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Exposição Um Defeito de Cor narra a história preta brasileira em diversidade visual


 

Baseada no livro de Ana Maria Gonçalves, a mostra segue  em cartaz até 3/03, com entrada gratuita às quartas e domingos no Muncab

  • Luiza Gonçalves

Salvador
Publicado em 21/02/2024 às 11:17:03
Inspirada no livro de Ana Maria Gonçalves, Um Defeito de Cor narra a história preta brasileira em diversidade visual . Crédito: Marina Silva/CORREIO

Se no romance Um Defeito de Cor nós temos a reconstrução da história negra brasileira a partir da voz feminina, preenchendo lacunas e questionando a trajetória que nos foi imposta, na exposição homônima em cartaz no Museu Nacional da Cultura Afrobaiana (Muncab) até o próximo sábado (3), e gratuita às quartas e domingos, a experiência continua a emocionar e ganha o sensorial.

A riqueza das páginas escritas por Ana Maria Gonçalves se materializam em cores, símbolos, texturas e imagens que compõem essa colcha de retalhos da experiência negra e ancestral no Brasil.

A obra de 2006 narra a história da vida da africana Kehinde, que, aos oito anos, é sequestrada no Reino do Daomé e trazida para ser escravizada. Posteriormente, Kehinde se repatria no continente africano, voltando ao Brasil apenas na velhice, em busca de seu filho perdido. O romance, embalado das memórias e vivências da personagem, foi fruto de uma pesquisa de cinco anos construída a partir de registros do que seria a história de Luísa Mahin, uma das mais importantes revolucionárias na história brasileira e mãe do abolicionista baiano Luiz Gama.

Recentemente, o livro foi tema do desfile na escola de samba carioca Portela, aumentando sua projeção nacional e fazendo com que se esgotasse e se tornasse o exemplar brasileiro mais vendido na plataforma Amazon.

Nossa geografia 

Para aqueles que buscam imergir em seu universo ou iniciar nas temáticas presentes na obra, a exposição no Muncab é obrigatória. Com curadoria de Amanda Bonan, Marcelo Campos e da própria autora, a mostra reúne mais de 350 obras de arte entre desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações de mais de 100 artistas brasileiros e até mesmo do continente africano, em sua maioria negros, principalmente, mulheres.

A exposição está dividida em 10 núcleos que conduzem a história da mulher afro-brasileira na representação do fluxo atlântico, trabalho e empreendedorismo, religiosidade, linguagem, maternidade, relações afetivas, lutas e movimentos sociais. São simbologias, sonoridades e imagens, unidas a provérbios africanos e passagens do livro que comovem e trazem referências do nosso passado para pensar o presente e imaginar o futuro.

Na exposição Um Defeito de Cor está à vista nossa marca na geografia, na cultura e na sociedade. Dos materiais que compõem as instalações até a presença de referências a Angélica Moreira e Abdias do Nascimento.

Nessa matéria, selecionei 10 pontos marcantes da exposição, que falaram comigo e acredito que falarão com vocês também. Mas, a vontade mesmo é de passar horas apreciando tantas vozes, que confluem e ganham força com a escrita de Ana Maria Gonçalves, desafiando aqueles que ainda acreditam haver um defeito na nossa cor.

Veja os destaques: 

Na entrada, a obra Igbaiwá representa a grande cabaça da vida, o útero materno. A instalação, de Nádia Taquary e de outras 12 artífices, envolve o público em suas miçangas vermelhas.

Igbaiwá de Nádia Taquary. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Um dos três quadros de J Cunha que compõem a obra Palavras, mosaico caça-palavras do português brasileiro com mix de cores e fonemas que formam máscaras. Na seção da exposição que honra as diferentes línguas da diáspora.

Um dos três quadros de J Cunha que compõem a obra Palavras. Crédito: Marina Silva/CORREIO

As cores e o título me prenderam na obra Fluxo e Refluxo (Barco de Açúcar), de Tiago Santa’ana, e me fizeram lembrar de Moleque de Engenho, do poeta Nelson Maca, e das amargas memórias dos canaviais que não foram escritas.

Fluxo e Refluxo (Barco de Açúcar), de Tiago Santa’ana. Crédito: Marina Silva/CORREIO

As bonecas de Mãe Detinha de Xangô (1928-2014) são uma raridade e iniciaram dezenas de discípulos na arte popular da confecção de bonecos com os atributos dos deuses da nação nagô.

bbonecas de Mãe Detinha de Xangô. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O quadro identitário de Daniel Jorge, que tem entalhados em sua madeira negra símbolos Adinkras com a mensagem de comunicação entre o sagrado e a terra pelo axé. Solitude.

Identitário, de Daniel Jorge . Crédito: Marina Silva/CORREIO

Cerâmicas feitas a partir de um poema que se desdobra em esculturas de búzios em Agô, de Gabriela Marinho. Comunicação, clareza e divindade que embelezam e preenchem a única instalação da sala.

Agô, de Gabriela Marinho. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Os panos de Goya Lopes, feitos especialmente para a mostra, são por si só um conjunto impressionante. Imponentes, adornam e orientam a divisão da exposição, narrando a ancestralidade.

Tecidos feitos por Goya Lopes. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Não poderia deixar de destacar o trabalho extraordinário de Mestre Didi, que simboliza a arte sacra das religiões afro-brasileiras em suas peças cheias de organicidade.

Obras de Mestre Didi. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Das texturas do barro às águas da Ilha de Itaparica, a instalação Ìwà, de Aislane Nobre, remonta aos fundamentos de Nanã, a criadora dos homens, de onde tudo veio. É uma obra enigmática.

Instalação Ìwà, de Aislane Nobre. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O conjunto de Ruth Landes oferece um passeio pela memória, com cenas que poderiam facilmente ser da minha família. Mosaico de imagens borradas, foto da foto, momentos festivos e religiosos.

O conjunto de imagens de Ruth Landes . Crédito: Marina Silva/CORREIO

SERVIÇO - Exposição ‘Um Defeito de Cor’ | Museu Nacional da Cultura Afrobaiana - Muncab (Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico) | Visitação: terça a domingo, das 10h às 17h | Ingressos: R$ 20 / R$ 10, com entrada gratuita às quartas e domingos. Até 3 de março.