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O “homem de palha” está solto por aí, aprenda a identificar o inimigo e se defender

Veja como distorção dos argumentos virou praga na comunicação, o jeito que ela funciona e um passo a passo para desmontar a estratégia desonesta e tão comum

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 06:00

A
Espantalho Crédito: Shutterstock

Eles estão por toda parte, disfarçados de resposta engajada, de réplica indignada, de comentário espirituoso. Não são acidentes de leitura nem mal-entendidos, mas construções propositais. A “falácia do espantalho” ou do “homem de palha” é uma técnica que consiste em distorcer ou exagerar o argumento de outra pessoa para torná-lo mais fácil de destruir. Ou seja, em vez de lidar com o argumento real, a pessoa cria uma versão simplificada e distorcida - o "espantalho" - e o ataca. Isso transforma qualquer ideia em absurdo pronto para ser destroçado. A estratégia está ao alcance de todos e promete fazer com que qualquer idiota se sinta “genial” ao achar que venceu a discussão. Esses bonecos adoram redes sociais, mas não vivem só por lá.

O nome vem do inglês straw man, o homem de palha que assusta pássaros nas plantações. A metáfora se consolidou no início do século XX como termo da retórica. Desde então, ganhou espaço na filosofia, na política, na academia, nas festas de família e nas mesas de bar. Hoje está naturalizada em qualquer roda de conversa, por mais que se tente evitar. Preste atenção e você vai identificar essa que não é apenas uma falácia lógica, mas um modo de vida intelectual em tempos de “pressa”, para não dizer coisa pior.

Veja um exemplo: por esses dias, escrevi sobre mulheres que rompem ciclos de violência e o espantalho apareceu imediatamente. No meu texto, digo que a saída é rara e por isso deve ser festejada. Logo sou acusada de culpar as que não conseguiram sair. Mas não é isso que escrevi, é o contrário. Só que já não importa. O espantalho tomou a cena e o sentido do que foi dito se perde na falsa acusação. Ou seja, o debate legítimo se dissolve em mal-entendido proposital.

Outro exemplo: muita gente sugere ajustes nas políticas de cotas, com base na realidade atual. Surge o espantalho: “essas pessoas são contra as cotas”. Então, o debate que poderia aprimorar uma conquista coletiva vira tribunal de intenções, muitas vezes comandado por quem se diz “intelectual”. Espera-se dessas pessoas que sustentem complexidade, mas muitas preferem a solução preguiçosa que provoca palmas instantâneas. Assim, um potencial pensamento crítico se rende ao boneco de palha e a conversa vira uma coisa sem noção.

A dinâmica tem sempre quatro passos:

1. Apresentação do argumento: 

Uma pessoa apresenta um argumento ou opinião.

Ex: "Precisamos investir em educação para melhorar a qualidade de vida das pessoas."

2. Criação do espantalho:

Alguém distorce ou exagera esse argumento, criando uma versão mais fraca ou absurda (o espantalho).

Ex: "Ah, então você está dizendo que não devemos investir em mais nada além da educação, que outras áreas não são importantes?"

3. Ataque ao espantalho:

A pessoa ataca essa versão distorcida, como se fosse o argumento original.

Ex: "Como podemos concordar com isso? Precisamos de hospitais, estradas e segurança! Seu argumento é absurdo!"

4. Falsa impressão de vitória:

Ao refutar o "espantalho", uma pessoa dá a impressão de ter refutado o argumento original, mesmo que não tenha lidado com ele de fato.

Espantalho por Shutterstock

Os efeitos dessa epidemia são devastadores. A esfera pública se empobrece, as ideias se achatam, a nuance desaparece nas interações. Em vez de pensar, cada um vigia a chance de capturar uma frase vulnerável para distorcer o que o outro falou. O resultado é a substituição da política pela caricatura, da análise pela acusação, da divergência pela hostilidade. O espantalho cria a ilusão de debate, mas o que vive é, justamente, a humilhação diante da impossibilidade.

Como sobreviver a isso? O primeiro passo é nomear: identificar o boneco de palha, sinalizar e relembrar o que foi dito de fato. O segundo é manter o eixo, reafirmar o argumento real sem se perder no teatro da distorção. O terceiro é entender a hora de sair. Nem todo embate merece empenho, nem todo interlocutor merece atenção. Então, se não tiver jeito, é deixar o criador de espantalho falando sozinho, enquanto você namora um pouquinho, dá risada com amigos, abraça seu filho, brinca com o cachorro ou toma um sol.

(Por outro lado, “vigia-te a ti mesmo”, pra não acabar condenando o espantalho dos outros e, ao mesmo tempo, alimentando os seus de estimação.)

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida