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Inteligência Artificial e o futuro das escolas

O momento de discutir como será a escola do futuro é agora. Mas essa discussão tem que ser feita sem ceder ao novo mal do século, a pressa

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  • Andre Stangl

Publicado em 17 de dezembro de 2023 às 13:41

Um conto visionário do genial Isaac Asimov, escrito em 1951, narra a vida dos estudantes no futuro. O título "The fun they had" pode ser traduzido livremente como "As antigas formas de diversão". No conto, duas crianças do futuro conversam sobre o passado. Uma delas encontrou um objeto estranho, um livro de papel que descreve como eram as escolas do passado. Ou seja, as aulas de hoje. Em 2157, no futuro imaginado por Asimov, as escolas não existem mais. Cada criança tem um robô tutor que dá aulas em casa, de forma personalizada, além de passar exercícios sobre os assuntos estudados e corrigi-los instantaneamente. As crianças do conto ficam intrigadas com o relato sobre as escolas do passado, pois acham sua própria experiência escolar desinteressante. Elas estudam sozinhas, apenas com ajuda dos robôs, e ficam imaginando como deveria ser divertido estudar junto com outras crianças.

Foi falando desse conto que o professor Pier Cesare Rivoltella finalizou suas aulas no curso sobre Inteligência Artificial na Educação. Ele e a professora Mônica Fantin estiveram esse mês na UFBA, graças à iniciativa do grupo GEC, coordenado por Nelson Pretto e Maria Helena Bonilla.

O curso foi impressionante, pois mostrou como é urgente e necessário ampliar a discussão sobre a transformação que está acontecendo (mais uma vez) no mundo da educação. Sempre que aparece uma nova tecnologia de informação, os ambientes educacionais são abalados de alguma forma. Mas nem sempre esse abalo é destrutivo

Pelo menos, desde a popularização da televisão nos anos 50, e o surgimento dos telecursos, que os agouros sobre o fim da escola se multiplicam. Foi assim também com o surgimento da internet e dos smartphones. O futuro pode ser imprevisível, por isso é fundamental olhar com calma as transformações que já estão acontecendo agora.

Um olhar desatento pode nem notar como as inteligências artificiais estão reconfigurando vários setores da sociedade. As tecnologias algorítmicas são invisíveis e nem sempre conseguimos perceber quando estão agindo. São os algoritmos que atuam nas recomendações de filmes na Netflix, nas indicações de compras na Amazon, nas rotas indicadas no Waze, na seleção de corridas no Uber, nas promoções do Ifood, nas sugestões do Spotify, Deezer, Instagram, TikTok, Facebook e X.

Nos ambientes educacionais, as possibilidades são assombrosas, os cenários podem ser mais ou menos como Asimov descreveu 70 anos atrás. O momento de discutir como será a escola do futuro é agora. Mas essa discussão tem que ser feita sem ceder ao novo mal do século, a pressa. Uma consequência direta da aceleração que as tecnologias estão trazendo para nossas vidas.

A introdução de novas tecnologias nos ambientes educacionais sempre foi polêmica. Uma tecnologia básica como uma impressora já é suficiente para deslocar o papel social das escolas. Quem assistiu à série "Anne with E" viu um bom exemplo disso. Quando Anne publicou no jornal da escola um artigo opinativo sobre a situação da mulher na época (1899), a escola literalmente pegou fogo.

"Desde o Iluminismo, acredita-se que o papel da educação é iluminar a mente, proporcionando esclarecimento, e preparar o caminho para a emancipação dos mais jovens." E as tecnologias seriam formas de potencializar esse projeto iluminado. Por isso é comum associar a transformação tecnológica a um aumento do potencial dos alunos. Ainda que muitas vezes o papel das tecnologias fique refém dos interesses econômicos e de marketing das escolas. Basta observar a profusão de propaganda com imagens de salas hitech. Para alguns, escolher uma escola para os filhos é quase como comparar a configuração de equipamentos. A melhor tela, a melhor conexão etc. Mas o que essa estratégia esconde é que muitas vezes a tecnologia não vai ser uma aliada da emancipação, e sim mais uma forma de disciplinar os alunos.

No curso na UFBA, o professor Rivoltella apresentou um projeto pioneiro sobre a utilização das Inteligências Artificiais na escola. "O projeto Construindo o Futuro: Caminho de Pesquisa/Ação sobre o Uso de IA nas Escolas, coordenado pelo Liceo Classico "Jacopo Stellini" de Udine (Itália), envolve 55 instituições educacionais da região. O objetivo é colaborar na formação de pessoal e na criação de diretrizes para o uso didático da Inteligência Artificial generativa. O processo inclui discussões e colaborações entre escolas, resultando em diretrizes abrangendo temas como ética na utilização da IA, integração nos currículos, envolvimento dos alunos e considerações sobre privacidade e proteção de dados. Estas diretrizes, uma vez completas, serão disponibilizadas para todas as escolas participantes e outras interessadas."

O projeto envolve pesquisadores de diversas áreas, e pretende validar uma estratégia colaborativa de uso das IAs nas escolas. Experiências como essa podem ser úteis para diversos contextos educacionais e merecem ser acompanhadas e replicadas. Inspirado pelo curso do professor Rivoltella, o artigo de hoje também é um experimento. Os trechos desse artigo foram coescritos com chatGPT. Acredito que só vamos conseguir criar parâmetros justos para a utilização das IAs testando suas potencialidades e suas limitações. Acho que não custa testar e sempre que fizer isso vou "indicar".

Quando se fala de transformação tecnológica é preciso entender se ela está dialogando com uma visão pedagógica e não meramente instrumental. Um bom projeto pedagógico pode reunir a esperança de construir uma prática educacional libertadora e a potencialidade emancipadora das tecnologias digitais.

Seja como for, a introdução de novas tecnologias nos ambientes educacionais precisa ser mais debatida. Só assim podemos evitar os exageros, como está ocorrendo no caso do Ensino à distância, um recurso útil e inclusivo, mas que está sendo usado de forma irresponsável por muitas instituições. O único caminho para evitar os exageros é a regulamentação, algo que para ser efetivo precisa envolver vários setores da sociedade.

No último dia 8, a União Europeia concluiu um acordo para estabelecer regras para o uso de Inteligência Artificial (IA). Essa regulamentação (IA ACT), iniciada em 2018 e proposta em 2021, foi ajustada devido à evolução das IAs. Um aspecto interessante é que a proposta evita generalizações, pois cada tipo de IA ou de contexto tem seus desafios.

"À medida que a tecnologia de inteligência artificial avança, não apenas a personalização se torna mais sofisticada, mas também surgem novas aplicações específicas da IA na educação. Uma inovação promissora é a capacidade de criar tutores virtuais personalizados, que podem se assemelhar a personagens populares de filmes e séries, tornando o aprendizado mais envolvente. Além disso, sistemas de avaliação adaptativos estão sendo desenvolvidos para ajustar o nível de dificuldade e o estilo de perguntas com base no desempenho do aluno, oferecendo uma avaliação mais precisa e individualizada. Outra aplicação significativa é o uso de ferramentas de aprendizagem colaborativa baseadas em IA, que facilitam a interação entre alunos e estimulam o trabalho em equipe, mesmo em ambientes virtuais. Essas tecnologias não apenas enriquecem a experiência de aprendizado, mas também preparam os estudantes para um futuro onde a colaboração e a adaptação às tecnologias emergentes serão essenciais."

Sabemos que as escolas de hoje não são tão divertidas quanto as imaginadas no conto de Asimov. Na verdade, a percepção geral é justamente o contrário. Salas de aula lotadas e professores sobrecarregados não ajudam a melhorar essa situação. Por isso, com os devidos cuidados, a chegada das IAs nas escolas pode significar uma oportunidade de transformar a experiência escolar.

As novas gerações já descobriram como estudar sozinhas, basta ver a quantidade de vídeos tutoriais sobre games e outros assuntos de seu interesse. Falta desenvolver estratégias para ampliar esse leque de interesses, e esse é um dos papéis da escola. Um outro papel, fundamental, é estimular o convívio, a interação social.

Será ótimo se a introdução das IAs nas escolas ajudar a diminuir o tempo de aulas expositivas e a luta dos professores por silêncio. Pois uma parte do conteúdo poderá ser absorvida de forma individualizada, com tutores digitais. E, assim, as escolas poderão ampliar o tempo e as formas de interação face a face e a colaboração entre os estudantes. Valorizando uma competência cada vez mais rara entre os mais jovens, a capacidade de conversar e aprender juntos. Como já dizia Vygotsky, "através dos outros, nos tornamos nós mesmos".

Andre Stangl é professor e educador digital, cresceu em Brotas, estudou Filosofia e fez doutorado na USP