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Glorioso Santo Antônio


 

  • Nelson Cadena

Publicado em 20/10/2017 às 02:41:00
Atualizado em 17/04/2023 às 16:30:09
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 A Bahia é de todos os Santos, mas, é mais de Santo Antônio, o mais baiano e legítimo de nossos santos de devoção não marianos e, é claro, o glorioso Senhor do Bonfim que nada mais é do que Jesus Cristo crucificado, nosso padroeiro de estimação – o de fato se chama São Francisco Xavier. Os baianos nem sabem quem é o bem-dito Xavier. Melhor que não saibam; para que louvar desconhecidos e sem nenhuma identidade com a nossa idiossincrasia? Esse Francisco ganhou sem merecer (o suposto fim de uma epidemia que nem fim chegou a ser) o título de padroeiro por decreto.

Mas, como ia dizendo, Santo Antônio, não por acaso, conquistou o seu pedestal pela sua representatividade atribuída, hoje menos marcante, quase que reduzida à ideia de um santo casamenteiro. Triste sina de quem um dia foi soldado, mesmo que alegoricamente, padroeiro de algumas confrarias pelo mundo afora e de grupos lavorais, inclusive os traficantes de escravos a quem a ele recorriam nos seus momentos de aflição.

Santo Antônio já foi soldado em Salvador e alferes no Morro de São Paulo, que eu saiba o único promovido de raso a capitão, um salto, na história militar do país, com direito a soldo, por decreto da Câmara Municipal. Durante mais de um século, os frades franciscanos receberam o ordenado atribuído ao santo pelos edis. No século XIX, o santo-militar alegórico teve cassado o seu ordenado. Não fazia sentido, espíritos não pagam aluguel, nem fazem compras no supermercado.

Em todo caso, Santo Antônio, se algum rival teve em popularidade na Bahia foi São Jorge, em tempos pretéritos. Mas o santo guerreiro perdeu a sua áurea simbólica quando deixou de ser o quadro principal da encenação teatral da procissão de Corpus Christi e tiraram dele também o protagonismo com o seu cavalo gigante de madeira na festa de Nossa Sra. da Conceição da Praia. A Igreja Católica esmerou-se em diminuir a sua figura, foi um dos santos jogados no escanteio durante a romanização do clero baiano, voltou a ficar em evidência sem a mesma presença de fé e anos depois novamente popularizado por obra e graça da Rede Globo. A TV também faz milagres.

A importância de Santo Antônio para os baianos pode ser medida a partir de alguns sinais. É o único santo que deu nome a um bairro nobre da cidade. No tempo em que isso ocorreu, dos mais nobres e estrategicamente localizados, entre o caminho das boiadas e o Largo do Pelourinho. Dois fortes levam o seu nome o de Santo Antônio no bairro aqui referido e o da Barra, onde um dia construíram um farol que ainda hoje é um de nossos cartões-postais mais apreciados e pelo menos uma dúzia de templos é consagrada a seu nome.

Várias igrejas e capelas homenageiam o santo mais querido dos baianos: Mouraria, Santo Antônio Além do Carmo, Engenho Velho de Brotas, Cosme de Farias, Cajazeiras, Armação, Sussuarana, Águas Claras, Periperi, Simões Filho, Camaçari e, claro, a da Barra. A presença do santo no bairro é secular. De um lado, no sentido norte, o forte-farol foi batizado com o seu nome, do outro a igreja de Santo Antônio, no elevado acima do Forte de São Diogo. E, na segunda metade do século XIX, até os anos 30 do século seguinte, o espaço foi palco de uma das melhores e mais concorridas festas populares da Bahia: a de Santo Antônio da Barra, celebrada em janeiro, que rivalizava em esplendor e protagonismo com as festas do Bonfim em Itapagipe e de Nossa Sra. de Sant’Anna no Rio Vermelho.

Da mística antoniana quase nada restou, a não ser a tradicional trezena e a sua lembrança como santo casamenteiro em 13 de junho. No inconsciente coletivo continua a ser o glorioso.