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Conheça as histórias por trás do Afro Fashion Day


 

Da marisqueira à jovem periférica, evento transforma vidas; veja galeria

  • Laura Fernades

Publicado em 21/11/2020 às 07:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 20:00:05
. Crédito: Foto: Edgar Azevedo

A marisqueira que virou modelo internacional. Meninas da periferia que não se achavam bonitas e de repente se viram fazendo sucesso dentro e fora do Brasil. A mãe que pensou ter arruinado a carreira ao engravidar, mas recebeu uma nova chance no mundo da moda. O que todas essas mulheres têm em comum? O Afro Fashion Day (AFD), evento de moda negra que transformou suas vidas.

Veja o caso de Amanda Santana, 31 anos: quem a vê nas passarelas de Paris e de Nova York – onde desfilou para Isabel Toledo, que vestiu Michelle Obama – não imagina que ela quase desistiu de ser modelo. Chegou a escutar da agência que a representava que “ia ficar gorda” quando descobriu que estava grávida. Frustrada, desistiu da carreira para cuidar do filho autista.

Até ser descoberta por um scouter – o famoso olheiro – e levada para o AFD, que esse ano marca o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, com um Fashion Film (assista no final da matéria). “Aceitei só para encerrar minha carreira mesmo, sabe? Mas vi que era o que gostava de fazer e pensei: ‘Não vou desistir agora’”, lembra Amanda, que na época tinha 27 anos. Moradora de Daniel Lisboa, em Salvador, a modelo é um dos nomes do AFD 2020.

Orgulhosa do caminho que trilhou, Amanda decidiu passar na agência que fechou as portas para ela. “Buliu com minha autoestima, sabe? Então fui com meu filho no colo até a agência, que me chamou de volta. Mas não dei oportunidade. Procurei outra”, diz, cheia de amor-próprio. No AFD, compara, se sentiu representada ao desfilar ao lado de modelos negras de todos os tamanhos, perfis e biotipos.

“O Afro Fashion Day sempre vai estar em meu coração. Tenho muito carinho”, elogia a modelo, sobre o desfile exclusivamente negro criado em 2015. “A moda não é só o biotipo de uma mulher europeia, magra e alta. Apesar de muita gente não valorizar nossa cor, as pessoas são belas! Como é que alguém ainda tem preconceito?”, provoca. Amanda Santana no Afro Fashion Day 2020 (Foto: Edgar Azevedo) Marisqueira Capa da Vogue Internacional, Zana Santos, 20, nunca imaginou ser modelo. Marisqueira como a mãe, teve sua vida transformada ao ser vista por um olheiro em um mercado de Encarnação de Salinas, cidade do interior baiano. “A realidade tá tão distante, que a gente não acredita que vai acontecer com a gente, sabe?”, diz a modelo lançada no AFD 2018.

Representada por uma agência de Nova York, Zana está se preparando para mudar definitivamente para os Estados Unidos no ano que vem. Enquanto isso, segue aprimorando o inglês e “fazendo meu nome aqui”, resume Zana, que no futuro vai fazer faculdade de moda. “A gente, como marisqueira, não tem condição de fazer faculdade, sabe?”, compara.

Sobre o AFD, que te deu régua e compasso, a modelo é muito grata. “O Afro é muito necessário, porque para nós pretos é muito difícil. O mercado infelizmente ainda tem racismo. Mas no Afro a gente se sente em casa. Aprendi muita coisa”, elogia. Se pudesse mandar um recado para outras modelos negras, não hesita: “Não desista. Não é fácil, principalmente para os pretos. Mas o segredo é não desistir”.

Persistência E foi isso o que Lia Neres, 18, fez: não desistiu. Depois de duas tentativas para entrar no AFD, decidiu participar da seletiva pelo Tik Tok esse ano. Gravou um vídeo em casa mesmo, no bairro Jardim das Margaridas, e garantiu seu lugar na passarela mais negra do Brasil, como o AFD carinhosamente é chamado. “Abriu uma grande porta”, comemora Lia, que já está sendo cooptada por uma agência de São Paulo.

“Todos nós, jovens periféricos, conhecemos o Afro. É uma grande oportunidade para iniciar a carreira. Através do evento, saem muitos modelos profissionais, internacionais. A gente vê representatividade”, afirma Lia. “É uma oportunidade de mostrar nosso trabalho, mas também nossa essência, quem somos. Não são só modelos negros. Cada um tem sua história, seus sonhos. Vai além da beleza”, conclui.

Modelo de campanhas na Coreia do Sul e no Japão – onde vestiu a coleção de Nicki Minaj –, Sophia Laura, 16, também não passou de primeira pelo AFD, mas não perdeu a esperança. “Sempre foi meu sonho participar do Afro, porque é uma oportunidade para nós negros. Quando soube que passei, eu surtei, comecei a gritar. É diferente, sabe? Não sei explicar”, confessa, sobre seu primeiro trabalho em Salvador.

Criada em Massaranduba e com previsão de ir para São Paulo em 2021, Sophia exalta as seletivas pelos bairros de Salvador. “O que acho mais incrível é o Afro dar oportunidade não só para modelos agenciados, mas modelos periféricos. É representatividade e valorização do nosso povo, que muitas vezes acaba esquecido. Abre porta para modelos negras, dizendo que a gente pode”, comemora. Lia Neres, 18, foi escolhida pela seletiva do Tik Tok (Foto: Edgar Azevedo) Trazer para a passarela o que se vê nas ruas da capital baiana é algo de extrema importância para o fotógrafo Edgar Azevedo, 26, que estreou no AFD 2020 depois de namorar o evento desde a primeira edição. “Importante trazer essa vivência para uma pessoa que nunca imaginou ocupar o lugar como a passarela preta, que é de maior orgulho”, elogia Edgar, que já clicou nomes como Agnes Nunes e Emicida.

“O que muda na vida dessas mulheres é a autoestima, que elas já tinham e passam a assumir para o mundo, entendendo o potencial delas enquanto corpo, pele, beleza, autorreferência. A partir daí, elas são vistas da forma que querem ser vistas. É importante as mulheres negras poderem viver isso, porque são sempre pautadas na depreciação”, comemora Edgar.

Xeque-mate Ao pisar na passarela do AFD, em 2019, a modelo plus size, Joice Simas, 19, sabia que “queria aqueles aplausos mais uma vez, queria aqueles gritos mais uma vez”, lembra. Moradora de Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, Joice vê no evento um caminho de valorização da autoestima. Com o dendê como tema em 2020, o AFD mostra o que é que a Bahia tem.

Gordo, magro, alto, baixo... Tem gente de todo tipo na passarela do evento que tem o DNA baiano. “Você não vê aquele modelo padrão que o mundo da moda vem exigindo. Somos todos negros e isso é uma representatividade muito importante”, elogia Joice. O AFD, acredita, “influencia as pessoas a se amarem” e verem que na Bahia tem gente bonita.

“Muitas pessoas não se enxergam, não veem a capacidade de se dar bem no mundo da moda por não se acharem bonitas. A gente, mesmo sendo de periferia, tem a capacidade de chegar longe, ser modelo internacional, fazer campanha nacional”, acredita Joice. “Ser preto pobre e periférico é difícil, mas a gente vai conquistando espaço”, garante. Joice Simas estreou no AFD em 2019 (Foto: Edgar Azevedo) Responsável por garimpar muitos dos talentos invisibilizados, como a ex-marisqueira Zana Santos, e servir como ponte para agências nacionais e internacionais, o agente de modelos Vivaldo Marques, 20, concorda. “A gente vê a beleza que as meninas não veem. Mas pisou no Afro, babadou. Elas dizem: ‘É isso que quero pra minha vida’. Mas sabe o que é me dizer o que já sei?”, gargalha.

Com orgulho de um pai diante das filhas, Vivaldo conta que tem prazer em encontrar talentos. Mas não se atém só à beleza, procura sempre “um axé” na pessoa, um “borogodó”, “um trá”, gargalha. “A moqueca só fica boa se você acertar a dose do azeite”, justifica rindo. No mundo da moda desde os 14, Vivaldo se diz apaixonado pelo AFD.

“O Afro é o xeque-mate que comprova que elas nasceram pra isso. É o pontapé inicial para que essas meninas tenham certeza de tudo o que eu já sabia antes mesmo delas imaginarem. O Afro é o que lança, é o que acolhe. Elas entram meninas e saem mulheres”, elogia o agente de modelos.

Do afro fashion day para o mundo

Pescador, marisqueira, garçonete... Foram inúmeros os perfis de modelos que passaram pelo Afro Fashion Day ao longo desses seis anos. Alguns já tinha experiência, outros pisaram na passarela mais negra pela primeira vez e ganharam o mundo. Conheça.

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*O Afro Fashion Day é um projeto do jornal Correio com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio do Shopping Barra, Lagares e Drogaria São Paulo e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador.