Todo mundo distribui chocolate e flor, mas esquece do respeito e do acolhimento

Vem aí o Dia da Mulher e é preciso criar ambientes seguros

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  • Mariana Paiva

Publicado em 3 de março de 2024 às 07:00

Diz que o dia tem 24 horas pra todo mundo. Pras mulheres, não: se tem gente no mundo pra acreditar que a Terra é plana, então me deixem acreditar que nossos dias têm mais de 24 horas. Mas é claro que, em sã consciência, mulher nenhuma vai desejar que tenha, de verdade, mais de 24 horas: quem se arrebenta é ela mesma, nesse caso. Vai é ter mais coisa pra dar conta.

Porque é muito prato pra equilibrar e nem sempre a gente consegue. Se você bota uma toalha pra lavar tem que estender logo senão seca fedendo: tem tempo até pra isso, mas tantas vezes a mulher não tem tempo pra si mesma. Um silenciozinho, um momentinho de perna cruzada no sofá olhando a grama crescer pela janela. Ah, até tem. Mas sem culpa de não estar fazendo alguma coisa de útil? Aí não: a gente é ensinada a estar sempre em movimento, cuidando, sem parar. Se parou pra descansar, pode esperar que a culpa chega em 3, 2, 1. Haja terapia.

Outro dia, fui almoçar com amigos num restaurante desses que acham ótima ideia passar clipes na televisão (não é: bom é conversar e se concentrar na comida) e paramos pra prestar atenção. O que tinha de cantora sensualizando, se esfregando no chão, não tava escrito. Tem que fazer cara de que tá esperando a aproximação do macho-alfa, dança do acasalamento, cantar meio gemendo. Igual que nem eu disse outro dia quando ouvi o disco novo de uma cantora: “Pra quem tem gato em casa, nenhuma novidade”. Uma sucessão de miados simulando gozo.

Pois não vivemos miando e nem de olho espremido e boca aberta. A gente tá é com a lombar doendo de tanto ficar sentada na frente do computador ou de varrer casa, acordando cada vez mais cedo pra tentar fazer um tiquinho de atividade física, acelerando os áudios em 2x pra conseguir conversar com as amizades. No final das contas, a casa nunca para limpa, sempre tem demanda nova no trabalho e a gente termina o dia se sentindo insuficiente, com a pálpebra tremendo. Né?

Falando assim, parece até que estamos sozinhas no mundo. Só que – veja só que ironia – não estamos. Dividimos o tempo e o espaço com outras pessoas, tantas vezes homens. Grandes, pequenos, familiares, desconhecidos, em casa, na rua, no trabalho. E que podem ser aliados – fazer com que todo fardo seja mais leve para nós, mulheres – ou criar um inferno em vida. Sabemos bem: as notícias de jornal, as dores das nossas antepassadas, de nossas amigas, nossa própria história. Eles é que escolhem quem serão.

Porque não dá pra falar de mulher sem falar de homem. Vem aí o dia 8 de março e todo mundo distribui chocolate e flor, mas esquece do respeito, do acolhimento, de criar ambientes seguros para que a mulher possa ser mulher sem medo. Aliás, como seria ser mulher sem sentir medo? Medo de morrer, de ser atacada a cada esquina, de se envolver com um parceiro que se revele violento, medo de não ser uma boa mãe, medo de esquecer de si?

É esse o pão nosso de cada dia: manter o casamento por medo da violência do outro, assumir sozinha os cuidados com as crianças, deixar a carreira em segundo plano pela família enquanto o parceiro cresce na sua a olhos vistos. Ou ser a mulher que trabalha, cuida da casa e de tudo enquanto o homem sequer consegue abaixar a tampa do vaso. O dedo de marcar coçando, porque conhecemos de perto essas histórias: são as mulheres (e os homens, tantas vezes) que amamos. Nossa família, nossas amizades, nossas histórias. Quem nunca?

Entre chocolate feito de gordura hidrogenada e rosa que murcha, a gente prefere aliado: esse homem que, apesar dos privilégios que tem, pode abrir espaço para mulheres. Que pode desaprender as violências e a voz de comando para conhecer um novo jeito de viver junto, de verdade: compartilhando os cuidados com a casa e com a família, tirando o peso mental todo de uma só pessoa, a mulher. O homem que não ajuda, mas faz sua parte, sem que ninguém precise lhe pedir. Que limpa junto a casa, sabe a próxima vacina das crianças, conhece por nome os amiguinhos da escola. Porque ele também é parte da vida, do lugar, de tudo.

Seria um presente bonito e inusitado, um aliado. Quem sabe assim, a gente teria menos dor na lombar, menos culpa, mais tempo quem sabe até pra miar (Não se engane, não: a gente quer; só tá cansada mesmo).

Mariana Paiva é escritora, jornalista, CEO da Ìyá Cultura e Gente e head de DE&I do RS Advogados

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