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Flavia Azevedo
Publicado em 27 de junho de 2025 às 19:00
Vamos lembrar que “Circos dos Horrores” eram espetáculos populares que, antigamente, exibiam pessoas com condições físicas consideradas “anormais”. Esses shows, comuns nos EUA e Europa, exploravam essas pessoas e lucravam com a curiosidade mórbida do público que se divertia observando corpos humanos considerados como “aberrações”. De lá pra cá, quero crer que evoluímos em alguns campos. Com o tempo, esse tipo de evento caiu em desgraça e, felizmente, não acontece mais. Mas pra onde se direcionou a inegável “curiosidade mórbida do público”? Para muitos lugares. Entre eles, para a observação das performances de tipos como Léo Lins, claro. Ele que - com uma intrigante deformidade de caráter - é a aberração que reinaugura oficialmente o segmento de “humor” do Circo dos Horrores onde, há alguns meses, é uma das atrações principais. >
Adaptado aos novos tempos, o Circo dos Horrores leva ao palco pessoas de comportamento exibicionista e “anormal”. É que, por mais elástico que seja o limite da “normalidade”, sempre haverá alguém disposto a ultrapassar. Por exemplo, a ética não tem sido nosso forte há algum tempo, mas Léo Lins foi lá e mostrou um comportamento que chamou a atenção. Isso quer dizer que mesmo num cenário tão decadente, ele conseguiu ser ainda mais decadente do que a maioria das pessoas, inclusive entre aquelas que são propositalmente decadentes em busca dos cliques e laiques. Mesmo no meio de tanta bizarrice, ele é ainda mais bizarro. O “humorista” não tem apenas um comportamento asqueroso, mas vários. Então, é simples: você aperta um botão e pode assistir durante horas a um ser humano completamente bugado. É disso que o público acha graça. Um “divertimento” bastante questionável, claro. >
(É equivalente a parar para ver pessoas machucadas em um acidente de carro ou se divertir assistindo a um assassinato que foi filmado.)>
(É como ser viciado em programas sensacionalistas, que pioram todos os casos.)>
(Esse homem é o “humorista” de estimação de um público que também encontra entretenimento em tiroteio e facada.)>
Repare: Léo Lins não é um personagem nem criou qualquer personagem que possa representar ou ser representado por qualquer ator. Por falta de referências, parâmetros, repertório e nome para o que ele faz, erraram o cálculo e colocaram esse sujeito no lugar de humorista do tipo que fala em primeira pessoa e se apresenta em “stand up”. Ele quer que seus “pensamentos” e “tiradas” pessoais sejam o produto, num modelo que funciona muito bem para profissionais. Há muitos exemplos de pessoas naturalmente engraçadas, inteligentes e sagazes, que dominam a técnica e conseguem sucesso na dificílima arte de nos fazer dar risada. Ao se achar capaz de fazer o mesmo, Léo Lins se julga tão competente quanto pessoas como Paulo Vieira e Fábio Porchat, por exemplo. Talvez até se imagine um Jô Soares, quem sabe? Essa presunção também faz parte do desvio de caráter e, até aí, não deixa de ser engraçado.>
Ao abrir a boca, no entanto, a aberração se manifesta com todos os seus sintomas, tomando conta das telas e do palco. Em nenhuma “piada” (e eu fui ver, acredite) Léo Lins encontra a graça escondida no cotidiano, como fazem os humoristas, mesmo aqueles nem tão geniais. O humor encontra, levanta véus, muda perspectivas e mesmo esse que exercemos de forma amadora, no dia a dia, é sinal de inteligência incontestável. Gente burra tem senso de humor prejudicado. Quando tenta fazer graça, a pessoa vira, ela mesma, a piada. É o caso. O que talvez o público que assiste aos “shows” desse sujeito não entenda é que está rindo dele e não “com ele”, sabe? >
Eu não acho que existam grupos sociais ou pessoas sobre os quais não se possa fazer piada. A aberração de Léo Lins não aparece nessa observação mais ampla sobre “os limites da liberdade de expressão”, mas nos detalhes. Precisa ir lá e ver do que se trata. Ao batizar o próprio “show” com o adjetivo “Perturbador” ou com a expressão “Enterrado Vivo”, ele mostra a intenção de desafiar limites e polemizar, enquanto faz graça. Uma ideia interessante, eu acho. O Porta dos Fundos, por exemplo, faz isso de maneira genial. E quem esquece de “Os Normais”? No caso de Léo Lins, no entanto, o projeto naufraga pela limitação dele, que é incapaz de executar. >
Na prática, o “humorista” entrega apenas burrice, mau gosto, provocação rasa e flerte com diversos crimes tipificados. Cada “show” é a exposição de um ser humano em colapso, com falência de múltiplos sistemas. É o triste espetáculo de um cérebro visivelmente disfuncional. É a “performance” decadente de um constrangedor “tio do pavê”, completamente embriagado, que fala cuspindo e assedia todas as mulheres no churrasco da família. Não divido espaço com esse “tio” nem me divirto com aberrações, claro. Mas muita gente convive, observa e ri desse tipo de “espetáculo”. Isso porque, conforme sabemos, a tal “curiosidade mórbida do público” é – há séculos e em muitos âmbitos - uma realidade inegável. >
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