'Nenhuma empresa sabe dizer se vai pagar mais ou menos imposto'

Reforma tributária trará simplificação de modelo, mas alíquotas ainda são incógnitas

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Publicado em 21 de agosto de 2023 às 05:00

Yuri Ávila Amorim, tributarista, sócio da Delloite
Yuri Ávila Amorim, tributarista, sócio da Deloitte Crédito: Divulgação

Ter acesso a um processo mais simples para o cumprimento das obrigações fiscais é o que a Reforma Tributária pode trazer de melhor para 76% dos contribuintes brasileiros, aponta a pesquisa Tax do Amanhã, realizada pela consultoria Deloitte. Só depois disso surgem as preocupações com a eliminação de redundâncias na cobrança, ou mesmo com o pagamento de menos tributos. A pesquisa revela ainda que 95% dos empresários estão preocupados com a transição da Reforma Tributária.

A iminente aprovação do conjunto de mudanças tem motivado bastante perguntas para o tributarista Yuri Ávila Amorim, sócio da Deloitte. Nos últimos dias, ele tem acumulado milhas pelo Brasil, respondendo, ou pelo menos tentando, as muitas dúvidas que surgem sobre as mudanças que acontecerão nas regras. As mais importantes delas, acredita, são as que dizem respeito às estratégias que podem ser adotadas para um período de transição – que deve se prolongar até 2033 – mais suave. “Todo mundo vai ser impactado de alguma maneira por este assunto, então a análise precisa levar em conta o maior número de pontos de vista possível”, acredita.

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Quem é

Yuri Ávila Amorim é advogado, formado e residente em Salvador/BA, com mais de 16 anos de atuação em consultoria tributária, com foco em incentivos fiscais. Atualmente, lidera as atividades de impostos indiretos nos três escritórios da Companhia no Norte/Nordeste do Brasil, além de compor o time de incentivos fiscais com atuação em todo território nacional.

A simplificação tributária é o grande desejo do setor produtivo, como mostra uma pesquisa feita pela própria Deloitte. A reforma atende a este anseio?

Eu acho que sim, a reforma é bastante voltada para a simplificação. Só que existe um outro ponto que é importante. O Brasil tem uma das estruturas tributárias mais complexas do mundo, só que nós já nos acostumamos com esse modelo complexo e difícil. Sabemos também que qualquer mudança cria um desconforto inicial, então isso leva a alguns questionamentos. E não podemos esquecer de outra característica do nosso país, que é o nosso ambiente político, que está efervescente e bastante conturbado. Mas, respondendo objetivamente eu acho que sim e entendo que o que temos hoje é um direcionamento para a simplificação, ainda que a emenda que está sendo tratada não vai levar o nosso modelo tributário para onde queremos. Teremos as adições de leis complementares posteriores em que poderemos colocar isso em prática.

Agora, são mais de 40 projetos de leis complementares. Como é que vai simplificar?

Tem um grupo importante de tributos que vão deixar de existir, que são o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, e darão lugar a dois. Tem uma redução da obrigação tributária principal e isso gera uma simplificação na forma de cálculo e na alíquota. Mas também tem um outro ponto que não veremos na emenda constitucional, que só ficará claro depois, que é a simplificação de ordem assessória. Hoje, uma pessoa física precisa entregar uma declaração por ano, que é a do Imposto de Renda. Uma empresa precisa fazer uma série de declarações atualmente, mas a tendência é de reduzir isso tudo para apenas uma, ou, na pior das hipóteses, para poucas.

O que é que já dá para cravar que vai mudar?

A gente tem uma discussão muito grande em relação às situações de exceção, como medicamentos, área de saúde, agro e educação, por exemplo. O que já foi divulgado pelo Ministério da Fazenda é uma visão importante. Quanto mais exceções, maior será o pagamento de quem estiver de fora dessas regras. Há uma definição em relação ao montante que será arrecadado, ainda vai se definir quem vai pagar mais ou menos. Outro ponto em que já bastante clareza em relação ao modelo é a simplificação de que toda a transação, de bem ou serviço, vai seguir uma mesma base. Este é um caminho definido. Agora, uma coisa que eu posso dizer é que nenhuma empresa é capaz de saber hoje se vai pagar mais ou menos imposto.

A Bahia é um estado de grande destaque nas exportações de commodities industriais e agrícolas. Como estes mercados serão impactados pelas mudanças?

Este é um ponto bastante relevante, principalmente quando a gente a percebe o que está sendo discutido em relação aos tributos indiretos, em que eu pago o imposto para a empresa que me vendeu aquilo e recupero o crédito destes tributos no momento em que eu vendo esta mercadoria no mercado interno, eu tenho um débito, e vou abater do valor a ser pago o crédito que tive na minha entrada. Este é o modelo normal. Acontece que as operações para o exterior são extremamente beneficiadas, já que não se paga imposto quando o produto é exportado. Isso, por um lado favorece a exportação e torna interessante para as empresas produzirem para o mercado externo, mas por outro lado, acaba criando um problema enorme, que é a falta de um débito para compensar este crédito recebido. A gente vê com muita frequência empresas com R$ 50 milhões, R$ 100 milhões a receber em créditos acumulados. É muito comum aqui na Bahia, a empresa tem o dinheiro, mas não pode fazer nada com ele porque está com o governo. Está na conta de impostos a recuperar, mas elas não conseguem ter acesso. A legislação atual é muito vaga, porque prevê a recuperação, mas não diz como irá acontecer. A Reforma Tributária prevê inclusive este ressarcimento em dinheiro, mas não detalha como isto irá acontecer.

Não diz inclusive qual será a fonte de recursos, não é?

Exatamente, este é um dos pontos. No momento em que se pensa na estrutura, o Ministério da Fazenda traz que na menor estrutura de tributação terá esse dinheiro a ser repassado para as exportadoras. Hoje, quando a gente olha para a realidade da Bahia, por exemplo, em que o estado é competente para legislar sobre o ICMS, seria ele o responsável por devolver uma parte deste dinheiro, mas o estado tem esse dinheiro? Outro ponto, estamos falando inclusive que este é um tributo que a empresa tem direito, mas se olharmos as contas do estado, o que temos é um déficit. Da maneira como a estrutura está estabelecida, esta é uma promessa que está sendo feita, mas que não sabemos como será cumprida. Vai necessitar muito de uma legislação complementar.

Em torno de 90% das empresas brasileiras estão enquadradas no Simples. O que vai mudar para elas?

Este programa já prevê uma simplificação no pagamento de impostos para empresas que tenham até um determinado teto de faturamento. Este modelo vai continuar existindo, as empresas que estão enquadradas neste modelo não serão prejudicadas. Por outro lado, o regime de lucro presumido está sumido nas discussões, é como se deixasse de existir. O lucro presumido, guardadas as devidas proporções, seria um meio de caminho entre o Simples e o destinado às grandes empresas. Seria uma faixa intermediária. É um modelo que não é tratado dentro da reforma. Quando a gente olha para a média empresa, existe uma insegurança quanto ao que vem pela frente.

Como você vê nossos níveis de informalidade?

Quando você olha para o Brasil, existe algo que é até difícil de ser mensurado, que é o ambiente de informalidade. E aí entram questionamentos quase filosóficos. Nós temos esse nível gigantesco de informalidade por conta da complexidade tributária, ou temos essa complexidade toda para compensar essa enorme informalidade?

A preocupação no setor de serviços com a reforma é justificada?

É sim. Quando a gente olha o que se pensa em relação às alíquotas do IVA Dual, estamos falando de taxas entre 20% e 27%. Se considerarmos a realidade da grande maioria dos prestadores de serviços hoje, estamos falando de contribuintes que pagam, entre PIS, Cofins e ISS, menos de 10% de impostos.

Ou seja, na melhor das hipóteses, vai mais do que dobrar?

Sim, de saída vai pagar mais, porém tem uma situação, que me motiva a dizer que hoje ninguém sabe se pagará mais ou menos impostos. Nós passaremos a ter a possibilidade de creditar o que pagou de impostos. Veja, antes eu desembolsava 10% de tributos e não podia creditar nada, assim como os meus clientes. Na nova realidade, eu saio de 10% para 20% ou até 27%, mas tenho a possibilidade de recuperar créditos de produtos, insumos ou serviços que adquirimos. Ou seja, não sabemos se será um aumento efetivo porque o que foi pago na cadeia anterior vai ser recuperado na saída. Por outro lado, o cliente vai ser creditado.

E a situação dos profissionais liberais?

Esta é uma fonte de preocupação muito grande porque existe sim a tendência de terem um maior desembolso de imposto, embora a gente ainda não consiga afirma a carga tributária.

Como as empresas podem passar com mais tranquilidade pelo período de transição?

A reforma só trará uma nova realidade, integralmente implementada em 2033. Temos aqui pouco menos de 10 anos para chegar a esta nova realidade. O desafio é que até chegarmos lá teremos sete transições porque, a cada ano, as regras irão se modificando e só no final teremos um único modelo. A partir de 2026, começamos a ter mudanças nas fórmulas. Hoje, as empresas têm muita gente na operacionalização dos pagamentos de impostos, até dentro daquela visão de que o Brasil gasta muito tempo com isso. Só que mais para frente será possível liberar parte deste pessoal de atividades operacionais para uma atuação mais estratégica. O tributo é uma finalidade para muita gente, mas é para ser acessório.