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Perla Ribeiro
Agência Einstein
Publicado em 17 de junho de 2025 às 08:43
Correr está na moda. Nas cidades litorâneas, um exercíto de corredores movimenta as orlas. Em outros cenários, eles ganham pistasm, ruas e parques. É sinônimo de bem estar e qualidade de vida. Os números de provas realizadas no Brasil demonstram como a modalidade esportiva virou um fenômeno no país. Só em 2024 foram quase 3 mil provas oficiais no país, um aumento de 29% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira de Organizadores de Corridas de Rua. São milhões de brasileiros se desafiando para provas de longa distância, como os 42,195 quilômetros da maratona. >
Os benefícios da prática incluem melhora no condicionamento cardiovascular, no controle do peso e da glicemia. Junto com os ganhos, porém, surgem as preocupações. A morte de um jovem de 20 anos durante a Maratona Internacional de Porto Alegre, no último dia 7 de junho, reacendeu o alerta sobre os riscos associados ao esforço extremo. Afinal, completar uma prova dessas exige uma adaptação extrema no corpo humano, muito mais do que apenas calçar os tênis e correr até a linha de chegada.>
Durante uma maratona, o corpo precisa se adaptar rapidamente para enfrentar o esforço prolongado. “Os músculos consomem muita energia e oxigênio, o coração bate mais rápido para bombear sangue, a respiração acelera para manter uma efetiva troca de gases. A temperatura corporal sobe e há grande perda de água e sais minerais pelo suor, no processo de resfriamento do corpo”, descreve a cardiologista Luciana Janot, médica referência da Reabilitação e Medicina Esportiva do Hospital Israelita Albert Einstein.>
Enquanto os pulmões aumentam o volume e a frequência respiratória, o coração bombeia até quatro a seis vezes mais sangue por minuto comparado ao repouso para fornecer oxigênio suficiente aos músculos. O metabolismo atua como uma verdadeira orquestra, com a utilização de carboidrato e gordura alternando-se de acordo com a demanda energética e o condicionamento do atleta, para manter a energia necessária até o fim da prova. “O exercício físico é um grande estressor fisiológico, e a maratona representa um estresse mais prolongado”, resume a cardiologista.>
O cérebro também desempenha um papel crucial durante a corrida, desenvolvendo maior tolerância ao desconforto e ajudando o atleta a manter o foco e o controle emocional para lidar com a fadiga progressiva. Uma pesquisa publicada em 2017 no International Journal of Exercise Science mostrou que, em corridas de longa duração, os níveis de cortisol (hormônio que ajuda o corpo a lidar com situações de esforço físico ou emocional) e alfa-amilase (enzima que é um marcador de estresse agudo) inicialmente aumentam, mas podem ser suprimidos em distâncias extremas — resposta neuroendócrina que pode ajudar a manter a performance dos atletas sob estresse prolongado. >
Tempo para reequilíbrio>
Logo após cruzar a linha de chegada, o corpo entra em um período crítico de recuperação. Segundo Janot, é comum sentir dores musculares, fadiga intensa e até alterações no sono e no apetite. “Essas reações são normais e fazem parte do reparo natural”, explica. Nas primeiras 24 a 48 horas depois da prova, o corpo começa a se reorganizar, iniciando a resposta inflamatória para reparar as microlesões musculares, eliminar as toxinas produzidas e recuperar as reservas energéticas. Marcadores biológicos, como a creatina quinase (enzima que auxilia a produção de energia nas células musculares) e a troponina (proteína que indica estresse cardíaco), costumam ficar em níveis elevados, indicando um esforço significativo e sobrecarga.>
O sistema imunológico também precisa de um tempo para se reequilibrar. “Nos dias seguintes à maratona, o corpo fica mais suscetível a infecções, por isso é importante respeitar o descanso”, diz Janot. Esse período de vulnerabilidade, conhecido como “janela aberta”, pode durar de 24 a 72 horas após o evento. Uma metanálise publicada em 2024 na Exercise Immunology Review concluiu que atletas têm um risco elevado de desenvolver infecções respiratórias nesse intervalo devido à supressão temporária da imunidade induzida pelo esforço extremo. >
A recuperação muscular completa varia de acordo com cada organismo. “Varia entre 10 e 20 dias, dependendo do condicionamento do atleta, da intensidade do esforço, da alimentação e da qualidade do sono”, explica a cardiologista. Esse tempo reforça a importância da recuperação adequada tanto para restaurar o desempenho físico para a próxima corrida, quanto para preservar a saúde geral.>
Benefícios e riscos a longo prazo>
A preparação para uma prova de longa distância exige transformações significativas no corpo do atleta. O coração, os pulmões, os músculos e o cérebro se adaptam para suprir a demanda de esforço sem comprometer a saúde. Segundo a cardiologista do Einstein, entre os principais benefícios desse processo estão o aumento da eficiência cardiovascular, com redução da frequência cardíaca de repouso, melhora na sensibilidade à insulina e maior capacidade de utilização de gordura como fonte de energia. >
No entanto, os ganhos podem ser comprometidos se houver excesso. Por isso, treinar regularmente é essencial para melhorar o condicionamento físico, proteger o coração e fortalecer o corpo. “Como em qualquer processo de adaptação, existe um ponto em que o esforço saudável pode se transformar em sobrecarga e causar prejuízos”, pondera Janot.>
Além disso, corredores que treinam intensamente por longos períodos, sem intervalos adequados de recuperação, podem desenvolver a síndrome do overtraining. “Alguns sinais indicam que o limite pode estar sendo ultrapassado: cansaço persistente mesmo após o descanso, dores musculares prolongadas, queda no rendimento, distúrbios no sono, alterações no humor e aumento da frequência cardíaca em repouso”, alerta Janot.>
Casos de mal súbito, embora raros, também se destacam entre os riscos. Um estudo publicado no JAMA em maio deste ano analisou 29,3 milhões de finalizadores em maratonas e meias‑maratonas nos Estados Unidos entre 2010 e 2023, e encontrou 176 paradas cardíacas — 0,54 a cada 100 mil participantes. A incidência permaneceu estável em relação ao período de 2000 a 2009, mas a letalidade caiu de 71 % para 34 %, com morte por parada reduzindo de 0,39 para 0,20 por 100 mil. A maioria das paradas foi atribuída à doença arterial coronariana, e o estudo associa a melhora nas taxas de sobrevida à presença de desfibriladores e aplicação imediata de reanimação cardiopulmonar nas corridas.>
Os benefícios do treinamento de longa duração são reais e numerosos, mas exigem planejamento, moderação e atenção aos sinais do corpo. “Um treino eficiente é aquele que estimula o corpo a se adaptar de forma progressiva. Ele provoca cansaço temporário, melhora o desempenho com o tempo e respeita os períodos de recuperação”, orienta a cardiologista do Einstein.>
Seis sinais de alerta:>