Mulher, mãe e com sotaque é a nova cara da indústria florestal

Baiana Mariana Lisbôa encontrou espaço em um mercado que ainda é dominado por homens

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 13 de abril de 2024 às 05:00

Mariana Lisbôa aposta no potencial da atividade florestal para gerar desenvolvimento econômico Crédito: Divulgação

Quando Mariana Lisbôa era criança e se imaginava adulta, o que via em seu futuro era uma advogada brilhante e bem sucedida. “Eu não me enxergava casada e tendo filhos, me via tendo uma carreira profissional brilhante”, lembra. Não que não quisesse casar e ter filhos, mas enxergava isso como uma consequência natural da vida, como nascer, crescer e morrer. Desde muito nova, ouvia do avô, Rubem Nogueira – que foi advogado, procurador-geral do Estado e político baiano – que precisava estudar. “Foi uma influência intelectual fortíssima para mim”, conta. “Desde muito nova, eu já sabia que queria fazer Direito”, conta.

Cursou Direito, ingressou na advocacia e acabou entrando na área ambiental, o que lhe abriu as portas para o mundo corporativo, numa época, em que “o mundo não estava tão avançado nas questões ambientais”. Começou a trabalhar com Direito Ambiental e depois com relações corporativas. Quando ela chegou à Suzano, onde hoje é líder global de Relações Corporativas, os dois interesses se confundiram. “A questão ambiental sempre me rodeou de maneira muito intensa”, diz. Daí até se tornar a primeira mulher a presidir a Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf), foi um processo natural.

Uma das estrelas da comemoração dos 20 anos da Abaf, que reuniu alguns dos mais relevantes nomes da política e do empresariado brasileiro, na última sexta-feira (12), no Restaurante Amado, ela credita o sucesso do evento à pujança do setor florestal e a sua importância socioeconômica. Mas é inegável, que a ascensão de uma soteropolitana à principal cadeira de uma entidade que representa 6% do Produto Interno Bruto (PIB) baiano está longe de ser algo que possa ser ignorado.

Mariana é pontual. Quinta-feira (11), às 13h54, entra na sala para a entrevista poucos minutos antes do horário marcado. “Posso esperar, se ainda não estiver pronto”, diz. Não há necessidade, a entrevista começa. Mesmo com o dia corrido – de preparação para o evento da Abaf no dia seguinte – a conversa flui sem pressa.

A advogada tem as respostas de natureza econômica e as relacionadas à atividade florestal na ponta da língua, mas para um pouco antes de responder sobre os obstáculos que enfrentou por ser uma mulher no mundo corporativo. Foram muitos, mas destaca os dois que lhe fizeram mais forte: a maternidade e a origem nordestina. “Eu estou muito feliz por comemorar estes 20 anos, trago uma série de conquistas que alcançamos, mas não posso deixar de lamentar o fato de ser a primeira a assumir a presidência neste período. Isso precisa mudar e que eu seja a primeira de muitas”, diz.

Quando engravidou da filha, que hoje tem 17 anos, Mariana já estava formada e estava no início da carreira profissional. O medo de sair do mercado e não conseguir retornar era grande. “Hoje já há um cuidado maior com a mulher, mas antes o que se pensava era que a mulher não conseguiria retornar no mesmo ritmo. Eu mesma tive essa sensação”.

“Minha origem nordestina, junto ao fato de ser mulher, é outro desafio que precisei superar em um ambiente corporativo que é eminentemente masculino e paulistano”, completa. Para a executiva, hoje a diversidade tem sido cada vez mais valorizada nas organizações, mas o preconceito ainda é uma forte realidade. “Houve um momento em que percebi que a minha diferença poderia ser o meu diferencial. Foi quando eu me apoderei da minha voz. Literalmente, não tive medo do efeito que o meu sotaque causaria”, acredita.

“O setor florestal tem tido avanços muito expressivos, mas no que toca à questão da diversidade ainda está muito aquém do desejado”, avalia. O número de mulheres corresponde a 18% do total. Dentro deste percentual, apenas 20% delas ocupam cargos executivos. Ela explica que as grandes empresas do setor já estabeleceram metas públicas relacionadas à diversidade, com o objetivo de impulsionar a participação feminina.

Espaço para crescer

A presença de nomes ilustres da política nacional no evento comemorativo aos 20 anos de fundação da Abaf é um indicativo da importância da atividade florestal, acredita Mariana Lisbôa. No Brasil, são 10 milhões de hectares ocupados com florestas plantadas, mais de 7 milhões de hectares destinados à conservação de matas nativas. Além disso, a atividade gera mais de 6 milhões de empregos diretos, indiretos e os do efeito renda. A contribuição para a economia do país é de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB). “No ano passado, fomos responsáveis, nacionalmente, por 1% dos impostos arrecadados pelo governo federal, o que demonstra a força e a potência para o Brasil”, diz.

“Na Bahia, são mais de 300 mil empregos gerados, recolhemos para o Estado o equivalente a 5% do total arrecadado pelos cofres públicos e respondemos por 6% do PIB da Bahia”, enumera.

Mas, para Mariana Lisbôa, é importante ressaltar também a contribuição das empresas do setor para as comunidades que estão em seu entorno. No ano passado, foram mais de R$ 30 milhões em ações socioambientais na Bahia.

Apesar destes números, a presidente da Abaf acredita que a atividade florestal ainda está muito distante da contribuição que pode oferecer para o desenvolvimento da Bahia. A partir do Plano Bahia Florestal 2033, apresentado nesta sexta-feira, a expectativa da Abaf é que o estado dobre a sua capacidade produtiva e, consequentemente, o impacto de sua operação na Bahia. “Queremos aumentar a capacidade de plantio, mas não apenas isso. O que a gente quer é investir na verticalização da indústria. Pensamos no desenvolvimento do setor desde o campo até a indústria”, explica.

“Há um espaço muito grande para o crescimento do setor na Bahia, com a possibilidade da geração de milhares e milhares de postos de trabalho. Precisamos fomentar a indústria moveleira, as fábricas de celulose, construção civil e outras atividades a partir do uso múltiplo da madeira”, acredita. “Na medida em que a gente puder plantar mais, vamos investir mais e colher mais”, calcula.

Entre as vantagens competitivas que a Bahia possui, ela destaca os recursos naturais, como a disponibilidade de água, o clima e o relevo do estado. “A Bahia está pronta para receber estes investimentos”, completa.

Um gargalo que ainda precisa ser superado é nacional, afirma. “Ainda precisamos evoluir no que diz respeito ao licenciamento”, avisa.

Quando pensa nos próximos passos, o foco está em ir o mais alto possível. “Enquanto eu tiver energia, vou sempre seguir em frente. O céu é o limite”, avisa.