Educação

Educadores baianos se revoltam após perda do direito à correção monetária de precatórios

Deputados estaduais votaram projeto sobre Fundef que representou vitória para o Governo, mas derrota para professores

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  • Raquel Brito

  • Millena Marques

Publicado em 26 de agosto de 2023 às 05:00

Atuação da APLB Sindicato, de Rui Oliveira, foi criticada; ele promete seguir com a luta Crédito: Gil Santos

Eu me sinto traída, enganada e sem esperanças de dias melhores para o professor”. O sentimento de Elena Souza, 47 anos, professora estadual há 21 anos, é comum a milhares de servidores baianos que acompanharam a decisão tomada durante sessão extraordinária da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) na madrugada de sexta (25).

Ali, o Projeto de Lei (PL) para o pagamento da segunda parcela dos precatórios do Fundef devido aos professores e profissionais da Educação Básica foi aprovado, pouco depois de 0h30, pela maioria dos 54 deputados presentes O projeto não prevê a correção monetária a ser creditada aos educadores. Por isso, a oposição votou contra. A emenda que o bloco apresentou prevendo o pagamento da dívida com juros foi rejeitada pelo relator, o deputado governista Vitor Bonfim (PV). O governo usou da sua força e aprovou o projeto mesmo desagradando a categoria.

“O que levou à aprovação foi a vontade do governo, que conseguiu fazer com que o presidente da Assembleia convocasse uma sessão esdrúxula numa quinta-feira às 19h30. E o Governo do Estado em momento algum procurou atender a decisão da categoria dos professores”, afirmou o deputado Alan Sanches (União Brasil), líder da oposição.

Os precatórios se referem a valores devidos a profissionais da educação fundamental que estavam na ativa entre 1998 e 2006, no Norte e no Nordeste por causa de um erro de cálculo da União no repasse de valores do antigo Fundef. Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a categoria tinha direito aos valores e determinou que o estado brasileiro pagasse. O recurso foi repassado para os governos dos estados junto com juros gerados pela demora de quase 20 anos aplicados para recompor o poder de compra do dinheiro. Na Bahia, o governo reteve parte dos recursos e fez o pagamento da primeira parcela sem os juros, levando os professores a uma perda acumulada pela inflação do período. Do repasse da União, por lei, 60% devem ser destinados aos docentes e 40% à infraestrutura dos colégios da rede estadual.

Rui Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), afirma que o governo ignorou todos os apelos da classe. “É uma perseguição aos professores da rede estadual. A revolta é muito grande. Vamos continuar lutando”, declara. Ele afirma que o sindicato já iniciou o processo de judicialização para recorrer da decisão tomada na Assembleia.

De acordo com a Associação Classista de Educação e Esporte da Bahia (Aceb), a atuação da APLB Sindicato nos protestos pelo pagamento dos precatórios deixou a desejar e abriu brechas para o Governo aprovar o pagamento do Fundef sem os juros. “Eu pensei que, depois de toda a nossa batalha, a entidade sindical fosse cumprir a sua tarefa de defender o direito dos trabalhadores beneficiários desses precatórios. Mas não. Se envolveu numa contenda”, diz Marinalva Nunes, presidente da Aceb. A APLB preferiu não responder às críticas de Marinalva.

Para Rosemberg Pinto (PT), líder do governo, o projeto, mesmo com perdas monetárias, é vantajoso para os professores. “Eu considero que foi um projeto exitoso e que será pago imediatamente. O governador já sancionou a lei e, certamente, entre amanhã (sexta, 25) e segunda-feira (28), todos os trabalhadores estarão com o dinheiro na conta, porque para além do público que recebeu no projeto anterior, foi ampliado tanto para ativos quanto para aposentados”, diz. Apesar desta afirmação, o Governo do Estado ainda não tem previsão de data para fazer o pagamento.

Para Marco Aurélio Silva, que leciona há 23 anos em Santa Maria da Vitória, no oeste do estado, a situação é de desesperança. “Nós vamos seguir com a responsabilidade social de educar os jovens, em sua maioria negros e pobres, oriundos da classe trabalhadora, a mesma classe que nós pertencemos. Mas, com certeza, não temos a motivação que poderíamos ter caso fôssemos mais respeitados”.

Parecer jurídico contra o pagamento de juros da Bahia é único no NE

O estado do Ceará destinou aos professores o rateio dos recursos do Fundef com juros e correção monetária - valores que não foram especificados pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). Em 2022, R$ 745.098.315,26 foram destinados ao pagamento da primeira parcela. Já em agosto deste ano, os recursos foram de R$ 583.042.536,57, para a quitação da segunda parcela. Cerca de 50.248 professores do Ceará, que estiveram em atividade na rede estadual entre agosto de 1998 e dezembro de 2006, com vínculo estatutário ou temporário, estão sendo beneficiados. A terceira parcela deve ser paga em 2024. De acordo com o governo cearense, "as normativas estaduais regulamentaram o caráter indenizatório do abono e os juros de mora como parte do montante a ser rateado."

Diferentemente de seus pares nordestinos, o governo baiano informou que segue decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para justificar porque ficou com a parte dos juros e correção monetária dos valores devido aos professores. "O STF, no julgamento da ADPF nº 528-DF, concluiu expressamente que os juros moratórios possuem natureza indenizatória tendo destinação autônoma e desvinculada da aplicação na área da Educação", diz.

O advogado Tadeu Cincurá, especialista em Direito Público, explicou que os profissionais da educação já teriam direito a 60% do valor principal dos recursos do Fundef repassados à Bahia se esse valor tivesse ingressado na época em que o estado deixou de receber. E que, ao contrário do argumento governamental, não há uma proibição do STF, para que esses recursos sejam corrigidos ou tenham uma destinação livre.

"A luta dos professores é antiga, e legítima para que possam receber a cota referente aos juros e correção monetária. Essa luta é política e denota que os professores não compõem, neste momento, a prioridade do atual governo da Bahia", analisa. "Como (Educação) se trata de um direito fundamental, de grande relevância, nós precisamos refletir com mais cuidado. No entanto, o STF permite, de fato, que o governador tome essa decisão", completa.

Estado não sabe quando vai pagar

De acordo com o Governo do Estado, a data exata para o pagamento da segunda parcela dos precatórios do Fundef ainda não está definida. Isso porque a Secretaria de Administração do Estado da Bahia (SAEB) ainda está realizando os trâmites obrigatórios para efetivar o pagamento. O governo se comprometeu a informar a data assim que possível.

O repasse total aos professores será de R$ 1,25 bilhão. Desta quantia, 60%, estimados em R$ 832 milhões, serão destinados aos professores e coordenadores pedagógicos que atuaram na educação básica de janeiro de 1998 a dezembro de 2006, período em que houve o erro no repasse das verbas do governo federal.

O índice contempla 87.289 pessoas, incluindo profissionais que já se desligaram do vínculo com estado e também herdeiros de servidores falecidos. Isso significa que cada servidor receberá, aproximadamente, R$ 9.531 nessa segunda parcela.

Já os outros 30% do montante, equivalentes a R$ 416 milhões, devem ser distribuídos como abono extraordinário a 85.631 professores e coordenadores pedagógicos que integram a folha de pagamento do Estado atualmente, incluindo servidores ativos, aposentados e profissionais temporários (Reda). Ao todo, essa fatia contemplará mais de 118 mil pessoas.

Com orientação de Monique Lôbo