Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Ajude a manter o Sebo de Caju na ativa

Patrimônio cultural dos Barris, banca de livros usados pode fechar por causa da falta de doações após morte do dono

  • D
  • Da Redação

Publicado em 19 de março de 2022 às 07:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Salvador cria informalidades que se tornam tradição. Ninguém se atreve a contrariar que o Sebo de Caju é uma extensão da Biblioteca Central dos Barris. Ou vice-versa. “Aqui nos Barris, quando me perguntam onde está a biblioteca principal, primeiro aponto para o Sebo de Caju, depois para este grande”, resume o policial aposentado, Guilherme Regis, com o olhar marejado de saudade. No último sábado, Caju morreu após um mês internado, consequência de uma queda no mesmo lugar em que  vendeu livros usados há 34 anos. 

Além de deixar seu acervo órfão, Caju também deixou Maria Luci,  viúva e sozinha no popular sebo ao ar livre. Ela está precisando da doação daquele  livro empoeirado da prateleira ou de DVDs e CDs que já foram substituídos pelas plataformas de streaming. Não apenas para manter o legado do marido, mas para sobreviver mesmo. Desde a internação de Caju, em fevereiro, Maria Luci tenta segurar o sebo. O único filho do casal faleceu em 2000. 

“Caju fazia o papel de biblioteca pública também. Ninguém nunca saiu sem o livro que queria. Uma vez, uma menina queria estudar para o vestibular e encontrou o livro que precisava, mas ela não tinha os 20 reais e começou a chorar. Caju embrulhou o livro e deu a ela. Não foi um caso isolado. Ele ganhava o pão dele aqui, mas não deixava ninguém sem conhecimento”, lembra Guilherme Regis, amigo de Caju, mas com uma dúvida curiosa. “Meu irmão morreu e nunca soube o nome verdadeiro dele. Acho que só a esposa sabe”, conta. Falando baixinho, dona Luci esclarece: “Edson Balbino”. 

O que Guilherme não tem dúvida é sobre a preocupação com dona Luci. “A esposa de Caju é idosa, não tem como buscar livros usados para revender. Ela precisa da ajuda de todos que um dia compraram aqui e foram ajudados por ele. Ela precisa de doação de livros, CDs e DVDs, coloca aí no seu jornal”, completa.

Colada na primeira Biblioteca Pública da América Latina, Dona Luci tenta arrumar seu pequeno acervo ainda disponível para venda. Enquanto tira a poeira da prateleira improvisada de madeira, a senhora de 65 anos não segura a emoção quando lembra do marido e de como está difícil manter o sebo, que hoje abriga poucos livros e quase não teve reposição este ano, por conta da falta de doação, pandemia e estado de saúde de Caju. 

“Não sei o que fazer, meu filho. Minha primeira dor foi perder meu marido. Estou sozinha no mundo. Também não sei como manter meu ganha pão. O estoque está acabando, não sei mais o que fazer quando terminar. Quem tiver um livrinho que não usa mais, já será de grande ajuda. Meu companheiro morreu, mas quero continuar esta tradição que ele deixou nos Barris”, disse Luci, enquanto limpava livros de autores como José de Alencar, John Grogan e Michael Moore.       Pedro Andrade ficou sabendo da morte de Caju enquanto comprava CDs usados Antes de administrar o sebo, Caju trabalhou em banco e carro forte. No final dos anos 80, após conseguir alguns livros de amigos, resolveu abrir o negócio informal que se tornou referência nos Barris. Com 65 anos completados, ele já estava juntando os documentos para se aposentar, mas não deu tempo. 

Partida A perda de Caju é recente. O vendedor de livros sofreu uma queda no próprio local de trabalho, batendo a cabeça no chão. Após atendimento na Upa dos Barris, sofreu outra queda, desta vez em casa, sendo obrigado a ficar internado na UTI do Hospital Geral do Estado até sua morte. “Eu acreditava que ele ficaria bom. Segurei as pontas aqui durante um mês, enquanto ele estava na UTI. Mal podia visitá-lo. Sábado, às 8h, meu amor me deixou. No dia seguinte foi o sepultamento, no cemitério Quinta dos Lázaros. Está recente, tem gente ainda desejando melhoras para ele, nem sabem que ele morreu”, conta Luci. 

Alguns clientes, de fato, ainda são pegos de  surpresa com a partida do livreiro.  Pedro Andrade ficou sabendo enquanto falava sobre a importância daquele sebo para o bairro. “Espero que ele se recupere logo… O que, faleceu? Não, rapaz, ele ainda está na UTI… Meu Deus, era uma pessoa maravilhosa! Estou desarmado aqui… Caju não deixava ninguém sair sem seu livro. Vendia até fiado. Poxa, você me pegou desprevenido, desculpe”, disse, enquanto levava CDs de Gonzagão.     O cineasta Carlos Pronzato ao lado do saudoso Caju A dor da perda de Seu Caju não tem fronteiras. O cineasta argentino/brasileiro Carlos Pronzato não esquece a amizade com Caju. Ele também reafirma a importância de manter o sebo funcionando. “Vender livros como ele fazia, em tempos de internet, era um ato de coragem”, disse. “Com seus livros de todos os gêneros e autores, Caju deixava mais explícito o amor aos livros do que a própria Biblioteca abandonada pelo governo do Estado bem ao lado dele.  Agora, este amontoado de literatura universal, aguardando para ser adotado diariamente pelos transeuntes ocasionais e  clientes fixos, ficou órfão”, complementa Pronzato, que apela por doações.

Dona Luci trabalha  de segunda a sábado ao lado da Biblioteca dos Barris, das 9h às 16h. Vale doar livro, bater um papo e fazer uma comprinha para ajudar também. Tem livro para todos os gostos. O importante é colaborar com a verdadeira biblioteca popular.