Muquiranas trocam pistolas d'água por bichos de pelúcia

Com os revólveres de brinquedo proibidos, foliões recorreram a outros acessórios

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  • Roberto Midlej

Publicado em 14 de fevereiro de 2024 às 06:00

Eduardo, Fabiano, Aldo Rafael e Igor aderiram aos novos brinquedos
Eduardo, Fabiano, Aldo Rafael e Igor aderiram aos novos brinquedos Crédito: Roberto Midlej/CORREIO

Não é só o porte de arma de fogo que divide o país. A discussão sobre o porte das pistolas d'água no bloco Muquiranas também rachou os soteropolitanos. A brincadeira de molhar as pessoas, que os foliões travestidos faziam tradicionalmente, acabou depois que o governo do estado proibiu, por lei, em junho do ano passado, o uso das tais pistolas que incomodavam muita gente.

E pela primeira vez o bloco saiu sem os acessórios. Para a dona de casa Zenildes dos Santos, a proibição foi válida. “Era horrível ir para a rua com essas pistolas. A gente ia passando, os homens molhavam a gente. Agora, me sinto mais protegida”. Maria Damasceno completou: “É bem mais confortável sair de casa sabendo que não tem essa brincadeira, que muitas vezes é na maldade e acabava prejudicando a outra pessoa”.

Mas houve também mulheres que lamentaram, como Tais Alves, 36 anos, que acompanhava a saída do Muquiranas, no sábado de Carnaval,  no Campo Grande: "O bloco perdeu a referência e, com isso, perdeu a graça, a alegria. Nunca tive problemas com eles". Mais à frente, a reportagem viu uma jovem conversando com as amigas, queixando-se de outro problema: "Eles pegam aqueles 'pintos' de brinquedo e esfregam na gente". Explica-se: ela se refere a órgãos sexuais de pelúcia ou de borracha, que alguns foliões carregam com eles. Alguns deles até trocaram a pistola pelos novos adereços.

Frustração de vó

E teve até uma vó que ficou frustrada, porque a brincadeira com as pistolas era o que motivava o neto dela, Zion, a sair de casa durante as festas: "Ele e um amigo dele que vinha comigo são muito tímidos e quando chegavam aqui [no Campo Grande] se soltavam brincando com a pistola. Eu trazia ele desde os quatro anos de idade, mas agora ele tem 12 e não veio. Mas, se pudesse usar a pistola, ele viria. O pessoal do bloco passava e ficava brincando com ele. Pra mim, perdeu a graça", diz Sílvia Macêdo, 65 anos, aposentada.

"Coruja", Antonio Neto, Helder Tourinho e Vital Cavalcante Crédito: Roberto Midlej/CORREIO

Dentro do bloco, uma surpresa: todos os associados com quem o CORREIO falou se mostraram favoráveis à proibição. "Vou ser sincero, sem hipocrisia: eu já usei a pistola, mas acho que tem que proibir. Às vezes, a mulher fez uma escova no cabelo ou uma maquiagem, a gente molha ela e estraga o que ela preparou. Ou às vezes tá com uma roupa que, quando é molhada, fica transparente. E tem gente maldosa, que bota até urina no lugar da água", diz o motorista de caminhão Igor Mendonça, 43, que ostentava um ursinho de pelúcia para substituir o revólver de brinquedo.

'Melhor para todos'

Antonio Neto, folião do "Muqui" - que durante o Carnaval adota o pseudônimo Netinha segundo os amigos -, sai no bloco há 25 anos e garante que nunca usou a pistola. "Acho que tem que ter respeito pelos outros. Então, valorizo a lei, ela trouxe melhoras pra todos. O pessoal usava a pistola mais contra as mulheres", diz o auxiliar de suprimentos de 53 anos.

O gerente de posto de combustível Aldo Rafael, 46, caprichou no visual e carregava com ele um boneco em forma de bebê, o que também é um pretexto para brincar com a criançada. "Para mim, sem a pistola, ficou melhor. Eu sempre trazia a pistola e tive uma discussão com colegas, porque sou a favor da proibição. O problema é que muita gente insistia em brincar com quem não gostava", observa Aldo.

O instrumentador cirúrgico Denis Matheus, de 39 anos, levou o filho Nicolas, de dez, para sair com ele no início do bloco. "Eu usava a pistola, mas sabia brincar. Mas muita gente passava do limite e assediava as mulheres. Minha mãe, por exemplo, deixou de vir assistir à saída do bloco por isso". Vale registrar que a reportagem ficou atenta e não viu nenhuma arminha nas mãos dos foliões.

De acordo com a Polícia Militar, até terça-feira (13), apenas nove pistolas d‘água foram apreendidas nos portais de abordagem dos circuitos.

Diante das acusações de assédio que os integrantes vinham sofrendo, o vocalista da banda La Fúria, que puxava o bloco, Bruno Magnata, resolveu fazer um apelo: "Não é não! Seja um homem de honra e diga não à violência contra a mulher".

Faz um pix

Atento ao que acontecia embaixo do trio, Magnata percebeu que duas vendedoras de bebidas tiveram um prejuízo e perderam, durante uma confusão, os produtos para venda, além do isopor e do carrinho de mão. O vocalista parou de cantar por quase dez minutos e disse que só soltaria a voz depois que encontrasse as moças, para indenizá-las. E assim o fez: providenciou, na hora mesmo, um pix de R$ 2 mil para cada uma delas. A transferência foi testemunhada pela multidão, que aplaudiu e soltou gritos de espanto, surpresa com o valor generoso.

Dentro do bloco, o CORREIO não viu ninguém com pistola
Dentro do bloco, o CORREIO não viu ninguém com pistola Crédito: Roberto Midlej/CORREIO

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