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Veja como o masculinismo atrai homens em crise e engana os coitados

Grupos como os Legendários e muitos influenciadores dizem defender os homens, mas ignoram dados e aprofundam o sofrimento real

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 3 de julho de 2025 às 19:19

Masculinismo engana homens também
Masculinismo engana homens também Crédito: Imagem produzida por IA

Como se sabe, grupos que se dizem dedicados a “resgatar a masculinidade” não param de crescer, assim como “influenciadores” cheios de testosterona sintética, explicando como deve ser um “homem de verdade”. São as criações do “masculinismo”, ideologia que tem como objetivo promover atributos considerados “tipicamente masculinos”. No entanto, por trás das promessas de fortalecimento e apoio, há uma armadilha: eles não tratam do que mais adoece e mata os próprios homens. Pelo contrário, repetem, com nova embalagem, os mesmos valores de onde nasceram esses problemas. Ou seja, enganam ao vender justamente a origem das agruras como se fosse solução. Trago números, e não apenas opinião.

Assim como as mulheres enfrentam lutas específicas pelo fato de serem mulheres, os homens lidam com problemas relacionados à masculinidade tradicional. No Brasil, entre 1991 e 2000, por exemplo, 82,8% das mortes por causas externas foram masculinas, com uma taxa de mortalidade cinco vezes superior às mulheres. Para homicídios, o risco é de quase 12 mortes masculinas para cada morte feminina, e em 2023, 94% das vítimas jovens (15 a 29 anos) por homicídio eram homens. Isso quer dizer que, enquanto as mulheres são mais frequentemente atacadas por parceiros ou familiares em casa, os homens são mais comumente vítimas de agressão física e psicológica por amigos, colegas ou estranhos em espaços públicos.

Além da violência fatal, 84,5% das internações por agressão em 2000 foram de homens, e a violência sexual contra eles, embora subnotificada, apresenta prevalência significativa em estudos específicos, afetando 2,5% dos homens com mais de 18 anos (cerca de 2 milhões de brasileiros), conforme a PNS 2019 (Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE).Essa vulnerabilidade é agravada pelas pressões sociais e desafios de saúde mental. Normas de masculinidade, que exaltam “força” e supressão emocional, conduzem a comportamentos de risco. A repressão de emoções, por exemplo, está ligada a maiores taxas de depressão e pensamentos suicidas, e o modelo de masculinidade dificulta a busca por cuidados de saúde preventivos.

Grupos como os Legendários e outros que promovem a “masculinidade tradicional” são exemplos do discurso repetitivo que reforça o modelo mais rígido de virilidade, onde não há espaço para vulnerabilidade, afeto ou transformação real. Com a proposta de “reconectar o homem com sua essência”, eles continuam obcecados por ocupar espaços de liderança, ser os “mais fortes” e oferecer “proteção”. Dizem que às mulheres e crianças, mas eu sempre me questiono: elas precisam nos proteger de quem? A resposta é fácil: de outros homens, claro. Precisamente, daqueles que são fabricados exatamente dentro da lógica das tais “mentorias” e dos cursos de “masculinidade”, em um ciclo sem fim.

É nesse terreno perigoso que figuras como Andrew Tate - aquele criminoso denunciado na minissérie Adolescência - continuam influenciando adolescentes. Foi nesse ambiente que nasceram os "Red Pills". É disso que tratam os relatórios da SaferNet e do InternetLab que identificaram o crescimento de conteúdos extremistas com estética de autoajuda masculina. Para muitos jovens, eles representam sucesso e controle. Na prática, disseminam misoginia, violência e chamam isso de “masculinidade”. O tiro não é apenas na infância e no feminino, mas nos pés de todos os homens adultos que embarcam nessa viagem ao pior da relação entre gêneros.

É claro que - além dos criminosos e mal-intencionados - há aqueles que são apenas frágeis e desavisados, os que sofrem e são cooptados por quem diz querer ajudar. O masculinismo atrai homens em crise e engana os coitados, mas basta que essas vítimas se façam algumas perguntas para que o esquema comece a se desmontar. Por exemplo, se esses movimentos realmente querem ajudar os homens, por que não falam sobre os problemas que os atingem de verdade? Por que não reivindicam políticas públicas de cuidado? Onde estão os projetos de escuta e acolhimento para homens vítimas de abuso, para pais solo (raríssimos, mas vamos lá), para garotos que adoecem sem que consigam falar? Nada disso existe porque o interesse nunca foi, de fato, cuidar.

O foco desses grupos é ganhar dinheiro, em primeiro lugar. Depois, manter vivo o ideal do homem invulnerável, dominante e autoritário. Esse modelo é vantajoso para uma minoria que - para se manter nos espaços de poder da sociedade - depende da exclusão de mulheres, em uma grotesca reserva de mercado. Todo o resto, a grande massa, cai na briga de cachorro magro, disputando migalhas com mulheres, que deveriam ser companheiras e aliadas. Permanecem nesse lugar de exercer violência em casa e sofrer nas ruas, de achar que só valem algo se puderem pagar a conta, de pensar que é melhor se matar do que chegar desempregado em casa.

A “crise de identidade masculina” - tão mencionada nos discursos desses coletivos - é alimentada por eles próprios, na medida em que transformam o dor em ressentimento e o ressentimento em produto altamente vendável. O resultado é um ciclo perverso: homens em sofrimento são atraídos por promessas de força, consomem fórmulas ultrapassadas, se afastam da própria humanidade e se afundam cada vez mais. No fim das contas, homens são oprimidos por eles mesmos, precisamente por uma ideia de homem, empoeirada e perversa, que abraçam como se fosse sua única possibilidade de ser e estar. 

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida