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Como foi a vida de Raul Seixas na Bahia?

Antes de virar a lenda que completaria 80 anos este ano, Raul foi tão baiano quanto Caymmi, Jorge Amado e Caetano Veloso. Tinha no sangue o rock e a baianidade misturadas em um só tempero que o acompanhou no início, no fim e no meio

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 5 de julho de 2025 às 05:00

Carteirinha de Raul Seixas no fã clube e que ele fundou, em Salvador
Carteirinha de Raul Seixas no fã clube e que ele fundou, em Salvador Crédito: Divulgação

Raul, muito além de ser o tudo e o nada, era baiano. E muito baiano. Apesar da influência norte-americana desde cedo, que o fez falar inglês fluentemente aos nove anos, nunca escondeu seu baianês que o carregou durante toda sua vida. Assim como ocorreu com a turma da tropicália, a Bahia também deu régua e compasso ao Maluco Beleza que completaria 80 anos este ano.

“Seu inglês era fluente e natural e, a nossos ouvidos, soava perfeitamente americano. Quando voltava para o português, ele parecia fazer questão de exagerar nas marcas de baianidade: em seus discos e em suas apresentações ao vivo, tudo o que não era americano era baiano”, escreveu Caetano Veloso, em seu livro Verdade Tropical.

Alguns fãs de Raulzito, principalmente os mais conservadores, podem estar se tremendo em começar o texto logo com uma frase do ‘rival’ de Raulzito numa Salvador que pulsava Bossa e Rock. Mas, convenhamos. É, sem dúvida, uma boa explicação para saber quem foi a Mosca na Sopa nos tempos de Salvador, no início, no fim e no meio.

Quem foi o menino que misturava baianidade e um inglês fluente, que começou a ouvir Elvis, exalava rebeldia pelas ruas da capital e começou sua carreira sob o olhar de uma santa? Digo que é impossível saber, mas tentaremos. Afinal, como diria o próprio Raul, “A necessidade de ter uma resposta nos leva a dois caminhos: à loucura ou à crença em algo criado para justificar o que não é para ser justificado”. E quem somos nós para contrariá-lo?

O início

Raul Seixas e sua mãe
Raul Seixas e sua mãe Crédito: Divulgação

Veraneio em Dias D’Ávila, família de classe média e uma criança genuinamente da Cidade Baixa de Salvador. Este era o cenário da infância e parte da adolescência de Raulzito e seu irmão quase quatro anos mais novo, Plínio. “Raul é um artista seminal, enigmático e popular. Boa parte de seus mistérios podem ser elucidados através do entendimento dessa infância e adolescência. Raul não foi um menino da Pituba, nem do Itaigara. Raul e Plínio conheceram o mundo na Boa Viagem, no Monte Serrat”, conta Edvard Passos, criador do musical “Aventuras do Maluco Beleza”, que narra as aventuras dos irmãos Seixas na infância.

Para ser bem exato, Raul morava na Rua Rio Itapicuru, número 17, onde atualmente funciona uma loja maçônica. Os pais de Raul, o engenheiro Raul Varella Seixas e a dona de casa Maria Eugênia Santos, casaram na Igreja do Bonfim e já moravam na Cidade Baixa no nascimento do artista baiano. “Ao contrário do que pensam, Raul não morou na Avenida 7”, disse o jornalista José Pacheco, uma referência quando o assunto é Raul em Salvador.

Na verdade, quem morou na Avenida 7 foi sua avó e, de fato, Raul nasceu e ficou no período puerpério da mãe no local. Na infância também frequentava a casa, onde também funcionava uma oficina de geladeira do seu tio, Lulu Geladeira, também famoso piloto de corrida automobilística que acontecia na Avenida Centenário. Em uma geladeira dessa, Raul se escondeu e Plininho o trancou lá, mas esqueceu o irmão  dentro. Por pouco não tínhamos um Maluco Beleza pra contar.

Depois de Monte Serrat, a família foi morar no Canela, enquanto as obras do apartamento que compraram na Graça, no Edifício Nossa Senhora das Graças, não foram concluídas. No prédio, até hoje tem uma placa indicando que Raul morou lá, entre 1961 e 67. Nas férias escolares, era quase um ritual: todos iam para casa de veraneio, em Dias D’Ávila.

Raulzito estudou no Colégio São Bento e no Marista. Não se sabe ao certo em que lugar foi, mas ele repetiu algumas vezes de ano. “Eu era um fracasso na escola [...] Repeti cinco vezes a segunda série do ginásio [...], eu ficava o dia todo ouvindo os discos novos de rock”, relatou o próprio Raul, no livro de Sylvio Passos, ‘Raul Seixas por ele mesmo’.

Na verdade, ele ‘só’ perdeu três vezes, mas colecionou histórias curiosas, como quando convenceu seu irmão Plínio a roubar boletins em branco no São Bento, onde eles preenchiam as notas e mostravam aos pais. “Passamos de ano em casa e perdemos o ano lá na escola de verdade! Mas tivemos um Natal maravilhoso…”, lembra Plínio, irmão de Raul. Os pais só descobriram a tramoia quando foram matricular os meninos no ano seguinte.

Apesar de não gostar da forma engessada da escola, Raulzito devorava os livros da biblioteca do pai, que tinha de filosofia a contos clássicos, como Don Quixote. De sua mãe, consumia música popular, como Luiz Gonzaga, antes mesmo de ter o primeiro contato com o rock norte-americano. Tanto que o próprio Raul dizia que não via diferença entre Elvis e Gonzagão. “Tinham a mesma malícia para cantar”, disse Raul, em entrevista a Pedro Bial, em 1983.

Os primeiros amigos de infância deram o primeiro passo para Raul ser o pai do rock brasileiro. Seus primeiros amiguinhos eram filhos de americanos que trabalhavam no consulado próximo a sua casa, já no Canela. Foi aí que ele conheceu Elvis, sua principal referência. Ainda criança, já falava inglês fluentemente e chegou a fundar o primeiro fã clube do cantor no país. Chegou a descer o farrapo em um amigo na escola, que criticou Presley na sua frente. Essa referência ele levou até o fim. No seu leito de morte, foi encontrada uma imagem de Elvis.

O fim

Sepultamento de Raul Seixas em Salvador
Sepultamento de Raul Seixas em Salvador Crédito: ARQUIVO / CORREIO

Em 1976, Raul Seixas lançou um álbum que eternizou a música ‘Eu Nasci há 10 mil anos atrás’, uma canção que pode ser confundida com a imortalidade. Contudo, naquele mesmo disco, inclusive na primeira faixa, ele cantava ‘Canto para minha morte’: “A morte, surda, caminha ao meu lado e eu não sei em que esquina ela vai me beijar…”, dizia a letra. Falar do fim de Raulzito não pode ser tão raso quanto resumir sua vida ao álcool e às drogas. Sim, foi um fator que contribuiu para ele morrer aos 44 anos. Contudo, para a vida e obra de um gênio, até a morte precisa de um significado mais complexo.

“Foi bom para Raul morrer cedo. Ele não gostava de ser velho, não. Imitou Elvis Presley em tudo, até na morte", repetia dona Eugênia, em suas diversas entrevistas após a morte de seu filho, Raul Seixas. Muito mais digno, diga-se de passagem. Elvis foi a referência de Raulzito no seu estilo rebelde de astro do rock. Raul morreu aos 44 anos, Elvis, aos 42.

Do seu nascimento até sua partida para o Rio de Janeiro, a Bahia se tornou refúgio e férias para Raulzito. Segundo o cantor e compositor Sylvio Passos, Seixas sempre falava da sua cidade natal. Já fazendo sucesso, chegou a tirar férias em Dias D’Ávila, acampando na cidade com amigos e familiares.

“Raul saiu da Bahia porque não tinha oportunidade para um músico como ele. Mas ele sempre amou suas raízes, sempre citou a saudade que tinha de sua infância, dos amigos e da família. Sempre que podia, ia para Salvador ou Dias D’Ávila”, lembra Passos, amigo de Raulzito até sua morte. O cantor baiano inclusive deu todo seu acervo para Sylvio, fundador do primeiro Fã clube de Raul.

Sempre que visitava Salvador, Sylvio ficava na casa onde Raul morou na Graça. “Dona Eugênia era maravilhosa. Sempre que vinha, ela fazia questão de me colocar para dormir no quarto que era de Raul”, lembra Passos. É o mesmo quarto que, quando criança, Raul esboçou uma frase que virou música anos mais tarde: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”.

A morte de Raul, em agosto de 1989, só fez mostrar o quanto ele era querido, mesmo não sendo demonstrado isso nos últimos anos de sua vida. No primeiro momento, muita gente queria que ele fosse enterrado em São Paulo. Ele, inclusive, chegou a ser velado na capital paulista, com muita comoção, confusão e música cantada pelos fãs, que fizeram protesto e só liberaram o caixão depois que ele fosse conduzido num carro de bombeiros, algo que não estava na programação. Foi neste clima que Raul foi levado para Salvador, a primeira e última morada do ídolo.

O enterro de Raul Seixas, no Jardim da Saudade, foi tão intenso quanto a própria vida do Maluco Beleza. Um palco de uma comoção coletiva, como lembrou Marcelo Nova em seu livro ‘Marcelo Nova – O Galope do Tempo’. Ele lembra que estava na capela, quando os fãs invadiram o local e pegaram o caixão. “Eles queriam levar Raul para passear, fumar maconha… Eles gritavam “Raul não morreu, ele está vivo! Vamos levá-lo pra tomar uma”, lembra.

Foi justamente neste enterro que surgiu o eterno “Toca Raul”, que incomodou Lobão. “Estava no enterro, todos chorando, quando um cara passou gritando “Toca Raul, Toca Raul!. A frase acabou eternizada”, lembra Sylvio Passos. Até hoje a morada atual de Raulzito é visitada por fãs.

E o meio

Raul Seixas
Raul Seixas Crédito: Divulgação

Ainda pré-adolescente, para não dizer uma criança precoce, Raul já tinha uma banda chamada Relâmpagos do Rock. E foi com esta banda de moleques que ele negociou sua primeira exibição, com uma freira baixinha que administrava o Cine Roma, Irmã Dulce. Na fase intermediária de Raul em Salvador, é difícil até enumerar os locais importantes na vida e carreira do ídolo. Contudo, foi no local onde hoje é o santuário da santa baiana, o templo do rock baiano na época, que Raulzito pegou gosto em cantar.

“Ninguém sabia o que era rock. Eu tocava e me atirava no chão, imitando o Little Richard, como via nos filmes americanos. E sempre notava que as primeiras filas ficavam vazias. É que as mães pensavam que eu estava tendo um ataque de epilepsia”, contou Raul, em sua entrevista para a revista Bizz, em 1987.

Raul praticamente apresentou o rock aos baianos. Ele, pela sua amizade com norte-americanos que moravam na capital, ouvia os sucessos do estilo musical antes de qualquer soteropolitano. Este privilégio também moldou seu estilo de se vestir, com gola alta, chiclete na boca e uma rebeldia no melhor estilo James Dean e Elvis Presley.

Inclusive o cinema também foi crucial para determinar o caminho roqueiro do Maluco Beleza. Foi no recém inaugurado Cine Guarani, outro lugar crucial na vida dele, que Raul assistiu, pela primeira vez, o filme rebelde ‘No Balanço das Horas’. “Eu me lembro, foi uma loucura para mim. A gente quebrou o cinema todo”, relatou Raul. Curiosamente, quem criou o Guarani foi um cara chamado Manoel Barradas, ex-presidente do Vitória que dá nome ao estádio rubro-negro.

Naquela altura, Raul já fazia sucesso na capital com a banda Raulzito e seus Panteras, mas também travavam verdadeiras batalhas com outro estilo musical, a bossa nova, encabeçada por Caetano Veloso, Gil e cia. Na época, eles eram praticamente inimigos vedados, como uma guerra fria da música baiana. De um lado, o Teatro Vila Velha intelectualizada com a ideia de nacionalismo que escutava a turma que viria a fundar a Tropicália, contra o Cine Roma (de Dulce), com o rock tido na época como alienado e consumido pela camada mais pobre e operária de Salvador.

Com uma linguagem que não cabe nos dias de hoje, Raul sempre lembrou em suas entrevistas que, para curtir rock na época, só era possível em locais em que empregadas domésticas, operários e garis frequentavam e já curtiam o rock de Raulzito e seus Panteras, no Cine Roma, enquanto a massa intelectual estava ouvindo Caetano. “A empregada lá de casa era minha fã. Chegou uma vez para a minha mãe e disse que tinha dançado comigo. Minha mãe quase morreu… Caetano era meu inimigo. Depois, tudo passou, acabou a besteira com a Tropicália”, lembra Raul, que já fazia sucesso, cantava na Rádio Sociedade e abria shows de pessoas notórias da época, como Roberto Carlos e Jerry Adriani.

Neste período, Raul se apaixonou pela norte-americana Edith Wisner, que morava em Salvador. O pai, protestante, não permitiu que a filha namorasse um músico rebelde e sem futuro. O que Raul fez? Passou em Direito, na Ufba. Cursou até o tempo do pai aceitar e ele se casar com Edith.

Caiu fora da universidade e seguiu seu rumo, a convite de Jerry Adriani, para o Rio de Janeiro de forma definitiva, deixando sua terra natal apenas na lembrança, mas referência eterna. "Essa identidade territorial é definidora da genética criativa de Raul", conclui Edvard Passos. Da Cidade Baixa ao Cine Roma, de Irmã Dulce ao rock, Raul saiu de Salvador, mas Salvador nunca saiu dele. Toca Raul!