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Da Redação
Publicado em 30 de julho de 2022 às 10:56
Atualização: A convocação oficial para os aprovados no concurso foi publicada no Diário Oficial do Estado deste sábado (30), após a veiculação desta reportagem.>
Em busca de uma maior estabilidade econômica, Kátia Pereira* (o nome foi trocado para não expor a fonte), 33 anos, que é negra, decidiu encarar o último concurso para professor efetivo realizado pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), com salários de até R$ 3,7 mil.>
Anunciado em maio deste ano, o resultado final do certame foi divulgado no dia 1º de julho. Kátia* saiu de Pernambuco, onde mora, e passou mais de uma semana em Salvador para se submeter ao concurso. Foi aprovada, mas ainda não foi convocada para a heteroidentificação (análise presencial de candidatos autodeclarados negros).>
A situação dela é uma dentre as de outros candidatos que buscaram a reportagem para relatar o que consideram erros no edital do certame. Das 134 vagas oferecidas pelo concurso público, 40 foram direcionadas para cotistas, que têm reclamações sobre “a organização e transparência do concurso”. >
Eles se queixam, entre outras coisas, que a Uneb não realizou o processo de heteroidentificação de todos os cotistas na data prevista do edital, 26 de junho; não homologou no Diário Oficial do Estado o resultado das duas listas de aprovados cotistas e PCD, apenas o de ampla concorrência; está considerando cerca de 18 pessoas que passaram em primeiro lugar na ampla concorrência como cotistas, o que limita o acesso de negros ao número de 40 vagas do edital. >
Entre as denúncias estão listadas ainda situações como a aprovação de uma pessoa branca na banca de heteroidentificação para a vaga de cotista e a desaprovação de um candidato negro. >
Diante da situação, cerca de 90 cotistas criaram um grupo de Whatsapp para trocar informações. Foi criada, ainda, uma comissão que realizará uma denúncia formal ao MP-BA, em Salvador. Está prevista uma reunião com a promotora Lívia Sant´Anna Vaz, para este mês de agosto. >
A Universidade do Estado da Bahia é uma das instituições de ensino pioneiras em todo o Brasil no que se refere à implementação de políticas afirmativas, o que vem ocorrendo há pelo menos 20 anos, antes mesmo da obrigatoriedade imposta pela lei. >
Além de ter sido a segunda universidade do país a aderir à Lei de Cotas (a primeira foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ). Foi, ainda, a primeira a ter no cargo de reitor uma pessoa negra, a professora Ivete Sacramento. "Me sinto frustrada com a universidade onde me formei. Eu fui cotista da Uneb ainda na graduação, fiz pós-graduação nesta instituição e sempre admirei as políticas afirmativas da Universidade. Agora me pergunto o que está acontecendo”, diz Kátia*.Lei de cotas Em agosto deste ano, a Lei de Cotas 12.711, sancionada em 2012 pela então presidenta Dilma Rousseff, completa uma década. O contexto da aprovação se dava diante da abissal desigualdade social entre brancos e negros; e já com atraso secular. >
O Brasil foi o país que mais importou pessoas escravizadas da África e que por mais tempo manteve a escravidão no ocidente (a abolição foi decretada em 1888) e, mesmo assim, nunca havia implantado políticas que beneficiassem a população negra. >
Segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 56,10% dos brasileiros se declaram negros, grupo que reúne pretos e pardos. >
A Lei de Cotas garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para a ampla concorrência.>
Para a promotora de Justiça, Lívia Sant´Anna Vaz, a lei de cotas pode ser considerada a política pública de enfrentamento ao racismo de promoção da igualdade racial de maior sucesso no Brasil. >
“O saldo é positivo no sentido de que estamos começando a democratizar esse espaço, que é o espaço acadêmico, o acesso a esse espaço de poder, que vai instrumentalizar as pessoas a acessarem outros direitos, especialmente o mercado de trabalho”, garante ela, que é titular da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Ministério Público da Bahia (MP-BA). >
Concurso para professor Mas, não adianta apenas ao negro acessar a universidade. Manter-se nela, completar sua vida acadêmica e se consolidar no mercado de trabalho é imperativo. Nesse sentido, em 2014, foi publicada a Lei 12.990, que reserva às pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. “O percentual de vagas fixadas para a população negra nos concursos públicos varia de município e estado, considerando muitas vezes o percentual de negros no estado. Em algumas legislações, a reserva representa 10% (caso do Paraná e Sergipe) ou 20% (município de São Paulo e Distrito Federal) ou de 30% das vagas (Bahia)”, explica a socióloga Marcilene Garcia, responsável pela Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba). >
ENTREVISTA: Marcelo PintoO CORREIO foi procurado por alguns candidatos cotistas com reclamações sobre o último concurso da Uneb para professor efetivo, cujo resultado foi anunciado em 1º de julho. Pró-reitor de Ações Afirmativas da entidade, Marcelo Pinto esclarece a situação para os candidatos. Confira: >
Quantos concursos públicos a Uneb realizou com reserva de cotas, na última década? O primeiro concurso público para docentes que a Uneb realizou com cotas foi esse agora de 2022, porque concurso público depende da previsão da existência de lei quanto aos requisitos para investidura no cargo. E a lei do Estatuto da Igualdade Racial na Bahia, que fixou reserva de 30% para negros e 5% para pessoas com deficiências, é a lei 13.182, que é de 2014. Desde então, não tinha havido outro concurso para professores nem para técnicos no âmbito da universidade. >
Candidatos denunciam que a Uneb, de forma não prevista no edital, colocou 18 concorrentes afrodescendentes com notas suficientes para a ampla concorrência como beneficiárias das cotas. Por que isso ocorreu? A publicação do resultado se vincula a indicar às pessoas que tiveram sua aprovação porque optaram pelo regime de cotas. Agora, o ato de convocação para ocupar a vaga - se ela será na vaga destinada às cotas ou às vagas da ampla concorrência - isso se dará na delimitação do ato convocatório, que é uma competência da Reitoria, junto com o governo do estado e junto com o ente próprio que desenvolve o processo de seleção que é a Comissão de Processo Seletivo. O que eu peço às pessoas é que aguardem a Uneb se manifestar oficialmente sobre isso, porque tem muitas conversas que surgem em redes sociais que não refletem a realidade dos procedimentos que estão sendo aplicados. >
Mas, quando a Uneb vai se manifestar oficialmente quanto a essa situação? O senhor não acha que essa demora dá margem a se criar esse tipo de especulação? Com certeza, mas a Uneb vai se manifestar assim que concluir a heteroidentificação de todos os candidatos negros e negras. Aí, nós teremos a certeza de quais candidatos negras e negros estão aprovados e não foram desclassificados em razão da heteroidentificação não ser confirmada. Estamos já tentando agendar a heteroidentificação para a próxima semana, para já concluir todas as heteroidentificações. >
Os mesmos cotistas alegam que falta transparência no edital. Segundo eles, não saiu a lista de cotistas e PCDs, apenas ampla concorrência. Também reclamam da falta de organização na convocação para a banca de heteroidentificação, com listas sendo divulgadas aleatoriamente, sem datas previstas no edital, e surpreendendo os aprovados. Por que isso vem ocorrendo?>
Essa informação não procede. A lista de pessoas negras tanto aprovadas quanto não-classificadas, assim quanto a lista de pessoas com deficiência, tanto aprovadas quanto não aprovadas, foram publicadas especificamente e está o portal que orienta o concurso, que é o portal docenteconcursouneb2022, e está lá indicando as duas categorias em documentos diferentes, no dia 26 de junho de 2022. Quero discordar da expressão ‘falta de organização’, porque o que não há é uma prévia fixação de datas, mas prévia fixação de datas para determinadas fases de concursos não é uma regra legalmente obrigatória. Existem situações em um concurso em que você precisa organizar bancas, ter disponibilidade de bancas, que você fica dependente do quantitativo de recursos administrativo que você terá que processar, existe toda uma logística para que você muitas vezes possa avançar para uma determinada fase, principalmente num concurso docente que tem suas peculiaridades. Se fosse comparar o concurso de docente da Uneb com qualquer outro concurso docente de qualquer outra universidade pública no Brasil se verificará que em nenhum outro concurso também se delimita todas as fases de heteroidentificação anteriormente, principalmente considerando o volume altíssimo de candidatos que nós tivemos aprovados para heteroidentificar. Não era possível aprovar heteroidentificar 212 candidatos em um único momento. Então, optou-se por heteroidentificar 40 candidatos, inicialmente, que era o número de vagas efetivas que se tinha a certeza sobre a convocação e agora, em um segundo momento, tem se heretoidentificado mais candidatos que estão em cadastro de reserva. >
Esta é a primeira vez que a Uneb adota banca de heteroidentificação? Por quê? Como era feita a identificação de pessoas negras antes? Foram identificadas fraudes, anteriormente? Como dito anteriormente, esse é o primeiro concurso realizado após a previsão de lei fixando vagas para pessoas negras em concurso público. Portanto, é a primeira banca de heteroidentificação para concurso público. Não é uma primazia da Uneb ser vítima de alguma tentativa de fraude, mas quando há essa tentativa, existem os órgãos próprios para denúncia, controle, abertura de processo administrativo e exclusão da pessoa que eventualmente tenha fraudado o processo. >
Outra questão trazida pelos candidatos cotistas é que a convocação não saiu. Chegam a afirmar que o governo só quer convocar 60% dos 134 candidatos aprovados esse ano, e deixar 40% dos demais para o ano que vem. Nas últimas semanas, eles identificaram a convocação de professores via Reda... Isso me parece uma ilação, coisas sem fundamentos, que não estão documentadas. Mas, as pessoas devem entender que concurso público se rege por regras que estão legalmente estabelecidas e, dentro dessa lógica legal, o direito de um candidato ou de uma candidata aprovado em concurso público é ser nomeado no prazo de validade do concurso - de dois anos prorrogável por mais dois. Então, a obrigação do governo do estado será nomear as 134 pessoas dentro do prazo de validade do concurso e qualquer coisa fora disso é especulação, aproveitamento político do processo ou divagação que não cabe. O ato convocatório é um ato discricionário do gestor público, discricionário quanto à oportunidade e conveniência da nomeação. Isso é uma regra básica de qualquer concurso público. E esse ato discricionário é limitado pela legalidade da obrigatoriedade de convocar dentro do prazo de validade. Agora, o momento exato da convocação cabe ao gestor decidir, observado o prazo da validade do concurso.>
Essa previsão será ainda este ano? De acordo com o edital, o presente concurso público terá validade de dois anos, contados da data da publicação dos resultados homologados pela Reitoria da Universidade, podendo ser prorrogado por igual período nos termos da lei e a critério da universidade. Agora, com certeza, é de interesse da universidade convocar o quanto antes, até porque diversos departamentos precisam de professores. >
Quando os aprovados começam a trabalhar? O semestre começa em breve, se a gente puder já contar com essas pessoas, será excelente. >
Neste mesmo concurso, o MP-BA teve que intervir recomendando à Uneb a reserva de vagas para cotistas. Por que isso ocorreu? Essa foi mais uma situação que foi distorcida nas redes sociais, na mídia, enfim. O que aconteceu, em verdade, é que as vagas para cotistas sempre estiveram no edital da Uneb o seu reconhecimento, até porque é lei. Desde a origem do edital, há previsão de que seriam observadas as vagas para os cotistas, tanto que o edital original já previa a heteroidentificação. Então, se não houvesse vagas para cotas e o MP precisasse intervir para a Uneb inserir as cotas, a Uneb nem teria colocado processo de heteroidentificação no seu edital originário. O que não havia era a indicação numérica das vagas, mas, obviamente, 30% de 134 são 40 vagas. O que gerou a dúvida é que, pelo concurso ser descentralizado, essas vagas ficavam individualizadas nos departamentos. Então, às vezes um departamento tem cinco vagas para cinco cadeiras diferentes, enfim. Então, a Uneb, entendendo a necessidade de melhorar, em diálogo com o MP, assim como com os movimentos sociais, editou uma nova resolução, que delimita os critérios para alocação das vagas. >
A gente entende que é normal que surjam dúvidas e angústias, até porque essa forma de reserva global de vagas é uma forma nova, casada com o critério de lista de notas - ou seja, as maiores notas são as privilegiadas - e a gente tem uma descentralização ainda a cumprir porque é uma vaga por componente curricular em departamento. Então, de fato, não é um procedimento simples. Até mesmo quem monta o processo está em processo de entendimento disso.>
O que a gente precisa é tranquilizar as pessoas com informação para deixá-las seguras de que estamos buscando dar a maior transparência e legalidade possível para garantir que as vagas das pessoas cotistas negras sejam ocupadas por pessoas negras que de fato fazem jus à vaga. Qualquer outra situação, elas podem recorrer administrativamente, fazer envio de e-mail solicitando esclarecimentos, através do [email protected]. Dúvidas sobre a convocação de candidatos é com a Comissão Geral de Processos Seletivos. >
Só complementando quanto às convocações para heteroidentificação: qualquer pessoa que se sentir prejudicada na avaliação tem um prazo de 48 horas para recorrer quanto ao conteúdo da decisão. Nesse mesmo prazo, também uma pessoa que foi eventualmente considerada ausente ou que teve alguma dificuldade de ter sido notificada para o comparecimento, ela também pode fazer um recurso administrativo justificando a sua ausência. Se a justificativa estiver dentro da razoabilidade legal, ela será revista, assim como já teve precedentes de outros casos na primeira chamada, em que foi verificado que era razoável o argumento alegado pelas pessoas e elas foram convocadas sem problema algum. A intenção não é jamais prejudicar ou excluir as pessoas. >