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Pepe Mujica (ou o elogio da coerência)

Leia o texto

  • Foto do(a) author(a) Rafson Ximenes
  • Rafson Ximenes

Publicado em 19 de maio de 2025 às 05:00

Pepe Mujica
Pepe Mujica Crédito: Reprodução/Instagram

Pepe Mujica foi um dos políticos mais admirados no mundo. Sua partida, menos de 1 mês após a do Papa Francisco, o eclesiástico mais cativante do último século, traz um inevitável sentimento de orfandade entre aqueles que acreditam na possibilidade de um mundo mais justo. Presidiu o Uruguai, um país com população menor que a região metropolitana de Salvador. Como explicar tamanha fama em torno de alguém que sempre atuou em um país tão pequeno?

Acontece que Mujica se tornou mais que um político. Era um símbolo. Passou a representar uma utopia: o sonho de um mundo onde todos vivam em paz, harmonia, com justiça, sabedoria e dignidade. Era capaz de dizer verdades óbvias e irrefutáveis. Por exemplo: “Ou você é feliz com pouco e com pouca bagagem, porque a felicidade está dentro de você, ou então não conseguirá nada.” Era impossível não se encantar com aquele velhinho sábio, falando com tanta tranquilidade.

Há, contudo, muitos velhinhos sábios pelo mundo. O que diferenciava Mujica não era sua sabedoria. Era sua disposição para pôr em prática o que falava. Foi capaz de reduzir substancialmente a pobreza no seu país e enfrentar preconceitos. Também colocava suas lições em prática na sua vida pessoal, não exercitando o consumismo desenfreado e nem se deixando seduzir pelas regalias que o poder oferece. Nunca se ouviu falar de Pepe pegando carona em jatinhos de empresários ou frequentando camarotes.

Por aliar teoria e prática, criou um paradoxo. Mujica é praticamente uma unanimidade fora do seu país, mas sempre esteve longe disso dentro dele. No Uruguai muita gente o odiava. Depois que deixou a presidência, seu grupo político foi derrotado. Viver concretamente em favor da utopia de um mundo mais justo significa que suas decisões devem se guiar por seus valores. Decidir pelo mais justo, ou mais ético, nem sempre é decidir pelo mais confortável para algumas pessoas. Muitas vezes, significa cortar ou deixar de conceder privilégios. Pouca gente aceita perder privilégios. Na verdade, quase todos querem ganhá-los, mesmo que os condenem.

Mujica é consenso no exterior porque ao falar dos outros, todos achamos que a prioridade deve ser sempre um mundo melhor. Ao falar dos outros, todos condenamos governantes que escolhem favorecer os mais fortes em detrimento dos mais fracos, que pensam primeiro em si e somente depois no povo. Mas, quando falamos de nós mesmos, muitas vezes cegamos. A coerência que admiramos vista de longe pode irritar quando vista de perto. Cultivar ideais bonitos é mais fácil que se comportar de acordo com eles.

Pepe desagradou também pessoas idealistas como ele, mas que não compreenderam as limitações de ação que mesmo um Presidente possui. Nem sempre é possível realizar imediatamente aquilo que é sonhado, mesmo que a pressa seja compreensível. Então, por mais que os avanços fossem impressionantes para quem olhava de fora, sempre pareciam pouco para alguns uruguaios. Por saber a dimensão do esforço que fazia, sentia-se ofendido e injustiçado quando cobrado agressivamente.

Por vezes, reagia de forma dura. Chegou até a chamar um eleitor de cagón, diante das câmeras.

Ninguém é capaz de seguir no caminho certo apenas com sorrisos e simpatia. Mujica dizia que “devemos abordar a política como um artista faz ao criar uma obra: com a melhor honestidade que consiga e dando tudo de si”. Seguramente, conseguiu. Algumas pessoas achavam que ele fazia apologia da pobreza, quando na verdade lutou sempre contra ela. Nas suas palavras, fazia a apologia da sobriedade. Deixa o exemplo de que é possível viver lucidamente de acordo as utopias, sabendo, como ensinou seu conterrâneo Eduardo Galeano, que, mesmo que não as alcancemos, elas sempre nos fazem caminhar. Pepe sempre viverá na sua utopia graças à sua prática.

Defensoria Pública

Hoje é o dia nacional da Defensoria Pública. O acesso à justiça de qualidade para todos é uma das mais lindas utopias brasileiras. A instituição cresceu muito nos últimos anos, mas apenas 25% das comarcas baianas e 51% das brasileiras têm respeitado o direito ao serviço de forma contínua e o seu orçamento ainda é o menor do sistema de justiça.

Dedico esse texto aos defensores, servidores, estagiários e, principalmente, às pessoas atendidas pela Defensoria. Que o exemplo de Mujica as guie e as faças caminhar com sabedoria, desviando das tentações, enxergando as ilusões e corrigindo os erros de percurso, sempre buscando a coerência entre valores e prática.

Rafson Ximenes é Defensor Público