A era da incerteza climática

Por Sosthenes Macêdo*

Publicado em 24 de abril de 2024 às 21:03

Iniciamos a Operação Chuva 2024, sob um cenário diverso: os maiores acumulados pluviométricos em Salvador deixaram de ser uma característica exclusiva do período de abril a junho. Um exemplo disso foi o mês de fevereiro, o mais chuvoso em 19 anos na capital baiana, seguido de picos de temperatura acima das médias históricas.

Em acréscimo, tivemos a primeira quinzena mais chuvosa de abril dos últimos trinta anos. E isto não parece um caso particular de Salvador: 37 municípios no interior baiano decretaram situação de emergência devido às fortes chuvas, atestando a velocidade com que vêm ocorrendo as mudanças climáticas – e os casos de extremos climáticos.

Os investimentos feitos pela Prefeitura em Salvador, voltados para ampliar a segurança da população, principalmente em áreas de risco, levando-se em conta o planejamento urbano que considere eventos climáticos extremos, têm se mostrado eficazes.

Guardadas as proporções, basta lembramos as fortes chuvas que cairam sobre Dubai reentemente, cidade rica e planejada dos Emirados Árabes, onde foram registrados inesperados acumulados de 120mm em 24 horas, provocando transtornos que ganharam destaque internacional, ressaltando que a cidade terá de adaptar sua infraestrutura e preparar melhor seus cidadãos e serviços de emergência para responder eficazmente a estas novas realidades.

Enquanto a capital baiana, uma cidade de topografica complexa e com histórico de construções irregulares, no mesmo período, registrou acumulados de chuvas de 175mm sem intercorrências com vítimas.

Medidas de mitigação de riscos de desastres têm sido adotadas pelos municípios mais atingidos pelas intempéries, buscando evitar o colapso climático previsto por especialistas, nas discussões da Comissão Especial sobre Prevenção e Auxílio a Desastres e Calamidades Naturais (Cedesnat).

O impacto das mudanças climáticas nas cidades apresenta novos desafios aos gestores públicos. É preciso esforço para encontrar soluções permanentes voltadas ao combate do aquecimento do planeta. Entre eles, investimentos em ciência e tecnologia para ampliar a previsibilidade das ocorrências climáticas e a criação de protocolos para mitigar potenciais perigos no ecossistema envolvido.

A Prefeitura de Salvador, por exemplo, tem protagonizado ações concretas para reduzir o risco e evitar desastres – sobretudo nas áreas de prevenção. A meta central é municiar a Defesa Civil de instrumentos capazes de antecipar potenciais ameaças advindas de efeitos adversos do clima e de certas práticas históricas de nossa população (sobretudo das parcelas com déficit de moradia digna, mas não apenas delas).

Exemplos dessas ações da Prefeitura de Salvador são: (i) a criação e constante aperfeiçoamento do Centro de Monitoramento de Alerta e Alarme da Defesa Civil (Cemadec), com informações climáticas específicas da cidade, e cruciais para a tomada de decisões; (ii) a capacitação da população (inclusive nas escolas públicas), por meio dos Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDEC e NUPDEC Mirim). Aqui temos duas soluções que vêm apresentando provas na redução de ocorrências fatais.

Somando-se a esses esforços, parcerias com organismos de fomento, a exemplo do International Council for Local Environmental Initiatives - ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade). Com isso, Salvador tem reforçado políticas e contribuído para a adoção de medidas comprometidas com o desenvolvimento urbano sustentável, impulsionando a ação local para o desenvolvimento de baixo carbono, equitativo, resiliente, e baseado na natureza.

Infelizmente, a meta número 1 dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU), redução da pobreza, ainda é um objetivo distante, o que ocasiona a vulnerabilidade das camadas mais pobres da população diante dos efeitos das tragédias hoje tão recorrentes.

Como afirmou o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, “a crise é grave e a culpa é nossa, essa é a verdade. Impactos das mudanças climáticas não chegam iguais para todo mundo. Tudo que está desigual se torna mais desigual”.

Entre as acaloradas e necessárias discussões sobre as alterações climáticas está a relativa ao antropoceno, época recém-criada do tempo geológico, que se sobreporia ao Holoceno, e que reconheceria as mudanças profundas induzidas pela ação humana nas condições geológicas, entre as quais o aquecimento do planeta. A hipótese científica, ainda inconclusa, sustenta-se na suposição de que, tal como o clima, a biodiversidade, os oceanos, os seres humanos se tornaram um fator influente na vida sobre a Terra como defendem alguns cientistas voltados ao estudo climático.

Diante do atual cenário, nada alvissareiro, traduzido em chuvas abundantes alternadas por períodos de seca, intensificados pelo fenômeno El Niño, e ondas de calor, vivemos a era da ocorrência de fenômenos atmosféricos que fogem ao padrão habitual e que nos mantém, enquanto gestores públicos, em permanente estado de alerta. Basta lembrar: as temperaturas têm ficam, pelo menos, 5ºC acima da média histórica para o período,

Há, contudo, indícios de que o calor intenso registrado no Verão tende a arrefecer com a chegada do Outono e, com mais ênfase, a partir do segundo semestre com a chegada da La Niña, se sobrepondo ao El Niño, cuja principal característica é o resfriamento no Oceano Pacífico e a chegada de frentes frias mais intensas no País. Isto, contudo, tende a gerar outros desafios – considerando o histórico das chuvas em nossa cidade.

Avaliação de climatologistas apontam que o El Niño, além de ter sido o mais intenso desde 2015-2016, chama a atenção por seu comportamento incomum devido a expansão da zona de aquecimento do Pacífico para outras áreas que não costumavam apresentar antes altas temperaturas.

Essas ponderações, defendo, enaltecem a necessidade de adoção do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, ora em fase de elaboração e previsto para ser oficializado em junho de 2024, como instrumento de enfrentamento da crise climática e norteador de uma política nacional de proteção e defesa civil no âmbito da gestão de risco e desastres.

A Defesa Civil de Salvador já é uma referência nacional. Isto contribuiu para Salvador ser certificada com Hub de Resiliência pela ONU, mas isso não pode nos conduzir à inércia ou ao isolamento de nossas boas práticas. É necessário o fortalecimento do sistema nacional de defesa civil com a dotação das ferramentas necessárias, voltadas a prevenção de desastres e ao enfrentamento da crescente incerteza climática – e Salvador tentará influir positivamente nessa agenda.

*Diretor-geral da Defesa Civil de Salvador; presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes da Defesa Civil das Capitais e Grandes Cidades Brasileiras Suscetíveis a Risco de Desastres Antrópicos e Decorrentes de Extremos Climáticos. Especialista em Meio Ambiente, Desenvolvimento e Sustentabilidade.