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Não vá que é barril

Já pensou ter que pedir permissão até pra comprar um absorvente pro senhor seu marido?

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 18 de agosto de 2024 às 08:34

Pimenta nos olhos dos outros é refresco: minha avó nunca esteve tão certa quanto em 2024. Porque veja bem: que viagem errada é essa de influencer que ganha dinheiro com conteúdo ficar ensinando pras seguidoras que bom mesmo é ser dona de casa, quando nem mesmo elas são?

Repare, uma coisa é lavar roupa, estender roupa, fazer mesa posta, sei lá o que mais. Isso aí é tarefa de qualquer pessoa minimamente funcional que tem uma casa: cuidar. Seja homem ou mulher. Outra coisa é a pessoa se dar ao trabalho de ir nas redes sociais pregar que mulher - a uma altura dessa do campeonato - tem que ficar em casa burnindo chão e panela e deixar o sustento da casa pro marido. O detalhe é que quem fala geralmente é a influenciadora com milhares de seguidores, que faz publi de marcas, e o dinheiro só pingando em cinco dígitos em sua conta bancária. Assim é massa, né?

Que nem uma muito bonitinha (mas ordinária) que eu seguia, tirada a usar roupa retrô, que esses dias veio com uma postagem assim: quem paga as contas todas de casa é meu marido. Influenciadora. Significa que tem a capacidade de influenciar pessoas. É uma responsabilidade, né? Ou deveria. E aí, nos comentários, centenas de mulheres contando de suas próprias vidas, maridos pedindo que elas deixem de "trabalhar fora" e elas inseguras, com receio. Perguntando, por exemplo, "e se eu quiser comprar um presente para minha mãe, vou ter que pedir dinheiro a ele?". Claro que a digníssima que faz centenas de publi por mês não se dignou a responder. Mas a resposta a gente sabe, é um sim grandão.

E a gente conhece essas histórias. Como a de uma amiga querida que sempre que a rotina da família com a única filha aperta, é ela quem tem que deixar o trabalho em que estiver. Quando isso acontece, ela precisa pedir dinheiro para tudo. E já houve momentos em que o marido recusou comprar para ela o shampoo e o condicionador que ela usava, porque ele achou besteira, e na semana seguinte, ele veio me mostrar todo contente a HQ rara do Batman que ele achou num sebo da cidade. Bem mais cara que quatro kits daqueles. Aí no que dá.

Tem até nome esse movimento doido, que é tradwife: traduzindo, esposa tradicional. Gente que fica em casa pra fazer pão, manteiga, criar filhos, etc. Vamos falar o nome das coisas? É trabalho. Pode até ser que não seja remunerado, pode até ser que a mulher não seja paga pra isso, mas ela trabalha. E com certeza muito mais que o homem que tem o expediente ali certinho, porque o dela, ao contrário do dele, só termina quando a casa tá limpa e todo mundo vai dormir. Só isso aí já é argumento suficiente pra você nunca mais dizer a frase "Fulana não trabalha˜. Trabalha sim. O certo seria: "Fulana trabalha em casa".

E nem vamos cair na bobagem de culpar a mulher. A gente sabe, vivemos numa sociedade que adora isso. Tirando, claro, a irresponsabilidade da influencer, que pode jogar várias mulheres em situações realmente difíceis às quais ela, por ganhar dinheiro, está bem longe de estar submetida. É um fake de "amélia" que ela tá fazendo pra fazer tipo. Mas o faz-me-rir tá lá, quicando na conta do roxinho dela.

O machismo da mulher é pior? Então, não é. Uma coisa que a psicóloga Valesca Zanello me ensinou foi que, quando a gente vê uma violência, a primeira pergunta a se fazer é: quem se beneficia dela? Pois é. Nesse caso, não é a mulher. Ela pode defender com unhas e dentes essa ideia de ser esposa tradicional, de ser submissa e o que mais for, de ser sustentada pelo marido, mas o grande beneficiário disso tudo está do outro lado da cama e da mesa. É quem vai ser servido nesse banquete.

E aí vem comentários de gente dizendo que é melhor isso do que a mulher ser explorada no mercado de trabalho. Vamos fazer um chá revelação aqui rapidinho? Quem é que não tá? Tem alguém que você conheça que diga, "Trabalho a justa medida, sem nenhum abuso da empresa, com todo respeito, é ótimo lá"? Se sim, vamos conversar, porque você tá vivendo em Nárnia, né no Brasil não.

O que quer dizer: melhor explorada no mercado de trabalho do cão e com um dinheirinho caindo na conta dia 05. A dor e a delícia de pagar seus próprios boletos. Já pensou ter que pedir permissão até pra comprar um absorvente pro senhor seu marido? Como diria uma grande canção baiana, "não vá que é barril".

Mariana Paiva é escritora, palestrante, consultora em Pessoas e Diversidade na Awá Cultura e Gente, head de DE&I no RS Advogados e doutora pela Unicamp