VAR nas campanhas contra a cultura do estupro

Na maioria esmagadora das campanhas publicitárias contra agressão à mulher, a imagem retratada é quase que invariavelmente a da vítima com olho roxo

Publicado em 25 de março de 2024 às 05:15

O Esporte Clube Bahia levanta sua voz (lá dele!) contra a cultura do estupro. Esse parece ser o mote da campanha publicitária mais que comentada e elogiada nas redes sociais e nos noticiários dos últimos dias. De cá, me vejo matutando se se trata de: mais do mesmo; outra mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia; ou se só é propaganda e fim.

Campanha do Bahia contra a cultura do estupro Crédito: Reprodução

Mais do mesmo porque, na maioria esmagadora das campanhas publicitárias contra agressão à mulher, a imagem retratada é quase que invariavelmente a da vítima com olho roxo, aterrorizada e se protegendo de um agressor que não aparece ou não tem rosto. A vítima é, de novo, mais exposta que o algoz. No geral, a mensagem das campanhas escreve ‘não agrida mulheres’ e a imagem expressa o oposto.

Mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia, porque a peça é muito eficaz em ativar gatilhos justamente nas vítimas, mulheres que passaram por violências retratadas na campanha. Parece até um manual prático. Não foca na causa, mas no efeito, traumas e marcas gerados pelo que a peça deveria combater. E ainda reproduz mensagens estereotipadas das quais, mesmo a mais obtusa machulência atual, sabe que não cabe mais verbalizar. “Se não for para limpar, lavar (não dá no mesmo, não, revisor?) e cozinhar, pra mim, não serve’. Importante perceber também que, na peça publicitária em questão, do algoz, só se vê mesmo o punho (que ironia, hein?). O agressor tá lá, preservado, sem rosto e sem nome.

Por fim, a campanha educativa não lança aos holofotes o agressor, aquele cidadão comum, até boa praça!, que permeia nosso dia-a-dia. Não retrata o empresário que entra no elevador e passa a mão na bunda de uma mulher que ele não conhece; o professor que assedia alunas e alega postura inadequada; o médico que violenta a gestante anestesiada na sala de parto; o filho ou filha (lá deles!) adolescente, que acabou de ser admitido nas categorias de base e já reproduz padrões da ‘machulência’, sob olhares plácidos de mães e pais que são gente como a gente.

A propaganda do time de futebol é rasa feito uma banheira e pouco transforma ou muda padrões. Foi eficiente em expor as marcas do clube e da agência de criação, mas, se apelarmos ao VAR, talvez fique mais claro o produto real ali exposto por eles.

Silvana Gomes é mulher, filha, mãe, tia, irmã, sobrinha, prima e avó de outras mulheres