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Da Redação
Publicado em 26 de dezembro de 2012 às 07:34
- Atualizado há 2 anos
Telma Alvarenga*>
Ontem de manhã, assim que li na internet a notícia da morte de Dona Canô, uma amiga telefonou. Outros amigos mandaram mensagens. Sabiam que eu estaria triste. Órfã da alegria da matriarca dos Velloso, toda a Bahia amanheceu mais triste no dia de Natal. Como eu. Não sou parente, sequer amiga próxima da família. Mas quem me conhece sabe do meu carinho e admiração pela senhora centenária.>
Conhecer Dona Canô, ter o privilégio de participar da sua festa de aniversário de 103 anos, em 2010, em Santo Amaro da Purificação, conversar com ela, sábia e serena, foram presentes preciosos que a Bahia me deu. Antes mesmo de vir morar em Salvador, eu já admirava a mãe de Caetano e Maria Bethânia, ídolos com lugar cativo na trilha sonora da minha vida e no meu porta-CDs (não tenho iPod, pronto, falei!). >
Quando morava no Rio, só conhecia Dona Canô de declarações em jornais e revistas. E já gostava dela. Admirava sua lucidez, simplicidade e a força que pressentia na aparência frágil, delicada.Um dia, já como colunista do CORREIO, liguei para ela. E tietei: “Dona Canô, eu não a conheço pessoalmente, mas gosto muito da senhora”. A resposta veio na lata. “Como pode gostar se não conhece?”. Ali, descobri mais uma faceta de sua personalidade. Dona Canô era assim: direta, franca, sem salamaleques. Gostei ainda mais dela. >
No ótimo documentário Pedrinha de Aruanda, de Andrucha Waddington, ela responde a uma pergunta sobre o orgulho que sente de Caetano e Bethânia, seus filhos mais famosos. “Sinto orgulho porque eles são ótimos filhos, amigos, irmãos, parentes... É muita coisa. De eles serem artistas, dessa glória, não sinto orgulho, não”. Dona Canô foi igualmente mãe de Clara, Mabel, Nicinha, Irene, Rodrigo, Roberto. E avó de Moreno, Zeca, Tom, Jota, Ju... Bisa de meu camarada Jorginho. Resolvi ir a Santo Amaro para conhecê-la, no dia 16 de setembro de 2010, quando ela completou 103 anos. E entendi perfeitamente por que, numa entrevista, Bia Lessa, diretora e amiga de Bethânia, comentou que fazia questão de levar suas filhas ao aniversário de Dona Canô, em Santo Amaro: “É educação básica”, disse.>
A cidade parava, como se fosse feriado. Dona Canô era recebida com pétalas de rosas na porta da igreja e, depois de uma missa emocionante, abria as portas de sua casa, para a festa. Com música ao vivo no quintal, como ela gostava, e um entra e sai de gente sem fim. “Ela adora essa fuzarca”, Caetano comentou. As pessoas, anônimas e famosas, faziam fila para beijar a mão da aniversariante, sentada em sua cadeira de rodas, trancinha nos cabelos e sapatinhos de crochê. >
Perguntei a ela o que era o melhor dos 103 anos. “A vida que vivi”, respondeu. E o pior? “Não poder ficar, ter de ir”. Fiquei com lágrimas nos olhos, emocionada. A gente também não queria que ela tivesse de ir. Nunca. Mas no coração dos filhos, netos e bisnetos, e dos admiradores distantes, como eu, ela vai viver para sempre, com sua alegria, sua simplicidade, e a sabedoria de quem sabe que, “na vida, para ser feliz é preciso coragem”. A frase é dela, sábia Dona Canô. >
* Telma Alvarenga é editora da Coluna VIP>