Cientistas identificam nova espécie de dinossauro que viveu na Bahia há 130 milhões de anos

Tietassaura do cretáceo: obra de Jorge Amado é inspiração do nome da primeira espécie no Brasil de um dinossauro do grupo dos ornitísquios

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  • Priscila Natividade

Publicado em 28 de abril de 2024 às 11:00

Tietasaura chegou a medir até 3 metros de  comprimento
Tietasaura chegou a medir até 3 metros de comprimento Crédito: Divulgação

Herbívoro, de pequeno porte, medindo cerca de dois a três metros de comprimento e com um focinho em forma de bico. Da mesma família do famoso triceratops, uma nova espécie de dinossauro que viveu na Bahia acaba de ser identificada por um grupo de cientistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Conheçam a Tietassaura Derbyiana, espécie que existiu há 130 milhões de anos onde hoje se encontra a cidade de Salvador. É o que mostra o estudo publicado este mês, no periódico científico Historical Biology, pela pesquisadora associada ao Laboratório de Sistemática e Biogeografia, no Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Kamila Bandeira e a professora titular, pesquisadora e coordenadora do mesmo laboratório, Valéria Gallo.

“A primeira informação é que a tietassaura pertence a uma linhagem de dinossauros que não tínhamos evidências de fósseis aqui no país. O que temos até agora é que a Tieta, muito provavelmente, se alimentava de vegetações mais rasteiras, ao seu alcance. A maioria dos achados foi encontrada em Salvador, na região conhecida como Bacia do Recôncavo. O ambiente, nessa época, se tratava de um tipo de laguna, um grande sistema lacustre que estava começando a evoluir”, explica Kamila.


A Tietasaura é a primeira espécie no Brasil de um dinossauro do grupo dos ornitísquios
A Tietasaura é a primeira espécie no Brasil de um dinossauro do grupo dos ornitísquios Crédito: Divulgação

Apesar dessa Tieta do cretáceo não ter saído do Agreste nem de um parque fictício montado em uma ilha remota paradisíaca, a descoberta encontrou na obra do escritor Jorge Amado, inspiração para nomear a primeira espécie no Brasil de um dinossauro do grupo dos ornitísquios, subgrupo elasmaria, onde a Tietassaura está posicionada evolutivamente.

Geralmente, a paleontologia e as geociências sempre usam figuras masculinas mitológicas ou fazem homenagens a outros pesquisadores para nomear novas descobertas. Apesar de não ter dados que comprovem o gênero de Tieta, as pesquisadoras não abriram mão de adotar um nome com derivação feminina. “Não existe uma regra específica sobre gênero na nomeação, porém, quase sempre as espécies são baseadas em figuras masculinas e nomeadas por homens. A escolha do nome Tieta também vem para ressaltar a nossa voz, a voz feminina, diante de uma pesquisa liderada por mulheres - o que é algo também bastante raro na paleontologia".

Na história que a gente conhece, Tieta fugiu de Santana do Agreste. Já na jornada da tietassaura, os fósseis eram dados como perdidos desde quando naturalistas britânicos desenterraram na região da Bacia do Recôncavo, aqui na Bahia, entre 1859 e 1906, o que viria a ser os primeiros ossos de dinossauros encontrados na América do Sul. Foi só mais de 150 anos depois, durante o doutorado em Londres, que Kamilla se viu diante dos fósseis, esquecidos na reserva técnica do Museu de História Natural de Londres.

“Não se tinha uma história ou origem de onde tinham sido levados esse material e quando eu pude reanalisar as informações sobre ele, de fato, não só apresenta uma espécie nova, como também o primeiro registro desse grupo no nosso país. Esse material saiu do Brasil no início do século passado e foi considerado perdido durante muitos anos. Apresentar agora a espécie é também uma pequena revolução diante de todas essas novas informações”.

O nome escolhido também é uma homenagem ao geólogo e naturalista Orville A. Derby, um dos pioneiros da paleontologia brasileira e fundador do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, como acrescenta Kamila. Outras características dos ornitísquios, muitas vezes, estão ligadas à presença de chifres, esporões e placas. “São animais quase sempre encouraçados ou com algum tipo de proteção, ainda que não se saiba qual o tipo de defesa a Tieta poderia ter”, ressalta.

Junto com os fósseis de Tieta foram encontrados ainda mais materiais, oriundos de regiões próximas aos municípios de Pojuca, Entre Rios e Candeias, no período cretáceo, fase mais extensa da história geológica do planeta. “Além de ser o primeiro registro ósseo da espécie no Brasil, tanto Tieta quanto os outros materiais ajudam a construir como era o paloecossistema para essa região. A gente já tinha registro de outros vertebrados, como os crocodilos gigantes sarcosuchus, além pterossauros, tartarugas e diversos grupos de peixes como a sardinha fóssil. Mas, até então, não havia nenhuma espécie de dinossauro”.

"Além de ser o primeiro registro ósseo da espécie no Brasil, tanto Tieta quanto os outros materiais ajudam a construir como era o paloecossistema para essa região"

Kamilla Bandeira
pesquisadora

O processo de descrição da tietasauro passou, inicialmente, pela etapa de levantamento de literatura para se saber quais materiais já foram encontrados naquela região, as espécies de animais - não só dinossauro, mas de ouros grupos - e, a partir daí, tentar detectar as características morfológicas distintivas daquele fóssil. Na nomeação, as pesquisadoras também conduziram uma série de análises com uso de tecnologia específica, com programas que ajudam a classificar aquela espécie nova numa matriz de dados com outras espécies do grupo de dinossauro que está sendo estudado. “Essa matriz de dados mostra um gráfico, formando uma ‘árvore’ evolutiva, que mostra a relação evolutiva entre a nova espécie descrita e a sua relação com as demais espécies já conhecidas”, diz Kamila.

Dinos brasileiros

Segundo a pesquisadora, o Brasil tem hoje mais de 30 espécies nomeadas no país, muitas delas, com origens na região Nordeste, principalmente, contemplando o estado do Ceará e parte de Pernambuco, assim como registros fósseis na região de Minas Gerais e interior de São Paulo. Entre as espécies brasileiras mais famosas estão o Irritator, Santanaraptor, Austroposeidon e Ibirania.

Espécie existiu na Bahia durante o período Cretáceo
Espécie existiu na Bahia durante o período Cretáceo Crédito: Divulgação

“Ali no Nordeste, a gente pode destacar tanto o Santanaraptor, um dinossauro ágil, carnívoro e de pequeno porte, encontrado com um material excepcional preservado com tecido mole, marcas de músculo e vasos sanguíneos, então, um achado raríssimo que teve um alcance mundial. Já o Irritator, infelizmente, o material foi levado de forma ilegal do nosso país, mas trata-se de um dinossauro carnívoro de grande porte do grupo dos espinossaurídeos, dinossauros carnívoros conhecidos pelo seu grande focinho alongado, muito parecido com o de um jacaré”.

E sobre o Austroposeidon e a Ibirania, aqui vão mais algumas curiosidades: “o Austroposeidon é outro dinossauro que eu também descrevi. Ele é um herbívoro de grande porte do grupo dos titanosaurus, que ultrapassava 20 metros de comprimento. A Ibirania é mais um dinossauro brasileiro que chama atenção, principalmente porque é o ‘nanico’ entre os titanossauros, mesmo grupo no qual o Austroposeidon está incluído. Enquanto os titanossauros são os conhecidos como os maiores animais que já pisaram sobre a terra, com espécies que podem chegar a 40 metros de comprimento, a Ibirania não passa ali dos seus humildes 6 metros”.

Kamila Bandeira, é uma das pesquisadoras responsáveis pela descoberta da nova espécie
Kamilla Bandeira é uma das pesquisadoras responsáveis pela descoberta da nova espécie Crédito: Divulgação

Bom, se alguém quer saber quando e onde vai poder conferir os fósseis da Tieta do cretáceo, a gente precisa dizer que não há nenhuma previsão para que esse material seja repatriado ao Brasil. Logo, ele permanece até o momento no Museu de História Natural de Londres. “Qualquer nova espécie de dinossauro é uma peça mais nesse nosso quebra-cabeça de entender como foi todo esse processo de evolução dos dinossauros, sobretudo, aqui na América do Sul, onde a gente teria um registro bastante expressivo desses animais quase que 20 milhões de anos depois. Além disso, é importante preservar essas coleções históricas para que a ciência avance. O fato de esses materiais estarem salvaguardados em uma instituição de pesquisa permitiu que eles fossem reencontrados e reavaliados, mostrando que havia uma nova espécie ali entre eles”.

"É importante preservar essas coleções históricas para que a ciência avance. O fato de esses materiais estarem salvaguardados em uma instituição de pesquisa permitiu que eles fossem reencontrados e reavaliados, mostrando que havia uma nova espécie ali entre eles"

Kamilla Bandeira
pesquisadora

Para que esses fósseis retornem ao Brasil é preciso uma mobilização grande tanto da Sociedade Brasileira de Paleontologia, comunidade científica e também a própria população, defende Kamila: “Até então, não houve nenhuma movimentação, demonstração sobre uma possível conversa ou intermediação da Sociedade Brasileira de Paleontologia sobre trazer Tieta de volta. Ainda assim, é importante um clamor da população pelas redes sociais, como aconteceu, por exemplo, com o fóssil cearense do dinossauro Ubirajara, devolvido ao Brasil em junho de 2023, após passar quase 30 anos na Alemanha”.