Após autorização da Justiça, jornalista consegue incluir ‘intersexo’ na certidão de nascimento

Termo inclui  características sexuais congênitas que não se encaixam em normas médicas e sociais

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  • Thais Borges

Publicado em 11 de agosto de 2024 às 11:00

Céu Albuquerque
Céu Albuquerque Crédito: Acervo pessoal

Foi somente em fevereiro deste ano que o Brasil autorizou a primeira pessoa a ter o registro como intersexo na certidão de nascimento. Trata-se da jornalista pernambucana Céu Albuquerque, 33 anos, que entrou na Justiça para reforçar seu posicionamento político enquanto intersexo.

"Desde que nasci, sei que tenho hiperplasia adrenal congênita (hac), mas não sabia que o termo era intersexo. Desde criança, fui para muitos hospitais e passei por muitas violências. Enquanto o teste de cariótipo não saía, fiquei seis meses sem registro de nascimento e sem assistência médica. Poderia ter morrido de uma crise de adrenal", desabafa.

Ao completar um ano, Céu, que tinha genitália atípica, passou pela cirurgia. "Fui completamente mutilada. Retiraram todo o meu clitóris. Durante o crescimento, fazia consultas periódicas e fui abusada, violentada, exposta. Procurei outros médicos para reverter a mutilação e todas deram errado. Passei por mais sete cirurgias e só pioraram".

A última intervenção foi feita em São Paulo, no ano passado, e ela acredita que foi a que mais tenha ajudado esteticamente e também do ponto de vista funcional. Céu se tornou uma ativista da causa, para lutar por mais políticas públicas e pelo fim de cirurgias como a que passou.

"Tive a ideia da certidão porque achei que seria uma porta para que outras pessoas pudessem conquistar e crianças intersexo pudessem ser registradas. Minha luta sempre foi para que essas crianças não continuem sendo mutiladas". O processo todo levou três anos.

De acordo com a professora Andréa Leone de Souza, docente de Direito Civil da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), apenas em 2021, com o provimento 122 do CNJ, foi garantido que as pessoas intersexo pudessem ser registradas no nascimento. No entanto, a proposta aprovada pelo provimento foi de ‘sexo ignorado’. "Entendemos que não é a melhor solução, mas, claro, só de garantir o registro civil, que nos garante a qualidade de cidadão pra acessar serviços mínimos como saúde e educação, já é um avanço", afirma ela, que é líder do grupo de pesquisa EXiSTo.

A alteração para intersexo, como o caso de Céu, por enquanto, só acontece de por meio de autorização judicial. "Hoje, no cartório a possibilidade será registrar a criança com sexo ignorado, tendo a garantia de alterar o registro a qualquer tempo, independente de laudo médico ou psicológico, o que é um avanço importante", acrescenta.

A professora enfatiza que pessoas intersexo devem ter seus direitos garantidos e ser ouvidas para a formulação de leis que acolham suas necessidades. "Hoje, entendo que o ideal seria a garantia de registro sem a indicação do sexo, ou o uso do termo intersexo, para aquelas pessoas que quiserem, com a possibilidade de alteração em qualquer momento, pela declaração da pessoa", completa.