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Da oralidade à conquista do Goncourt: conheça Mohamed Mbougar Sarr um dos destaques da literatura atual senegalesa

Pela primeira vez no Brasil, autor esteve em Salvador no último final de semana e se prepara para mesa na FLIP

  • Foto do(a) author(a) Luiza Gonçalves
  • Luiza Gonçalves

Publicado em 7 de outubro de 2024 às 08:42

Autor senegalês Mohamed Mbougar Sarr
Autor senegalês Mohamed Mbougar Sarr Crédito: Divulgação/Johanna Marghella

A literatura é a maior paixão, inquietação e, desde 2021, meio de reconhecimento internacional do autor senegales Mohamed Mbougar Sarr. Há três anos, o nome de Sarr ficou na rota dos leitores de todo o mundo ao ser o primeiro escritor da África subsaariana a ganhar o prêmio literário Goncourt, o mais antigo e prestigiado da França, com A Mais Recôndita Memória dos Homens (Editora Fósforo).

O romance narra a jornada de Diégane Latyr Faye, um jovem escritor senegalês que, ao descobrir um livro enigmático de 1938, busca desvendar o mistério de seu autor, T.C. Elimane, que desapareceu após uma controvérsia de plágio. Através de uma narrativa que se estende de Dakar a Paris, passando por Amsterdã e Buenos Aires, Diégane enfrenta as feridas do colonialismo e do Holocausto, enquanto participa de um grupo de escritores africanos exilados em Paris, que exploram a criação artística em meio ao exílio.

Em sua literatura, Sarr é envolvente, atento às transformações sociais e crítico aos regimes herdados do colonialismo. Sua escrita é dinâmica entre estilos e curiosa, desdobrando provocações aos leitores e, como destaca, a si mesmo. O autor é uma das presenças mais aguardadas nesta edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), integrando um painel neste sábado (12) com o escritor Jeferson Tenório e esteve em Salvador no último final de semana para conhecer a cidade e realizar um bate-papo e lançamento no Museu de Arte Contemporânea (MAC). Em entrevista ao CORREIO, Mohamed Mbougar Sarr refletiu sobre sua carreira na literatura, os dilemas e alegrias enquanto escritor africano e revelou por que quis garantir, mesmo que brevemente, uma passagem em Salvador.

A Mais Recôndita Memória dos Homens (Editora Fósforo)
A Mais Recôndita Memória dos Homens (Editora Fósforo) Crédito: Divulgação

Como começou sua relação com a literatura, passando pelos seus primeiros textos publicados até hoje?

Essa conexão, de certa forma, existe desde sempre, porém antes de ser uma relação escrita, foi uma relação que passava pelo ouvido, uma relação oral. Venho de uma tradição cultural em que o conto oral permanece extremamente importante para a formação espiritual, política e intelectual da criança. Tive a sorte de ter na minha família várias mulheres que me educaram dessa forma. Acho que foi nesse momento que comecei, sem saber que isso se chamava literatura, a entrar nesse mundo literário, ou seja, num espaço imaginário, poético, e também existencial muito forte. Começou assim, e demorou alguns anos até que eu aprendesse a ler, escrever em francês, e depois que passei longos anos apenas lendo e ouvindo romances, contos, poesias, ensaios, todos os gêneros possíveis, de todos os países e culturas, quando finalmente comecei a escrever. Meus primeiros textos vieram por volta dos 20 anos e esse período anterior foi fundamental para mim, acredito que foi daí que surgiu o meu gosto e o despertar para a literatura e para a escrita, mas no caso da segunda, ainda é um pouco misterioso para mim, imagino que escrevo também para tentar responder a essa pergunta. Quando eu era um jovem estudante em Paris, comecei a escrever meus primeiros textos, inicialmente em um blog, depois vem contos como La Cale, que você mencionou e fui continuando.

Poderia me falar um pouco sobre o processo de escrita do "La Plus Secrète Mémoire des Hommes"?

Carreguei essa obra por anos, talvez a tenha carregado por toda a minha vida. Levei três anos para escrevê-la, mas, durante todo esse tempo, fosse no sentido mais objetivo ou mais literário e poético, foram muitas reflexões pessoais que nutriram esse processo. Estava em uma espécie de bolha. Não quero falar necessariamente de solidão, embora a solidão seja uma parte fundamental da escrita, especialmente deste romance. Mas, digamos que esses momentos foram bastante egoístas no sentido de que me colocaram em confronto com o que havia de mais profundo e obsessivo em mim desde que me tornei escritor. A questão da origem da escrita me fascina, a razão pela qual escrevemos me fascina, e a razão pela qual lemos e gostamos de ler também me fascina. Todas essas questões estão presentes no romance. Essas obsessões se encontraram, em algum momento, com a história do escritor maliano Yambo Ouloguem cujo destino — de glória e depois de queda — inspirou o personagem principal do meu livro. E foi isso que me levou a escrever o livro.

O romance foi vencedor do Prêmio Goncourt e lhe estabeleceu como um autor de renome internacional. Como é vivenciar o alcance que ele tomou?

Tem sido uma aventura bastante extraordinária com esse romance, tanto pelo prêmio que ele recebeu, quanto pelo reconhecimento que teve na França e no exterior. Devo admitir que, mesmo três anos depois, ainda fico um pouco surpreso com a forma como ele continua a atrair tantos leitores ao seu redor. Claro, o prêmio é muito significativo e, sem ele, talvez não houvesse tantos leitores ou talvez eu não estivesse aqui agora falando com você sobre minha viagem ao Brasil. No entanto, o mais importante são as pessoas que leem o livro, em diferentes idiomas, ao redor do mundo. E isso, sempre recebo com uma mistura de gratidão e espanto. Nenhum escritor controla o destino de seus romances, e estou muito feliz com o caminho que este livro seguiu, estando ao mesmo tempo profundamente envolvido, já que sou o autor, e, por outro lado, um tanto alheio a tudo, porque, quando os leitores leem um romance, eles constroem sua própria história com o livro. O vínculo mais forte é sempre entre o leitor e o livro. Falo isso com convicção, pois sou, antes de mais nada, um leitor, é isso que mais gosto de fazer.

A influência e a apropriação na literatura são alguns dos temas centrais do romance. Como você define a fronteira entre inspiração e plágio na produção literária contemporânea?

Uma possível linha de demarcação entre influência e plágio é que a influência é fértil, enquanto o plágio é estéril. O plágio não acrescenta nada ao que já foi escrito, sendo apenas uma repetição, um gesto puramente mimético e não poético. Acredito que, a partir do momento em que conseguimos criar algo novo, a influência se torna fecunda e é isso que prevalece. Acho que todos os escritores são influenciados, quer eles admitam essas influências ou não, elas estão presentes. Há, no entanto, uma grande diferença entre ser influenciado e apenas imitar alguém sem acrescentar nada. Isso é o que torna a situação do escritor maliano Yambo Ouologuem tão problemática, porque em seu romance Le Devoir de Violence, podemos ver claramente os escritores que o influenciaram. Suas influências estão presentes, mas a maneira como o texto é escrito pode parecer plágio. É preciso uma leitura muito cuidadosa para determinar essa linha tênue. E tudo se torna ainda mais complexo nas culturas com base oral, onde a noção de autor nos contos geralmente não tem tanta relevância, pois foram foram repetidos oralmente, circulam no tempo e no espaço. Na Mais Secreta Memória dos Homens, eu uso o exemplo de Homero. Sabemos talvez que ele escreveu, recitou primeiro a Ilíada ou a Odisseia, mas é muito possível que Homero fossem várias pessoas que repetiram a Ilíada e a Odisseia durante séculos.

Como você lida com as expectativas do público e da crítica em relação à identidade africana em sua obra?

É uma questão também muito difícil. Não posso ignorar que sou um escritor africano que publica em um espaço que não é africano. Isso levanta uma série de problemas, uma vez que, muitas vezes, para ser publicado, reconhecido, traduzido, é preciso estar em um espaço que não é africano e escrever em uma língua que não é africana. Há expectativas do público francês, mas também há expectativas do público africano. Te olham de certa maneira, esperam que você escreva de uma certa forma, que conte certas histórias, que sua linguagem corresponda a um certo imaginário que foi moldado pela história colonial, por exemplo. Para mim, a ironia é uma coisa muito importante, não no sentido maldoso, mas no sentido de vejo o que está lá, a situação, estou ciente do meu lugar e sou capaz de brincar com os diferentes códigos, com as diferentes expectativas. Para falar sobre essa situação coletiva, é preciso inventar formas o mais singulares e individuais possíveis, porque, no fundo, escrever é um ato, antes de mais nada, singular e que é preciso sempre buscar a forma mais pessoal para falar sobre o que se vive, sobre o que se sabe, para contar histórias que podem tocar a todos. E, portanto, para mim, essa forma foi, primeiro, a do romance, essa do romance entre vários continentes, entre vários espaços, várias histórias, várias línguas também, que tenta sempre manter uma forma de ironia em relação aos outros, mas também em relação a mim mesmo.

Você considera algum dia publicar em línguas originárias do Senegal?

Eu gostaria um dia de escrever em Sereer, que é minha língua materna, ou em Wolof, que é a língua mais falada no Senegal. Por enquanto não posso fazer isso porque, apesar de dominá-las na oralidade, ainda não aprendi completamente a escrita. Estou me formando nelas e, um dia, se eu tiver a opção de poder escrever em Wolof, em Francês ou em Sereer, será absolutamente maravilhoso, uma nova maneira de expressar o que carrego.

Seus romances são conhecidos por serem uma leitura alinhada às pautas sociais. Para você como se estabelece a relação entre literatura e estrutura política?

Não se pode afirmar que a literatura é um mundo à parte e que não tem vínculo com a sociedade. Ela está sempre em interação com o mundo social e, portanto, com o mundo político. Isso não significa que todos os escritores só devem escrever textos engajados, ou que o engajamento deve ter apenas uma forma. Existem várias formas de engajamento; há um engajamento político que pode passar pela sutileza, pelos personagens, pela ironia do romance. O país em que eu nasci e as relações que esse tem com a França, por exemplo, que é a antiga potência colonial, são dois fatores pelos quais eu tenho uma consciência política desde sempre e essa consciência política transparece necessariamente no que escrevo. Eu acredito que a literatura deve ocupar seu lugar no processo das transformações políticas e sociais, cabendo a cada escritor encontrá-lo e expressá-lo da forma mais literária possível. Para mim, é realmente uma questão de discurso. Quando se está na literatura, nunca se deve esquecer que se está em um espaço artístico e de criação, mas ter essa consciência não significa ignorar a relevância política das coisas.

Você está no Brasil para participar da FLIP mas antes faz uma breve passagem em Salvador. O que te trouxe a cidade?

Foi uma escolha evidente, porque, claro, do Brasil, nós conhecemos frequentemente Rio, São Paulo, mas quando estamos na África e nos interessamos um pouco pela maneira como as culturas africanas se expressam em outros lugares que não a África, é impossível não pensar em Salvador. Simplesmente porque, fora do continente africano, seja a maior “cidade africana”. É uma cidade profundamente brasileira, mas os legados africanos são fortes, se expressam em tantos domínios: na música, na dança, na espiritualidade, na poesia, que era impossível para um escritor africano como eu, vir ao Brasil e não ir a Salvador. Quase ouso dizer que é uma peregrinação, no sentido de ir encontrar, em outros lugares, elementos do meu continente, que se misturam a outras tradições e se tornaram algo diferente, mantendo, no entanto, uma parte muito forte da África. Além disso, tenho muitos elementos assim no meu imaginário, eventos ou textos que nutriram a imaginação em torno de Salvador, como por exemplo os escritos do ex-presidente do senegal Léopold Sédar Senghor sobre sua passagem na Bahia ou os relatos do músico Doudou Ndiaye Rose que também passou por aí. Estou curioso para conhecer essa cidade. Estou muito curioso porque acho que isso me fará compreender não apenas a história do Brasil, mas também a minha própria história.