Meu querido diário: confissões sentimentais de um lobo bobo

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  • Da Redação

Publicado em 9 de setembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Sentia pena de adulto ou criança que fosse chamado de feio em alto e bom som. Em tempos politicamente incorretos, o adjetivo era usado à exaustão, sem culpas. Era incomum ouvir alguém sendo chamado de bonito. Gorducho e engraçadinho, mimavam-me com apertos de bochechas seguidos da proclamação: - Que menininho fofo! [Odiava].

Meu ódio era ainda maior quando ouvia alguém chamar outro alguém de feio. Presenciar fatos assim me despertava compaixão pela criatura ofendida. Tinha vontade de abraçá-la e, ao mesmo tempo, de apedrejar o ofensor. Mas, criança covarde que era, corria para casa e chorava abraçado ao travesseiro. [Minha mãe então me perguntava: - Por que está se debulhando em lágrimas, Roge?]

Virara rotina. Ouvia alguém chamando alguém de feio na rua, corria para o colo do travesseiro no qual chorava de soluçar, e minha mãe repetia a pergunta de sempre. Um dia resolvi responder à minha mãe fazendo-lhe pergunta. A seguinte: - Por que existe gente feia e gente bonita? A gente não devia ser tudo feio ou tudo bonito?

[Meu pai, sempre pândego, risonho e franco tinha expressão pronta na ponta da língua para definir a não beleza de alguém: - É tão feio, ou feia, quanto a cabeça da máquina. Mas nunca me explicava que raios de cabeça da máquina era essa – nem eu nunca lhe perguntei].

Minha mãe, diante de minha pergunta candente, parou os afazeres domésticos, sentou ao meu lado e, enquanto fazia cócegas nos meus pés, falou: - Deixe de ‘bestage’, Roge. Sempre existiu gente feia e gente bonita no mundo. Sempre existirá. Não se aperreie não.

Imerso nos prazeres que as mãos de minha mãe irradiava nos meus pés, ainda ouvi: - Tudo tem saída. Feios e bonitos podem conseguir  casamentos e serem felizes. A questão sempre será estar na prateleira certa... Eu a interrompi: - Mas como escolher a prateleira certa? Ela sorriu, deu-me beijo na face, e se foi.

Essa frase enigmática nunca sairia da minha cabeça. Certa vez, já adulto, em festa regada a todos os vícios no bairro da Federação, nesta Salvadores, encantei-me por guapíssimo estudante de arquitetura. Pensei em me posicionar na prateleira certa engendrada por minha mãe. Caprichei no jogo de sedução, dancei e dublei Gloria Gaynor com notável nonchalance, exagerei nos requebros e maneiras, fiz caras e bocas – e nada. Desisti, e me afoguei em hectolitros de hi-fi (vodca + fanta laranja).

Desencontros afetivos-sexuais desse tipo tornaram-se recorrentes. Nem quando engrenei  dois casamentos e alguns namoros eu escolhia a prateleira certa. Quem estava na prateleira certa eram eles, obcecados em me seduzir, e eu deixava a vida me levar.

Apesar de me considerarem bonito e de amigos me acusarem de tentar roubar-lhes namorados, nunca seduzi ninguém que eu, de fato, quisesse seduzir. Devo-me isso. Em compensação, (quase) todo mundo que me tentou seduzir (feio ou bonito) obteve êxito – estivesse na prateleira certa ou errada. [Minha mãe não deve estar lá muito satisfeita com a performance amorosa do filho – perdão mama!]