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Comentários sobre o rosto de Anitta e a baixa autoestima de 98% das brasileiras

É um erro dizer que observações sobre a transformação da cantora são “fofocas”, num país em que apenas 2% das mulheres se consideram bonitas

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 8 de julho de 2025 às 16:01

Anitta surpreendeu ao retornar as redes com novo visual
O rosto novo de Anitta sobre o qual devemos falar Crédito: Reprodução

A aparição de Anitta com um novo rosto surtiu o efeito desejado: virou manchete, assunto e objeto de discussões acaloradas. No meio disso, muitas de nós, bem treinadas, bradaram "Anitta faz o que quiser com o próprio corpo!" e, claro, estão corretíssimas. Como sabemos, aos nossos corpos aplicamos nossas regras e o respeito às decisões de outras mulheres sobre si mesmas é o mínimo necessário. Acontece que Anitta é uma pessoa pública e, por isso, esse episódio nos traz a oportunidade de discutir questões importantes para milhões de mulheres no Brasil. As conversas sobre o suposto Deep Plane Face Lifting podem ir além do caso individual, avançando para os motivos pelos quais somos as maiores consumidoras de cirurgias plásticas, num país onde apenas 2% das mulheres se consideram bonitas. Daí é chegar ao ponto: cadê a tal “escolha pessoal”?

Eu acho que Anitta ficou a cara da “pastora” Flordelis, comentei e só deus pode me julgar. Essa é a parte medíocre, a maledicência nossa de cada dia que está em todos nós. Mea culpa. O que importa de verdade é que o Brasil é um dos líderes mundiais em procedimentos estéticos. Esse é um dado que não podemos esquecer ao falar sobre “liberdades individuais” e essas aspas você vai entender melhor em seguida. Não é novidade, mas vale lembrar que mulheres são as maiores consumidoras desses procedimentos. O motivo é intrigante: 97% dos brasileiros se acham bonitos do jeito que nasceram, de acordo com pesquisa do Instituto Ideia para a revista GQ Brasil (maio de 2022). Por outro lado, uma pesquisa global da Unilever, intitulada "Verdade sobre a beleza", mostrou que apenas 2% das brasileiras se acham naturalmente bonitas. 

Diante desses números, basta raciocinar e concluir que nem todo procedimento estético escolhido por uma mulher significa “liberdade”, não é mesmo? Pelo contrário, muitos deles resultam de um problema importante entre meninas e mulheres no Brasil. Para as adolescentes, a situação é ainda mais complexa. O uso massivo das redes sociais as torna ainda mais vulneráveis aos conteúdos de “influenciadoras digitais”. A vitrine virtual exibe corpos “perfeitos”, muitas vezes modificados digitalmente, intensificando a comparação constante. Mesmo que algumas adolescentes percebam o que há de fake nesse ambiente, a exposição contínua gera uma pressão forte, numa fase em que, naturalmente, ninguém é muito seguro de si. O resultado é um monte de garotas se sentindo “horríveis”, pedindo cirurgias como “presentes”, para que se encaixem no padrão.

Então, já sabemos que a vasta maioria das brasileiras não se sente bonita naturalmente, enquanto homens estão confortáveis nas próprias peles. Mais do que isso, mulheres são condicionadas a acreditar que a "perfeição estética" é um caminho para a validação social e pessoal. Ou seja, mulheres se acham feias e acreditam que precisam ser bonitas para existir. Junte os dois dados e entenda o que transforma a cirurgia plástica, para muitas de nós, em uma "necessidade" e não em uma “escolha livre”. O resultado disso é que, por exemplo, em 2024, o Brasil registrou mais de 2 milhões de procedimentos desse tipo, de acordo com informações da  Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica . 

Repare que a obsessão por uma imagem "perfeita" é bem diferente da vaidade natural. A obsessão adoece, levando a condições sérias como o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), na qual a pessoa tem uma preocupação exagerada com “defeitos” na aparência. O TDC está em ascensão, e o isolamento da pandemia de COVID-19, por exemplo, intensificou o que chamam de "Dismorfia do Zoom", que é a excessiva preocupação com a aparência vista em telas. A insatisfação corporal generalizada não leva apenas a procedimentos estéticos, mas também à baixa autoestima, ao isolamento social, à ansiedade e à depressão. Nesse pacote também estão os transtornos alimentares, com uma prevalência de 30% em meninas versus 17% em meninos.

A trajetória de Anitta, marcada por suas muitas cirurgias estéticas - supostamente mais de 50 ao longo da carreira -, serve como um grande exemplo dessa complexidade. Embora ela diga que suas escolhas são uma forma de se expressar livremente, as mudanças frequentes e gigantescas fazem fãs e especialistas questionarem um possível "vício em cirurgia plástica" e debaterem os "resultados ruins" apontados por alguns. Ao sucumbir, Anitta - essa figura tão poderosa e com tanta influência - mostra o poder do monstro contra o qual todas nós lutamos. A discussão pública sobre o rosto de Anitta é, portanto, uma conversa sobre cada uma de nós.

No fim das contas, Anitta - a do passado, do presente e a do futuro - é um espelho que não reflete apenas suas escolhas pessoais, mas as preocupações coletivas de milhões de mulheres sobre envelhecer, sobre “imperfeições” físicas e sobre o que significa ser mulher em um mundo obcecado por padrões de beleza mutáveis e sempre inatingíveis. Viu que não é apenas “fofoca sobre celebridade”? A conversa é sobre saúde mental, amizade. Mesmo que, muitas vezes, tudo pareça muito superficial, o papo nunca foi apenas sobre bocas, bochechas e narizes. Para nossos corpos, valem as nossas regras, claro. Só que, muitas vezes, nossas regras não são "nossas" o suficiente pra chamarmos de "liberdade".   

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida