Indústria

De 'papel passado', BYD assume antiga fábrica da Ford

Proposta da brasileira Lecar é descartada pelo governo do estado

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 6 de março de 2024 às 05:00

Alexandre Baldy afirma que BYD vai se abrasileirar Crédito: Matheus Landim/GOVBA

Uma semana após o surgimento de uma segunda empresa interessada em assumir a área em Camaçari onde até janeiro de 2021 funcionou o complexo da Ford na Bahia, a BYD e o governo do estado se movimentaram para demonstrar que está tudo bem encaminhado para a implantação da montadora chinesa por aqui. A cerimônia que marcou o início oficial das obras de implantação da fabricante de carros elétricos no estado foi marcada por declarações por parte da empresa de que veio para ficar e que “vai se abrasileirar”. Do lado do estado, o discurso foi de que não houve nenhum tipo de irregularidade, favorecimento ou algo às escondidas nas negociações com a montadora.

Com pedidos para que os presentes, numa área aberta, fizessem usos dos seus guarda-chuvas para favorecer a captação de imagens dos drones, o governador Jerônimo Rodrigues e dirigentes da BYD acionaram um botão, ao mesmo tempo em que máquinas pesadas começaram a buzinar e encenar suas operações. Deu-se ontem o início oficial das obras na unidade localizada na Avenida Henry Ford – nome que permanecia inalterado até ontem. Segundo o conselheiro da BYD no Brasil, Alexandre Baldy, a fábrica será erguida em um local onde atualmente funciona um estacionamento. Toda a estrutura já existente será utilizada para abrigar a cadeia de fornecedores da montadora.

“Nós estamos fazendo um esforço enorme para sermos reconhecidos como uma empresa brasileira”, afirma, explicando que a produção de veículos de passeio no país vai facilitar bastante neste processo de aceitação por parte do público. Para serem aceitos na Bahia, a aposta está nos impactos socioeconômicos que a operação poderá gerar. Estão previstos investimentos na casa dos R$ 3 bilhões para dotar o espaço de capacidade para produzir 150 mil automóveis por ano, a partir de 2025, com a geração de 10 mil empregos diretos.

A BYD informa que pagou ao governo da Bahia pouco mais de R$ 287,8 milhões pela compra do complexo que possui 4,6 milhões de metros quadrados (m2) de área total. Na primeira fase de obras, serão 26 novas instalações entre galpões de produção, pista de testes e outras estruturas que vão ocupar uma área de cerca de 1 milhão de m2.

Segundo Baldy, a marca de carros elétricos já investiu no Brasil R$ 500 milhões para a implantação de 100 concessionárias e deverá investir o mesmo valor até o final deste ano para alcançar a marca de 200 pontos comerciais e de apoio aos seus clientes no país. “Nós estamos apostando no país e sentimos que o brasileiro também está apostando em nós, porque nos dois primeiros meses deste ano, 65% dos veículos elétricos vendidos no Brasil são BYD”, ressaltou. “Com a fabricação aqui, a BYD se consolidará como uma indústria brasileira, será mais uma empresa brasileira”, afirmou.

O conselheiro da montadora informou ainda que a empresa pretende trabalhar no desenvolvimento de fornecedores locais, em parcerias com a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e de associações empresariais, para atrair empresas nacionais e internacionais para o complexo da empresa em Camaçari. Baldy afirmou que a tendência é que com o tempo os veículos produzidos em Camaçari acompanhem o que já acontece em outras unidades do grupo, em que até 73% das peças que compõem o automóvel, sejam produzidos dentro da própria fábrica.

Tyler Li, presidente da montadora no Brasil, seguiu a mesma linha durante o seu discurso. “Este momento não é apenas um marco para BYD,mas também um testemunho do nosso compromisso com a inovação, a qualidade e, sobretudo, com o desenvolvimento econômico e social da região”, disse.

Para Júlio Bonfim, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, o projeto da BYD será positivo para os trabalhadores. “Nosso entendimento é de que a BYD vai não apenas suprir o espaço deixado pela Ford em termos de volume de trabalhadores, como deverá atrair para a região um investimento tecnológico infinitamente maior”, acredita.

Tudo regular

Mesmo sem se referir diretamente ao imbróglio com a Lecar, empresa brasileira que tentou participar da disputa pela área da Ford, o governador Jerônimo Rodrigues usou o seu discurso para rechaçar a ideia de qualquer tipo de irregularidade no acordo entre o governo baiano e a montadora chinesa. Ele disse que o Estado não pode tomar decisões em clima de incertezas e lembrou que a atração da BYD contou inclusive com um movimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Não é possível, depois do compromisso de um presidente, encontrar desafios que não têm cabimento”, afirmou em seu discurso.

“Não tem nada às escondidas”, completou em seguida, o governador. Rodrigues disse que todo o processo está publicado no Diário Oficial e que todas as incertezas foram sanadas com a assinatura do contrato de compra e venda ontem.

Apesar de todo o esforço por parte da assessoria de imprensa do governador para impedir que jornalistas de veículos locais fizessem questionamentos diretos a Jerônimo Rodrigues durante a entrevista coletiva, um jornalista de fora, convidado pela BYD, perguntou sobre o processo da Lecar. Apenas integrantes da Secretaria de Comunicação (Secom), da TVE e convidados da montadora puderam questionar o governador.

“Eu até tentei enviar uma mensagem para o empresário (Flávio de Assis, dono da Lecar), para entender se ele tem interesse em investimentos na Bahia, porque eu, da mesma maneira, criarei condições para que ele venha investir aqui, será um prazer”, respondeu o governador. Segundo ele, já havia um processo de diálogo entre a BYD e o estado desde 2022. “Não foi nada decidido agora, não teve nada de obscuro”, rechaçou.

Segundo Rodrigues, a Secretaria da Fazenda (Sefaz) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) analisaram o material enviado pela Lecar. “Não tinha elementos suficientes para que pudesse dar conta de chamarmos a BYD e dizer ‘olha, temos uma proposta melhor’. Pelo contrário, reafirmamos no Diário Oficial e assinamos a formalização desta operação”, finalizou.

A Lecar foi procurada, através da sua assessoria de imprensa, mas não se posicionou até o fechamento desta edição.