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Da Redação
Publicado em 12 de maio de 2017 às 04:36
- Atualizado há 2 anos
Em 1938, uma jovem mulher com figurino exótico aportou na Bahia, procedente do Recife, onde residira sete anos, após ter a sua vida devassada pela polícia pernambucana que desejava saber a sua origem, se nascida na Sérvia ou na Grécia, movida por denúncias de suposto charlatanismo da acusada que “lia o futuro, através das cartas do tarô”. Dizia curar o alcoolismo, trazer o amor perdido de volta e explicava que seu dom adivinhatório não era macumba, nem catimbó.O nome da jovem era Beatriz Janovitch, conhecida como Madame Beatriz, a mais famosa cartomante de todos os tempos, imortalizada por Jorge Amado no seu romance Pastores da Noite. Os baianos já estavam familiarizados com cartomantes desde o início do século XX, mulheres a maioria, no geral estrangeiras, que faziam o circuito Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e se autodenominavam “madames” para afirmar o seu conhecimento das ciências ocultas, naquele tempo, tão em voga na Europa, em especial em Paris. Madame Haydée foi uma delas, atendia o público na sua residência do Largo do Carmo,18, na década de 1920. Antes andou por aqui Madame Therése que se apresentava como recém-chegada do Egito, versada nas ciências ocultas, e afirmava não ser cartomante, nem feiticeira e dizia falar vários idiomas. Montou a sua tenda na Rua Nova de São Bento, 29. Pela mesma época surge Madame Sophia que residia na rua Carlos Gomes, 31. E ainda um certo professor Dorian Gray que atendia na Rua Ruy Barbosa, afirmava ser espírita e espalhava para seus clientes que se tornara um faquir na Índia. Foi posto para correr pela polícia, era um argentino já habituado a dar golpes; reapareceu anos depois no Recife com o nome de Professor Paklet Parron. Lá fazia consultas por correspondência mediante 10 mil reis adiantados.Madame Beatriz apresentou-se em Salvador como quiromante oriental, “famosa maga”, segundo ela, “conhecida em todas as grandes capitais do mundo”, disposta “a rasgar o véu misterioso do futuro”. E aqui ficou boa parte de sua vida, embora tenha residido também no Rio de Janeiro e no Recife, na década de 50, num retorno triunfal para quem tinha deixado a terra dos Guararapes nas circunstâncias aqui relatadas. Tornou-se uma baiana, assim identificada pela imprensa do sul do país, nas costumeiras reportagens de fim de ano com pauta sobre as previsões para o ano seguinte.Acertava algumas, errava outras. Errou feio na década de 60 ao prever que o prefeito Antonio Carlos Magalhães seria traído por adversários e deposto do cargo, sem concluir o seu mandato. Acertou ao prever a intensificação da Guerra do Vietnã, com a morte de muitos norte-americanos. Madame Beatriz já era uma quiromante famosa quando se envolveu numa polêmica com o escritor Jorge Amado, ao anunciar a sua intenção de processá-lo por injúria. Identificou-se com a personagem do romance Pastores da Noite, a única faquir fêmea do mundo que queria ser enterrada viva e acabou se casando com o camelô Curió.Madame Beatriz envolveu o desembargador Silmas Saraiva e contratou o advogado Newton Teixeira. Declarou que o livro dele a fez “derramar lágrimas” e concluiu “esse Jorge Amado é um absurdo”. O escritor levou na esportiva, já tinha vivido algumas situações semelhantes no passado, em Jubiabá, um pai de santo que se identificou com um dos personagens recorrera à Justiça. Na polêmica com Madame Beatriz, o diretor dos Diários e Emissoras Associadas na Bahia Odorico Tavares saiu em defesa do escritor, ironizando a intenção da cartomante, em crônica publicada no Jornal da Bahia, onde previa o futuro do caso: “O Amado está na cadeia, pois para lá o conduzirão os poderes judiciários da avantajada vidente. E lá ficará escrevendo um novo romance sobre a vida dos carcereiros... enquanto nós aqui fora estaremos junto à madame para que sua vidência nos diga por quanto tempo estaremos livres das impertinências de Jorge”.>