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Sobre a "seita" dos alimentos orgânicos que você precisa comprar às 5h da madrugada

Entre o marketing e a ciência da nutrição, o que realmente importa na hora de fazer o prato?

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 19 de junho de 2025 às 11:56

Comer normal é bom
Comer normal faz bem Crédito: reprodução

Não sou nutricionista. Meu “lugar de fala”, portanto, é só o de alguém que, como todas as pessoas, precisa se alimentar. Já que vivemos tempos de certezas inabaláveis - onde a escolha pelo "natural" e "orgânico" se tornaram quase um atestado de virtude - decidi pesquisar um pouco sobre a gravidade do crime que cometo ao comer cenouras convencionais, por exemplo, em vez de ir à feirinha de orgânicos 5h da madrugada. Sim, já comprei a ideia de que, ao optar por um tomate “sem agrotóxicos” ou um ovo de galinha feliz, estou automaticamente pavimentando o caminho para a saúde plena e a longevidade. E, claro, paguei muito mais caro por essa paz de espírito. Mas será que a equação é assim tão simples, ou estamos, mais uma vez, nos perdendo em detalhes?

A mística em torno dos alimentos orgânicos é poderosa. Ela nos vende a promessa de um retorno à pureza, a uma alimentação intocada pela mão "malvada" da indústria e da agricultura em larga escala. E, sim, a redução da exposição a pesticidas é um ponto real. Muitos estudos apontam que alimentos orgânicos apresentam níveis significativamente menores de resíduos de pesticidas em comparação com os alimentos convencionais e ninguém, em sã consciência, defenderia o uso indiscriminado de químicos na comida. No entanto, quando o assunto é saúde, a narrativa do "orgânico é infinitamente superior" merece um olhar mais cético, menos apaixonado e mais baseado em evidências.

“Ah, mas os agrotóxicos causam câncer”, pode ser a sua certeza de estimação. Veja: em um estudo recente com mais de 180 mil profissionais de saúde nos EUA não foi encontrada associação entre o consumo de frutas e vegetais com resíduos de pesticidas e o risco de câncer. Isso inclui tanto o risco geral quanto a tipos específicos de câncer que já foram relacionados à exposição ocupacional (que é outra coisa e, sim, precisamos nos preocupar) a esses produtos. Os pesquisadores sugerem que os benefícios observados com os alimentos orgânicos podem estar mais ligados a outros hábitos de vida saudáveis de quem os consome - como maior prática de exercícios - do que à ausência direta de pesticidas.

Reforçando essa ideia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que os pesticidas autorizados para uso em alimentos não são genotóxicos, e seus efeitos adversos só aparecem em níveis de exposição muito superiores aos encontrados na dieta comum. Diante disso, a mensagem principal para a saúde pública permanece clara: o foco deve ser o aumento do consumo de frutas e vegetais, essenciais para a prevenção de doenças crônicas, sem que a preocupação com pacotes de pesticidas na dieta seja um impedimento.

A ciência, essa “chata” que vive questionando nossas crenças mais confortáveis, ainda vai além. Inúmeros estudos comparando o valor nutricional de alimentos orgânicos e convencionais frequentemente concluem que as diferenças, quando existem, são mínimas e dificilmente se traduzem em benefícios de saúde clinicamente significativos para a maioria das pessoas. Uma meta-análise de 240 estudos, por exemplo, não encontrou diferença significativa no conteúdo vitamínico entre os dois tipos de alimentos.

Outra revisão sistemática de 237 estudos, realizada por pesquisadores da Universidade de Stanford, concluiu que orgânicos e não orgânicos têm valores nutricionais semelhantes. Mais recentemente, uma pesquisa brasileira que analisou 147 estudos nas últimas três décadas, comparando 1.779 amostras de 68 alimentos, descobriu que em 42% dos casos não houve diferença nutricional significativa. Em 29% dos casos, os orgânicos levaram vantagem em alguns nutrientes, mas não em todos, e nos outros 29%, os resultados foram inconclusivos. Um brócolis, seja ele orgânico ou não, continua sendo um brócolis: uma potência de vitaminas, minerais e fibras. Um biscoito orgânico, por outro lado, continua sendo um biscoito, carregado de açúcar e gordura, independentemente do selo verde.

Talvez a grande distração seja essa: focar na ausência de agrotóxicos como o Santo Graal da saúde, enquanto ignoramos o básico. A verdadeira revolução na nossa alimentação não está em pagar mais por um produto com um selo específico, mas em comer mais vegetais, mais frutas, mais grãos integrais, menos ultraprocessados, menos açúcar, menos gordura trans. A saúde não é um privilégio dos que podem pagar pelo orgânico, mas uma construção diária de escolhas alimentares consistentes e acessíveis. Por muitos motivos - inclusive dar uma força à agricultura familiar - a gente pode escolher os orgânicos. Mas, definitivamente, não é a alface comum que vai lhe matar.

No episódio de hoje, concluímos, portanto, que a obsessão pelo "orgânico" pode nos afastar do que realmente importa: uma dieta diversificada e rica em alimentos de verdade, independentemente de sua origem certificada. Talvez seja interessante desarmar a ideia de que a saúde é um produto de prateleira, e entender que ela é um processo multifacetado, que começa na cozinha de casa, com escolhas simples. O tomate, afinal, é só um tomate. E a saúde, claro, é uma equação bem mais complexa do que a embalagem onde está escrito “orgânico” já me fez acreditar.

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida