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Corpos armados: o que os anabolizantes estão fazendo com o nosso comportamento

Brigas no trânsito, explosões na academia, pavios cada vez mais curtos; a fúria hormonizada virou epidemia e a ciência confirma

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 1 de julho de 2025 às 20:03

“fúria esteroide”
“fúria esteroide” Crédito: Shutterstock

O home office tem seus luxos. Um deles é, mesmo sendo uma trabalhadora, treinar em “horário de herdeiro”. Ou seja, com a  academia quase vazia. Porém, às vezes, meu treino cruza com a turma do "shape" e hoje foi um desses dias. Entre uma série e outra, percebo de novo o que já vinha notando há tempos: a forma como o comportamento de certas pessoas muda na mesma velocidade em que seus corpos se transformam com o visível uso de anabolizantes. Sim, porque é sempre visível.

Enquanto levantava meus pesinhos, lembrei das brigas explosivas que se tornaram moda em academias, um fenômeno que ganhou fôlego junto com a popularização da testosterona e de outros hormônios, entre homens e mulheres. Será impressão minha? Implicância de quem não usa nem a tal creatina? Fui atrás. E o que descobri sobre um fenômeno chamado "roid rage" - ou “fúria esteroide” - me deixou de queixo caído.

O termo nasceu nos anos 80 para descrever o coquetel de alterações psíquicas em usuários de esteroides anabolizantes androgênicos. Ou seja, testosterona e seus derivados, em doses que o corpo jamais produziria. O resultado? Oscilações de humor, impulsividade, hostilidade gratuita, agressividade descontrolada. A literatura científica sobre o tema é vasta e perturbadora.

A fúria nem sempre explode óbvia, desde o começo. Muitas vezes, ferve em silêncio: por exemplo, numa irritação obsessiva com ofensas imaginadas - o famoso “me olhou torto” - que fermenta até virar um surto desproporcional. Casos extremos envolvem crimes cometidos sob delírios de invencibilidade de indivíduos sem a menor consciência da própria anormalidade.

Não é só coisa de homem, claro. Os estudos com mulheres ainda são menos numerosos, mas igualmente alarmantes. O uso de anabolizantes nelas está associado a euforia e hipomania durante o ciclo, seguidas de depressão profunda na pausa. Há relatos de explosões de raiva sem motivo, muitas vezes descontadas nos parceiros ou nos filhos. No banheiro da minha academia, um cartaz alerta para os riscos. Mas a onda parece incontrolável.

Nos anos 90, os pesquisadores Harrison Pope e David Katz já alertavam: cerca de 25% dos usuários de anabolizantes desenvolvem transtornos severos de humor. De lá pra cá, só se acumulam evidências. Publicações recentes em periódicos como Journal of Psychiatric Research e Current Neuropharmacology reforçam a conexão direta entre o abuso hormonal e distúrbios psiquiátricos.

Um estudo publicado em 2022 no Substance Abuse Treatment, Prevention, and Policy aponta para alterações estruturais no córtex pré-frontal, que é a área do cérebro responsável pelo controle dos impulsos, julgamento e tomada de decisões. Em outras palavras: o freio.

Ou seja, a minha impressão na academia não era um delírio. Há ciência sólida por trás do que vemos nas ruas, no trânsito, nas redes sociais. Talvez os surtos emocionais que nos cercam hoje não sejam apenas efeito da vida moderna ou do excesso de diagnósticos. É possível que uma parte significativa dessa avalanche venha sendo injetada, voluntariamente, na busca insana pelo tal “shape” que, na maioria das pessoas, jamais vai chegar apenas com treino, boa alimentação e sono regulado.

Então, fica a dica pros desavisados: digam o que disserem, testosterona não mexe só nos músculos e os efeitos colaterais não se resumem a acne e queda de cabelo. Hormônios interferem no comportamento, nos afetos, no senso de realidade.  Ou seja, anabolizantes não moldam e atuam apenas no físico. Eles alteram, também, quem somos por dentro e talvez esse seja o principal problema.

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida