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Carro do ovo some das ruas de Salvador


 

CORREIO percorreu da Barra a Pernambués e nada

  • Alexandre Lyrio

Publicado em 30/05/2018 às 06:00:00
Atualizado em 18/04/2023 às 11:34:06
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Para muita gente, ele sempre foi motivo de queixa, fonte de um barulho infernal, despertador inconveniente de domingo a domingo. Eis que chegou o dia em que as pessoas sentiriam falta do som do ‘plantão da globo’ amplificado em muitos decibéis. Eis que chegou o dia em que as pessoas sentiriam falta do carro do ovo.

Nas últimas 48 ou 72 horas, devido aos impactos da greve dos caminhoneiros, o carro do ovo não chegou. Anda sumido do Corredor da Vitória a Pernambués, da Barra à Fazenda Grande do Retiro. Não só o carro como o próprio ovo. O CORREIO circulou por três horas em diversos bairros da cidade, visitou supermercados, mercearias, mercadinhos, bancas de hortifrútis e abatedouros e não conseguiu encontrar um exemplar sequer do produto. Muito menos ao preço de R$ 10 a placa com 30 ovos, como costuma ser anunciado no carro do ovo.

“Desde sábado não passa carro do ovo aqui. Sumiu!”, contou  o motorista Gabriel Cerqueira, 27 anos, preocupado em dar conta da fome de um “batalhão” dentro de casa sem as duas placas de 30 ovos que costuma comprar. “Passa uns quatro ou cinco carros na semana. A gente consome 60 ovos em sete dias”, calcula Gabriel.

Nas prateleiras do Walmart do Forte de São Pedro, eles deram lugar ao mel de abelhas. “É uma pena. Não vou poder fazer nem minha moqueca de ovo que tanto amo”, lamenta a dona de casa Elisângela Lima, 29. 

Preço No sábado, até houve registro de carros do ovo circulando pelas ruas. Mas, neles, o produto já estava mais caro. “Sábado comprei por R$ 12 a placa. Se soubesse que ia desaparecer, comprava mais”, disse a vendedora Rejane Costa, 30. “Lá em São Caetano, ele (o carro do ovo) apareceu sábado e deu briga. Vendeu tudo rapidinho. Depois, não apareceu mais”, disse o comerciante Leôncio Santos, 32. Antes da greve dos caminhoneiros, o carro do ovo era visto (e ouvido) facilmente pelas ruas da capital Foto: Almiro Lopes/ Arquivo CORREIO   No supermercado Mix Bahia da Graça, nenhum caminhão dos cinco fornecedores de ovos apareceu nos últimos dias. “A gente tava com uma promoção mais barata que o carro do ovo. Saía a R$ 8,99 a placa. Agora não se acha um”, lamentou o gerente Lázaro Amorim, que vinha vendendo 500 placas de ovos por semana, o que corresponde a 1,5 mil ovos.

Em tempos de escassez, a cantilena “Chegou o carro do ovo” seria música para os ouvidos. “Já tô triste. Eu mesmo costumo comer dois ovos todos os dias de manhã”, disse a técnica de enfermagem Neide Alves, 30, que mora no Engenho Velho de Brotas. Até o Site do Ovo, primeiro clube de assinatura de ovos com entrega programada em domicílio através de pedidos online, suspendeu o serviço para novos assinantes. 

Motivo A zootecnista Gisele Carolina Fernandes explica que os ovos vêm de longe, porque a Bahia não é autossuficiente na produção. “Mais de 90% dos ovos consumidos na Bahia vêm do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo”, diz ela.

Uma das poucas produções da Bahia é originária de Entre Rios, na Granja do Sossego, a maior produtora de ovos do estado. Zootecnista da granja, Gisele diz que não dá para mensurar o impacto da greve dos caminhoneiros porque ainda há alimentos estocados para as aves.   Mas, se a paralisação não acabar esta semana, vai faltar alimento e, consequentemente, afetará em cheio a produção. "A gente está fazendo milagre, conseguindo regrar a ração. Mas, se a ave para de comer, ela para de produzir". A granja possui cerca de um milhão de aves, entre crias, recrias e pintos. Dentre elas, 700 mil produzem ovos. Por dia, são produzidos 580 mil ovos. Ainda assim, é pouco para atender ao consumo dos baianos.

A escassez de ovo não tem reflexo só na dieta, mas no sustento de muita gente. No restaurante de PFs Ponto Certo, na Vila Matos, não sai mais omelete e nem panqueca. “Nosso cardápio está bem menos variado”, disse a proprietária Maria Aparecida Gomes. A cozinheira Jaqueline Rodrigues, 28, faz salgados por encomenda, especialmente coxinhas, e ficou sem ovos para produzir. “Além do ovo, preciso de frango, que também tá em falta. Parei minha produção.”

Sem os seus dois fornecedores, a empresária Daniela Veloso teve que procurar por um carro do ovo que pudesse salvar sua produção. Sócia com mais três amigas da Bolo das Meninas, que fabrica bolos e tortas e tem quatro lojas pela cidade, milagrosamente ela encontrou. “Na segunda-feira até achamos dez dúzias em um mercado. Hoje (terça) fomos atrás de carros do ovo e encontramos um no Costa Azul. Cobrou caríssimo, mas vai nos salvar até amanhã (hoje)”, disse Daniela, que pagou R$ 150 em uma caixa com 360 ovos, que normalmente custariam R$ 100.

Daniela teve ainda mais sorte. “Já havíamos até tirado o bolo de tapioca, que usa muito ovo, do nosso cardápio. Foi quando achamos um conhecido que vai trazer de Feira de Santana estoque para mais uma semana”, comemorou. Enquanto isso, é bom se acostumar com manhãs mais silenciosas, só que sem ovos. “Se a gente pensar bem, a verdade é que o povo gosta de reclamar de tudo, né? O cara vende o negócio dele porque precisa. Como é que ele vai vender se não anunciar”, pergunta a doméstica Rosélia Santos, 60. Em tempos de desabastecimento, barulho de carro do ovo é música clássica.