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Perla Ribeiro
Publicado em 20 de maio de 2025 às 08:48
Pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter uma expectativa de vida significativamente menor em comparação àquelas sem a condição. De acordo com um estudo publicado no início de 2025 no The British Journal of Psychiatry, homens com TDAH vivem, em média, 6,78 anos a menos que os homens sem o diagnóstico. No caso das mulheres, a diferença é ainda maior: 8,64 anos a menos de vida. O trabalho, realizado por pesquisadores da Inglaterra, é o primeiro a usar dados de mortalidade para estimar a média de anos de vida perdidos por quem vive com o transtorno. >
As causas das mortes não foram avaliadas no estudo. Mas, entre os fatores que podem explicar essa diferença na expectativa de vida, os autores apontam questões como maior incidência de doenças físicas e mentais, tabagismo, uso de álcool e outras substâncias e menor acesso a cuidados médicos adequados. “Ainda não sabemos exatamente por que pessoas com TDAH tendem a viver menos, mas já é conhecido que transtornos mentais graves, por si só, podem reduzir a expectativa de vida”, explica o psiquiatra Ricardo Feldman, do Hospital Israelita Albert Einstein.>
Uma das hipóteses, segundo o psiquiatra, é de que essas pessoas estejam mais expostas a mortes por causas não naturais, como acidentes de trânsito, envenenamentos ou intoxicações – riscos que podem estar ligados à impulsividade e à desatenção características do transtorno. A pesquisa analisou registros médicos de mais de 9,5 milhões de pessoas atendidas por 792 clínicas de atenção primária do Reino Unido entre 2000 e 2019. Desse total, cerca de 30 mil adultos (0,32% da amostra) tinham um diagnóstico formal de TDAH. Os pesquisadores compararam esses dados com um grupo controle de 300 mil pessoas.>
Os resultados confirmaram a expectativa de vida menor, sendo que a mortalidade foi quase duas vezes maior entre adultos com o transtorno em relação ao grupo controle. Entre os participantes do sexo masculino com diagnóstico de TDAH, 193 de 23.377 (0,83%) morreram, em comparação com 1.219 de 233.770 (0,52%) dos homens do grupo controle. Entre as mulheres com diagnóstico de TDAH, 148 de 6.662 (2,22%) morreram, em comparação com 902 de 66.620 (1,35%) sem a condição. As taxas de mortalidade aumentaram exponencialmente com a idade.>
Transtorno é subdiagnosticado>
Embora o TDAH seja mais conhecido como um transtorno da infância, ele pode persistir na vida adulta. Caracterizado por sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade, impacta diretamente a vida escolar, profissional, intelectual e social das pessoas. Estimativas globais apontam que cerca de 2,8% da população adulta vive com TDAH. No entanto, na pesquisa realizada no Reino Unido, apenas 0,32% dos adultos da amostra analisada tinham um diagnóstico formal – o que reforça a ideia de que a condição é amplamente subdiagnosticada.>
Fazer um diagnóstico preciso de TDAH ainda é um desafio, mesmo com os critérios bem definidos no DSM-5, o principal manual usado por psiquiatras para classificar transtornos mentais. “Hoje, as pessoas estão sendo bombardeadas por informações sobre TDAH nas redes sociais e na mídia, o que faz com que muitas confundam sintomas isolados com um diagnóstico clínico completo”, explica Feldman.>
Queixas como desatenção ou agitação são comuns, mas não bastam para confirmar o transtorno. O TDAH se caracteriza por um padrão persistente de desatenção, impulsividade e hiperatividade que afeta de forma significativa a vida da pessoa — no trabalho, nos estudos ou nas relações sociais. “É fundamental entender que não é um sintoma pontual que define o diagnóstico. É o impacto real e duradouro desses sintomas no cotidiano que deve ser levado em conta”, reforça o médico.>
Vale lembrar que a desatenção, um dos sintomas centrais do TDAH, pode ter várias outras causas. “O estresse, que é extremamente comum hoje em dia devido à alta demanda e ao ritmo acelerado da vida moderna, é uma das primeiras causas de dificuldade de concentração”, explica o médico. Além disso, transtornos como ansiedade, depressão, uso de substâncias e até certos medicamentos também podem afetar diretamente a atenção. “Nosso maior desafio é justamente diferenciar o TDAH de outras condições, muitas delas até mais prevalentes, que também causam déficit de atenção”, afirma.>
Feldman destaca ainda que a redução na expectativa de vida observada em pessoas com TDAH não deve ser atribuída exclusivamente ao transtorno. Ela reflete, sobretudo, um acúmulo de vulnerabilidades enfrentadas por esses indivíduos – como falta de diagnóstico, ausência de tratamento adequado, estigmas sociais e dificuldades no acesso a serviços de saúde. “Estamos falando de fatores evitáveis. Por isso, reconhecer e tratar o TDAH corretamente pode fazer uma grande diferença”, conclui o psiquiatra.>
Diante dos resultados, os autores do estudo britânico defendem a criação de políticas públicas que ampliem o diagnóstico e o acesso a tratamento especializado para adultos com TDAH. O objetivo é evitar o agravamento das desigualdades e reduzir os riscos de morte prematura associados ao transtorno. Feldman concorda. “É preciso criar mecanismos para capacitação de profissionais, investir em treinamento, aumentar o acesso das pessoas ao tratamento. Ao mesmo tempo, precisamos estar mais atentos a essa população”, conclui.>