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Fernanda Santana
Publicado em 8 de junho de 2024 às 05:00
Em uma farmácia no bairro da Pituba, funcionários desconfiam quando um casal, em horário de pico, pede mais de três caixas de Ozempic. O remédio para tratar diabetes, mas que se popularizou pela ação emagrecedora, é o objeto de cobiça da vez para ladrões em Salvador.>
Para roubar as caixas, que custam até R$ 1 mil cada, eles aplicam golpes, como o uso de CPFs falsos e cartões clonados, ou recorrem ao furto. >
Desde o início do ano, a drogaria na Avenida Manoel Dias teve cinco baixas no estoque de Ozempic, o remédio mais procurado por clientes do local, depois dos tarja-preta contra a ansiedade e para dormir. O prejuízo, nesse intervalo, chega a R$ 10 mil. A última das ocorrências, todas registradas em boletim policial, aconteceu em uma tarde do início de maio. >
Naquele dia, um casal pediu quatro caixas do remédio ao balconista. O funcionário estranhou, ciente do modus operandi dos criminosos, mas os dois tinham o CPF necessário para levar as caixas, que podem ser compradas sem prescrição médica. >
Só à noite, quando é realizado o balanço financeiro, os funcionários perceberam o golpe: uma das caixas foi roubada e três não foram pagas, devido ao uso de cartão de crédito clonado.>
“Eles compram com CPF falso e cartões clonados. O dono do cartão cancela a compra, quando é avisado de uma movimentação suspeita, e depois vemos que há uma falta no caixa”, detalha uma farmacêutica da drogaria, sob condição de anonimato.>
“No horário mais movimentado”, justifica ela, “eles acham mais fácil também confundir o balconista, pedir uma quantidade grande de medicamentos, e conseguir levar alguma delas sem usar nem cartão”. >
A poucos metros dali, na Rua Amazonas, o furto mais recente de Ozempic aconteceu no fim de maio. Um homem e uma mulher pediram duas caixas do remédio, mas não chegaram a utilizar um cartão clonado. “Dessa vez, eles chegaram como clientes comuns, e no caixa, fugiram”, relata um balconista. >
A Polícia Civil, embora tenha registrado crimes do tipo, informou não ter estatísticas específicas sobre ladrões de ozempic ou número de furtos e roubos em farmácias. Mas a informação chegou ao Sindicato de Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma) e ao Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos da Bahia (Sicofarba). >
“Na verdade, roubo de medicamentos sempre existiu, sobretudo relacionado a medicamentos que chamamos de alto custo. São ocorrências que mudam conforme o medicamento hypado da época, ou seja, o da moda, o famoso”, exemplifica Gibran Sousa, diretor do Sindifarma.>
“E o Ozempic é um medicamento de alto custo, e que também é muito falado, desejado, porque promete resultados rápidos e impressionantes e por isso tem essa demanda toda, inclusive pela ilegalidade”, destaca. >
“Existe uma quadrilha de Ozempic que age no Brasil há mais ou menos um ano e isso já está se manifestando em Salvador por meio de golpes”, afirma um farmacêutico de outra farmácia, localizada na Avenida Paralela, que também pediu para não ser identificado. >
As ocorrências às quais ele se refere estavam concentradas, até então, em estados como Espírito Santo e São Paulo, onde há registro de assaltos a mão armada para abastecimento do mercado ilegal do remédio para emagrecer.>
Em menos de um dia, a rede de drogaria onde o farmacêutico atua, em Salvador, sofreu dois golpes — um foi bem-sucedido e aconteceu em outra unidade, mas o segundo foi percebido a tempo. >
Na primeira vez, há três meses, os bandidos pediram, online, duas caixas de ozempic, que seriam entregues por delivery e pagas por meio de um link gerado pela farmácia e enviado por whatsapp. >
“Aí eles utilizaram o cartão clonado”, explica. No dia seguinte, ladrões — não se sabe se os mesmos da tarde anterior — pediram outras oito caixas de ozempic, dessa vez na filial onde ele trabalha. “Foi questionado o interesse por tantas caixas e o golpe não se concretizou”, detalha o farmacêutico. >
A desconfiança é que os medicamentos abasteçam farmácias clandestinas ou sejam vendidos entre pessoas físicas. Em Salvador, segundo o Conselho Regional de Farmacêuticos (CRF), há ao menos 96 drogarias irregulares em operação. O CRF, por meio do presidente Mário Martinelli, afirma desconhecer ocorrências de roubo de ozempic. >
A Associação Brasileira das Redes de Farmácias (Abafrarma) afirma não ter “elementos para falar sobre o tema” não está se posicionando, nem "ingerência sobre práticas de segurança das farmácias”. >
Para evitar roubos a farmácias, até os funcionários, às vezes à revelia dos donos, tomam atitudes. Na Rua da Graça, uma farmácia permanece de portas fechadas aos finais de semana. “Se vem cliente a gente abre, porque sentimos medo”, conta uma balconista. >
O receio é de assaltos a mão armada e furtos, mas também da intimidação para a entrega de produtos — não só medicamentos, já que as farmácias lembram, cada vez mais, mercadinhos. “Acontece quase todo dia. Clientes sentem medo e se falamos algo somos ameaçados. Dizem que nos pegam lá fora”, continua a funcionária. >
Os produtos mais cobiçados, por criminosos ou quem age na base da intimidação, são desodorantes e leite em pó, segundo farmacêuticos e balconistas, pela facilidade de revenda. >
“Não me sinto seguro e estamos fechando as portas também aos finais de semana”, conta o atendente de outra farmácia na Graça que, junto aos vizinhos Vitória, Barra e Canela, reúne 32 farmácias. >
“Não temos muito o que fazer, talvez uma ronda fixa da polícia ajudasse”, palpita ele — as rondas de segurança privada já fazem parte da rotina. A Polícia Militar (PM) afirma atuar “preventivamente ou por acionamento, e que realiza rondas diuturnamente” no bairro. >