Praia na Ilha dos Frades é a primeira do Nordeste a ter selo internacional Bandeira Azul

Praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe recebe hoje selo que certifica praias e marinas exemplares em gestão ambiental

  • Foto do(a) author(a) Alexandro Mota
  • Alexandro Mota

Publicado em 12 de junho de 2015 às 09:56

- Atualizado há um ano

Com 54 anos de idade, Manuel Santos, conhecido como Nego Neo, não se envergonha de ostentar sua principal riqueza: seu endereço. Desde que nasceu, ele mora na Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, que vai receber hoje a primeira etapa de um reconhecimento internacional, o título Bandeira Azul, um dos mais importantes do mundo para praias e marinas. Praia da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, está realizando adaptações e melhorias e ganha, hoje, a primeira etapa para obter certificado internacional(Foto: Marina Silva)Com o título, a ideia é que o local seja mais visto, visitado, desfrutado e, principalmente, ganhe mais proteção para a  natureza. Nada disso assusta Nego Neo, que vive do turismo.

“Podem chegar aqui com uma mala de dinheiro, com R$ 3 milhões que a gente não sai. Amor de mãe a gente não vende”, afirma ele, se referindo a dona Rosário, que enquanto viveu por  89 anos  no local, ensinou ao filho o valor da ilha.

Nego Neo é um dos cerca de 45 moradores desse trecho da Ilha dos Frades (que, sim, pertence a Salvador). Eles vão presenciar, hoje, a colocação da placa piloto do programa.  No Brasil, apenas duas praias e duas marinas possuem o selo: a Praia do Tombo (Guarujá, SP), Prainha (Rio de Janeiro, RJ), Marina Costabella (Angra dos Reis, RJ) e Marinas Nacionais (Guarujá, SP).  

Isso significa que Salvador passa a ser a primeira cidade do Norte-Nordeste a se inscrever para o selo, emitido pela Foundation for Environmental Education (FEE, em português Fundação para Educação Ambiental), com sede na Inglaterra. “A praia  está na fase piloto, o que quer dizer que está se preparando para receber a bandeira e vai ter aí mais um ano para se adequar”, explica Bernadini. 

Requisitos

Com o hasteamento da bandeira azul na praia, haverá ali a garantia de satisfação dos visitantes. São 34 requisitos avaliados pela FEE, relacionados às áreas de educação ambiental, qualidade da água, gestão ambiental, segurança e serviços.(Foto: Marina Silva)“A comunidade se sente mais valorizada e cuida mais da praia, é um atrativo para a movimentação da economia. Salvador tem um trabalho bem avançado e deve, sim, ganhar a certificação”, aposta Leana Bernardi, coordenadora do Bandeira Azul no Brasil. 

Desde o ano passado, o local  vem se adequando. Entre as mudanças estão a implantação de uma trilha; a instalação de um posto salva-vidas e de lixeiras; medições periódicas da qualidade da água (desde julho de 2014);   ordenamento dos ambulantes e dos barraqueiros. E tem mais: a ponte de acesso à ilha, fechada para obras, já ganhou acessibilidade com piso táctil e uma ala de serviços com lanchonete está em fase final de construção. 

“As mudanças ocorreram junto com a comunidade. Eles aceitaram aulas de educação ambiental. Estamos acertando regras para instalar uma horta comunitária; fizemos mergulhos com eles para mapear o local...”, enumera o oceanógrafo Mateus Lima, da Preamar Gestão Costeira, empresa responsável pela execução das mudanças necessárias para a garantia da certificação.

Outras obras estão em andamento, como a instalação de banheiros já ligados à rede de esgotamento. “A própria placa que vai ser instalada amanhã (hoje) tem informações de educação ambiental, do que fazer com os resíduos, então tudo coopera para manter a preservação do local”, antecipou o titular da Secretaria Cidade Sustentável (Secis), André Fraga.  As intervenções são realizadas com  recursos da Fundação Baía Viva, que é uma organização sem fins lucrativos, e  apoio da prefeitura.

O selo Bandeira Azul tem validade anual, o que estimula as comunidades a manter o padrão para a renovação. 

Beleza

Uma grande faixa de mata nativa  cerca a praia de águas transparentes e mornas. A Ponta de Nossa Senhora faz parte, desde 2008, de uma Área de Proteção Cultural e Paisagística (APCP), e desde 1982 é Reserva Ecológica.

A praia em si tem apenas 385 metros de extensão, mas no Verão chega a receber mais de 4 mil visitantes no final de semana, segundo a prefeitura. Porém, quem se limita ao banho de praia, perde o aconchego das quatro ruas sombreadas que formam o vilarejo: a Rua da Mangueira, do Campo, dos Canudos e da Fonte. As casas são simples e abrigam moradores sorridentes.(Foto: Marina Silva)Quem sobe o mirante onde fica a igreja e o farol, encontra uma vista privilegiada da Baía de Todos os Santos. A vila vive essencialmente do turismo, mas não se incomoda de dar bronca em turistas que não conservam o local. Claudio Lima, o Caquinho, 34 anos, vive lá desde os 17, dos “bicos” que o turismo proporciona.

“Mas eles (os turistas) têm sempre que vir e pensar que a gente fica aqui, e quem vem sempre vai querer voltar por causa dessa beleza toda, então tem que preservar e deixar tudo limpo”, reforça. 

Os moradores mostram que precisam de um tempo para se adaptar às mudanças. A barraca do Agenor, por exemplo, é um negócio que envolve toda a família de Hamilton Moreira, 57. Ele mostra-se resistente à saída das estruturas fixas na praia — uma das exigências. “Tira o conforto”, argumenta. Mas já mostra que já está se adaptando às mudanças: os pedidos à cozinha são feitos através de rádio para a irmã e para a cunhada que cozinham de casa e levam para a praia.

Cariocas, o professor Nelson Guimarães, 44, e a administradora Luciana Azevedo aprovaram o serviço na praia. Pagaram R$ 70 cada para o passeio que teve paradas em outros trechos da ilha. “É muito bonito”, afirmou ele. 

Stella Maris é cotada para ser próxima candidata

Coordenadora da certificação do Bandeira Azul no Brasil, Leana Bernardi, conta que espera que Salvador inscreva a adeque outras praias no projeto. “A cidade tem potencial, principalmente esperamos uma praia em uma área urbana para mostrar que é possível conviver o uso da praia com o natureza de forma equilibrada”, afirma ela.

Se depender do titular da Secretaria Cidade Sustentável (Secis), André Fraga, a cidade pode ter, em breve, outro Bandeira Azul para se orgulhar. A praia de Stella Maris é uma das principais apostas da prefeitura pra isso. “Já estamos discutindo com os moradores e vendo tanto as mudanças que dependem da estrutura física, a exemplo de banheiros, como questões mais conceituais como segurança e a qualidade da prestação de serviços”, adianta Fraga.

Segundo ele, o início da medição da qualidade da água de Stella Maris, um dos requisitos para a certificação, já começou a ser feito. A organização certificadora aceita inscrição de praias e marinas apenas do poder público.

O secretário municipal também adianta que as vizinhas Ipitanga e Itapuã podem ser contempladas junto com Stella, o que ainda é estudado. “Queremos colocar Salvador à frente, principalmente, no que se refere ao seu principal ativo, que é a praia”, afirma Fraga.

Moradores e técnicos levantaram a história do local

Parte das ações para garantir o título  foi o envolvimento da comunidade na identificação dos pontos fortes, fracos e a história da comunidade. O resultado desse trabalho -  conduzido por uma equipe de três oceanógrafos, um biólogo e a consultoria de uma socióloga – foi a elaboração de um mapa biorregional, feito com  30 moradores. O mapa deve ser fixado na ilha para apoio aos turistas e para despertar a curiosidade dos visitantes. Veja abaixo as curiosidades levantadas pelos moradores.

A história deles por eles

PASSADO A Ilha dos Frades teria ganhado esse nome por causa de um naufrágio com frades, no século XVI, que acabaram sendo sacrificados por índios tupinambás que habitavam o lugar. Segundo o levantamento, o local também era ponto de passagem para escravos antes de serem vendidos em Salvador, no século XIX, e também lugar de meditação de jesuítas. Em uma das represas artificiais de água doce que há na comunidade, destroços apontam que já funcionou uma olaria no local. 

FÉ  Duas pedras que ficam bem próximas em um dos trechos da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe  são, para os moradores, símbolos de São Cosme e Damião. O local serve para oferendas e rituais de fé e ganhou até um  santuário destinado aos  santos gêmeos, que atrai moradores da própria ilha e da região no dia de homenagem aos dois santos.

CASARÃO Um casarão existente na localidade era sede da Fazenda de Nossa Senhora de Guadalupe, da família Athayde. Chegou a ser sede provisória do governo da Bahia e era local de reunião de políticos e do bispo. Em ruínas, após o abandono pela família, em 1936, chegou a ser usada para hospedagem de artesãos da Ilha de Itaparica. O casarão foi demolido em 2011, o que até hoje revolta a comunidade. Após o casarão ser demolido, um dos membros da família Athayde construiu uma outra casa no local.

CAPELA  A igreja foi construída no século XVII por Domingos Rodrigues Porto, que foi o proprietário das terras. A réplica de uma imagem da santa que dá nome ao local  — nos moldes da existente em Villuercas no Arcebispado de Toledo (Espanha) — sumiu e a atual foi doada por uma veranista. Um padre só visita a igreja uma vez ao ano, o que a inutiliza. Há um cemitério aos fundos do cemitério com 13 carneiras visíveis.