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Jairo Costa Jr.
Publicado em 18 de janeiro de 2020 às 07:26
- Atualizado há 2 anos
Mesmo em tempos de acirrada animosidade política no Brasil, onde cada lado do espectro ideológico defende e ataca com a faca nos dentes, o dramaturgo carioca Roberto Alvim conseguiu um feito raro, para não dizer inédito, na recente trajetória do governo Jair Bolsonaro: desagradar, com igual intensidade, aliados, apoiadores, desafetos e críticos do governo Jair Bolsonaro, esquerda, direita, centro e seus extremos. Assim como o dito popular que atribui à boca a causa pela qual peixes morrem, Alvim caiu na sexta-feira do comando da Secretaria Especial de Cultura por dizer o que não devia na véspera. >
No caso, usar uma fala do ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, como base de seu discurso em defesa do “renascimento da arte” no Brasil. O então número um da Cultura precipitou a própria queda ao citar o seguinte trecho em vídeo postado nas redes: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”. >
Em 8 de maio de 1933, há quase 87 anos, Goebbels usou retórica parecida ao se dirigir a diretores de teatro quatro meses após a ascensão do Terceiro Reich. “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferramenta romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”, disse Goebbels na ocasião. >
Apesar das desculpas posteriores de Alvim, quaisquer semelhanças entre as duas falas não foram vistas como mera coincidência, mas repudiadas pela referência praticamente literal ao discurso daquele que é considerado um dos “gênios do mal” do Nazismo. Como era fácil prever, a postagem tinha tudo para provocar lambança. Só não se tinha a noção do nível que o furdunço alcançaria.>
Avalanche As primeiras reações contra Alvim partiram da comunidade judaica. Em nota, a Confederação Israelita do Brasil exigiu a demissão do secretário. “Emular a visão (de Goebbels) é um sinal assustador (...). Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas, a ponto de cometerem o Holocausto”, disse a entidade, seguida em igual tom pela Embaixada da Alemanha em Brasília.>
Judeu, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), revelou “o desprazer de tomar conhecimento do acintoso, descabido e infeliz pronunciamento de assombrosa inspiração” e defendeu a saída imediata de Alvim. “O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo deveria afastá-lo urgente”, destacou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto o presidente do Supremo, Dias Toffoli, disse que era preciso “repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão”.>
O tsunami ganhou mais corpo com a adesão de autoridades, políticos opostos ou não ao governo, personalidades e representantes de entidades da sociedade civil contrários à declaração, ornamentada com a abertura da ópera Lohengrin, do alemão Richard Wagner, a favorita de Adolf Hitler. Entre os quais, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, o apresentador Luciano Huck, também judeu, e o líder da bancada evangélica no Congresso, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).>
Até o guru do clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho, defensor da guinada conservadora na Cultura, se voltou contra o secretário: “É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça”, tuítou. Na Bahia, o prefeito ACM Neto (DEM) e o governador Rui Costa (PT) engrossaram o coro. >
De nada adiantaram as justificativas de Alvim, que atribuiu a fala a um “copia e cola” de assessores e pediu perdão pelo que chamou de “infeliz coincidência retórica”, segundo ele, sem “associação com o nazismo, que encarnou o mal absoluto”. No início da noite de sexta, Bolsonaro, que um dia antes havia rasgado elogios ao secretário, assinou sua exoneração. Talvez Alvim não conhecesse a célebre frase de Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro da Itália, outra nação afetada pelo nazi-fascismo: “O poder desgasta quem não o tem”.>
Goebbels, o ‘gênio do mal’ de Hitler Um dos mais leais e devotados seguidores de Adolf Hitler, Joseph Goebbels foi ministro da Propaganda da Alemanha Nazista e apontado como artífice da poderosa máquina montada pelo Terceiro Reich para manipular os alemães através de ferramentas da comunicação e de controle cultural antes e durante a Segunda Guerra. Coube a ele propagar as ideias nazistas, incitando o ódio aos judeus, comunistas, homossexuais e ciganos, e construir a imagem de Hitler como o “Führer” em jornais, rádios, filmes, obras de teatro, literatura, música e artes plásticas, impondo uma severa censura. Com a Alemanha derrotada em 1945, Goebbels se matou com a mulher logo após Hitler cometer suicídio.>