Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Publicado em 7 de maio de 2025 às 05:00
Na Igreja Católica, os números falam, mas os gestos falam ainda mais. Quando se trata da sucessão do apóstolo Pedro, o primeiro papa, cada detalhe é lido com atenção, cada sinal interpretado com cuidado. Como jornalista que já percorreu, por exemplo, os corredores da Rádio Vaticano, testemunhei de perto como a geopolítica eclesial se articula em silêncio, com cuidado, com cautela e através de símbolos. E um desses sinais começa a surgir com mais clareza: o Brasil não pode mais ser apenas o país com mais católicos do mundo. Na minha humilde opinião precisa ser também escutado com o devido protagonismo nos espaços decisivos da Igreja. Esse protagonismo foi dado por Francisco ao situar o Cardeal Sérgio da Rocha, Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, no seleto grupo do C9 - os nove cardeais assessores. Mas esse protagonismo bem que poderia aumentar. >
Segundo o Anuário Pontifício 2025 e o Anuário Estatístico Eclesial 2023, o Brasil abriga 182 milhões de católicos, o que representa 13% de todos os católicos do mundo. São 12.618 paróquias espalhadas pelo território e 490 bispos vivos, sendo 318 na ativa — um episcopado que é, sozinho, maior que o dos Estados Unidos e da Itália, conforme o Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Esses números, porém, ainda não se refletem de maneira proporcional nos bastidores do Vaticano, principalmente quando olhamos para o colégio cardinalício e os espaços de maior influência. A esperança fica na reforma em 80% do colégio, mas que não necessariamente representa uma ligação direta das linhas progressista e política de Francisco. >
Nesse cenário, destaca-se a figura de Dom Sérgio. Com a serenidade que lhe é própria, o purpurado mantém um estilo pastoral que une a tradição e o espírito reformador do último papa. Como me confidenciaram alguns bispos que conversei nos últimos dias, sua postura conciliadora e sua formação teológica o colocam entre os nomes mais respeitados do continente, mas a própria eminência não alimenta esse tipo de comentário. Não é exagero dizer que, se o colégio cardinalício quiser sinalizar continuidade com o espírito de Francisco sem abrir mão da sobriedade doutrinal, Dom Sérgio é uma alternativa madura. Mas será que o raio cairá duas vezes no mesmo lugar - a América Latina?>
Ainda assim, o caminho não é simples. O papado de Francisco já representou uma quebra histórica ao tirar o centro da Igreja do eixo europeu. A América Latina, que hoje concentra 47,8% dos católicos, teve seu momento. O desejo de setores mais conservadores e tradicionalistas de “reorganizar” a Igreja sob uma liderança europeia volta à pauta silenciosa dos corredores do Vaticano. E é aqui que o desafio brasileiro se coloca: se há peso numérico de representação de fieis dentro dos seus sete votos, é preciso haver também estratégia institucional. A Igreja não é apenas espiritualidade — é também articulação, até porque a fé sem ação ela é morta (Tg 2, 17).>
O protagonismo brasileiro não é um capricho nacionalista, mas uma necessidade pastoral de uma Igreja que, aqui, pulsa viva, diversa e comprometida, mesmo diante da crescente dos neopentecostais. Porém, cravar um nome é uma roleta de sorte. Nem sempre o conclave segue a lógica dos leigos. O “Habemus papam” pode vir de qualquer parte. Inclusive, para um Cardeal sediado em Salvador. Será? Difícil, porém não impossível. A conferir.>
Victor Pinto é jornalista e advogado. Apresentador da Band Bahia e da rádio Excelsior. Membro da Devoção do Senhor do Bonfim. >