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Números revelam que, para a mulher brasileira, escalar montanhas é mais seguro do que casar

Nova pesquisa mostra que a maior parte da violência contra mulheres ocorre no lar - praticada por parceiros e ex-companheiros - e traz, pela primeira vez, dados sobre a “pornografia de vingança”

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 25 de julho de 2025 às 11:02

Escalar o Everest pode ser mais seguro do que casar
Escalar o Everest pode ser mais seguro do que casar Crédito: Shutterstock

O ano é 2025, mas ainda há quem se choque com a mulher que viaja sozinha para escalar montanhas, com a mulher que bebe sozinha, com a que caminha de madrugada usando short e fone de ouvido. “Corajosa”, dizem. “Tá se expondo”, afirmam, principalmente os homens. O julgamento, porém, contradiz os fatos. Para muitas de nós, no Brasil, perigoso mesmo é voltar para casa e dormir ao lado do “mozão”. Não é só minha opinião, é o que dizem os números. De acordo com a nova edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil (2025), o principal cenário da violência contra a mulher continua sendo o “doce lar”. E o autor mais comum é o “presente de Deus”, claro. Trago dados e você vai se pasmar.

A pesquisa mostra que, entre 2024 e 2025, no Brasil, 57% das violências mais graves relatadas pelas mulheres ocorreram dentro de casa. Em 40% dos casos, o agressor era o companheiro atual. Em outros 26,8%, o ex. Estamos falando de maridos, namorados, pais dos filhos. Homens que, na maioria das vezes, antes do primeiro tapa, controlaram o celular, os passos e a roupa, dizendo que era “só cuidado”.

Essa nova edição do estudo, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, estima que 21,4 milhões de brasileiras com 16 anos ou mais foram vítimas de algum tipo de violência entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025. Isso significa mais de um terço das mulheres do país. E não é um tipo só: as vítimas relataram, em média, três formas diferentes de violência no último ano.

Insultos, humilhações e xingamentos atingiram 31,4% das entrevistadas. Agressões físicas como tapas, empurrões e pontapés foram vividas por 16,9%. Perseguição e ameaças chegaram a 16,1%. Espancamentos e tentativas de estrangulamento, 7,8%. A violência sexual - incluindo tentativas de relação não consentida - afetou mais de 5 milhões de mulheres.

Pela primeira vez, o estudo incluiu dados sobre a chamada “pornografia de vingança” - ou seja, a divulgação não autorizada de fotos e vídeos íntimos - e concluiu que 1,6 milhão de mulheres foram vítimas desse tipo de crime nos últimos 12 meses. A maioria foi exposta por ex-parceiros, como forma de punição por terminar ou recusar controle. Esse crime não é só humilhação pública, é ataque direto à autonomia e à dignidade das mulheres. O ato é tipificado no Código Penal, mas raramente punido com a devida severidade.

Mesmo diante dessa realidade, quase metade das vítimas (47,4%) não procurou nenhum tipo de ajuda oficial. Muitas não acreditam que a polícia vai resolver. Outras têm medo. Vergonha. Algumas acham que não vale a pena, ou que “dessa vez não foi tão grave”. A dúvida delas faz sentido: em 2023, 12,7% das mulheres assassinadas tinham uma medida protetiva ativa contra o criminoso no momento da morte.

A pesquisa também levanta hipóteses para o crescimento dos relatos: há mais consciência, mais mulheres reconhecendo como violência aquilo que antes era tratado como “briga de casal”. Porém, isso não muda o fato de que a violência aumentou e se sofisticou. Agora, além do tapa, tem a chantagem digital. Além da ameaça, tem o controle financeiro e patrimonial.

Enquanto isso, seguimos policiando a mulher que posta sozinha numa praia, mas não o homem que a persegue pelo zap. Seguimos perguntando por que ela estava na rua, mas raramente por que ele acha que pode controlar. Continuamos tratando independência feminina como provocação, e ciúme masculino como “sintoma de amor”. Seguimos escandalizados com a mulher que vive e estranhamente confortáveis com a que apanha calada. Tudo isso num país onde os números provam que, para muitas de nós, escalar montanhas é mais seguro do que casar.

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida