Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Flavia Azevedo
Publicado em 17 de julho de 2025 às 11:49
Adoro um ditado que diz “quem come de tudo não passa fome” - e não é sobre gastronomia. De todas as orientações sexuais, acho que a bissexualidade - para homens e mulheres - é a mais divertida. Isso porque, ao ampliar o leque de possibilidades, a pessoa tem mais chances de ser feliz. Pode ser o mais natural, inclusive. Freud dizia que todo mundo nasce com uma bissexualidade que mais tarde é reprimida. Dito isso, acho ótima essa onda mundial de homens “desreprimidos”, que agora dizem preferir mulheres, mas também transar com outros homens. >
Só tem um detalhe: se eu não posso ser “vegana que come carne” ou “ateia que acredita em Deus”, os abençoados que passeiam pelo vale não são "heterossexuais", como afirmam ser. Mas isso importa? Veremos que sim.>
As coisas têm nomes, você sabe disso. E é necessário que tenham, para que a comunicação aconteça. Desse modo, pessoas que sentem desejo sexual por homens e mulheres são chamadas de bissexuais. É isso que está combinado em nosso idioma. Do mesmo modo que veganas são pessoas que não consomem nenhum produto de origem animal e que ateus são aqueles que não acreditam em Deus. Simples assim.>
Porém, o homem padrão discorda e, agora, manobra a semântica para ajustar a linguagem aos seus próprios caprichos. Então, frequentam os aplicativos de pegação, encontram os boys e fazem tudo o que querem - mas não abrem mão do status de “heterossexual”, como se isso fosse possível. O golpe tá aí. Explícito.>
(“Ah, mas rótulos limitam”, você pode estar pensando aí. Pode ser, mas veja que eles só rejeitam o rótulo que tira do lugar de poder. Ao rótulo de “héteros”, permanecem apegadíssimos.)>
Esse é um enredo antigo, a novidade é só o jeito de mentir. Antes, para sustentarem o status de “macho”, eles apenas escondiam - principalmente das próprias parceiras - o sexo que fazem com os “amigos”. Agora, num surto de “liberdade”, eles assumem que transam com outros homens, mas dizem que é “só um pouquinho”. Aí se chamam de “heteroflexíveis” ou “homens heterossexuais que fazem sexo com homens (HSH)” e, na opinião deles, fica tudo resolvido.>
Qual é a vantagem que eles tiram nesse novo movimento? Elementar: no combinado que agora propõem, eles não precisam mais se esconder, então mantêm o status da heterossexualidade sem abrir mão do prazer homoafetivo. Ainda por cima, criam um hype e são celebrados como “modernos”, em vez de sofrerem - de um lado - com frustrações de desejos ou - de outro - com nossa tradicional homofobia coletiva.>
Ótimo. Boa tentativa. Porém, lamento informar que viver sempre o “melhor dos mundos” é uma fantasia. Todos nós arcamos com as consequências do que somos – como indivíduos e coletivamente -, e nenhum jogo de palavras muda isso.>
O que precisa mudar é que nenhuma orientação sexual deve ser considerada “errada”, mas sempre uma questão pessoal e íntima. Apenas não deveria importar se alguém tem tesão por homens, mulheres ou tudo ao mesmo tempo. Quando se trata de sexo e afetividade entre adultos capazes de decidir, basta ser consensual que tudo é legítimo.>
Esse “tudo” tem possibilidades infinitas. Entre essas possibilidades, sexo entre dois homens é sexo homossexual - não importando quem é ativo, quem é passivo, nem a frequência da atividade sexual. Sexo entre duas mulheres é sexo homossexual - também não importando a dinâmica nem a frequência dos atos. Do mesmo jeito, sexo entre homem e mulher é sexo heterossexual, sejam quais forem os fetiches, jogos e brinquedos envolvidos.>
Aí, você sabe: a pessoa (homem ou mulher) que se diverte das duas maneiras é bissexual. Inclusive, é isso que significa a letra “B” na sigla LGBTQI+ - que toda hora cresce um pouco, justamente para que – pelo menos enquanto convivemos com rótulos - todos sejam nomeados e tenham respeito e dignidade minimamente garantidos.>
Por tudo isso, a notícia não é “cresce o número de homens héteros que procuram outros homens em vez de mulheres”, como vi por aí. O correto seria dizer: “cresce o número de homens bissexuais, mas eles querem ser chamados de héteros”. E esse é o fato sobre o qual acho importante a gente pensar aqui.>
Desde a primeira vez em que ouvi um amigo gay dizer que só gosta de se relacionar com homens “heterossexuais”, entendi o problema. Porque, das duas uma: homens gays que pensam como meu amigo não vão conseguir namorar (já que os heterossexuais não desejam se relacionar com outros homens) - ou todas as relações sexuais/amorosas dos homens que pensam como meu amigo serão com pessoas que odeiam o que eles mesmos são, a ponto de não conseguirem sequer dizer o nome disso.>
Por óbvio, não há nenhum outro desfecho possível .>
(Isso é reforço de machismo e homofobia. É viver no armário com ar-condicionado, internet e uma plaquinha na porta dizendo “aqui só entra se não me chamar de bi”.)>
(Pois eu chamo sim e não por birra. Pense direitinho e você vai ver que é política.)>
Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida>