iguatemi, no dia 10 de julho de 2010. À época da reconstituição do crime, parentes disseram que o magistrado abordou o policial depois de ter visto o Kia Sephia do soldado fazendo manobras perigosas na via. Daniel estava fardado, deixando o trabalho na 35ª CIPM (Iguatemi), onde era lotado. Reconstituição do assassinato do juiz, realizada em 2011 (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO) O juiz então saltou do carro e caminhou na direção com uma pistola. O soldado teria pedido que ele parasse, mas, como não foi obedecido, atirou duas vezes, atingindo o juiz.

Segundo o relato do procedimento investigatório, Daniel e Alessandro pararam simultaneamente os carros em local proibido e desceram dos veículos armados. Daniel fez dois disparos em Carlos Alessandro, que morreu antes de ser socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

O PM teve a prisão preventiva decretada em outubro daquele ano, a pedido do MP-BA, e se entregou. A primeira audiência do caso ocorreu em 4 de novembro de 2010. Mas, em 29 de novembro de 2010, teve a prisão revogada por decisão judicial. Em 9 de junho de 2011, o juiz Ernani Garcia Rosa, da 2ª Vara Criminal, decidiu que o PM seguiria para júri popular.