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Roberto Midlej
Publicado em 6 de julho de 2023 às 06:46
Aos 90 anos, a atriz Léa Garcia continua na ativa e recebendo merecidas reverências. Em Salvador, a mostra Lugar de Mulher é no Cinema, que chega à sexta edição, decidiu homenageá-la e vai exibir nesta quinta-feira (6), às 19h, na Sala Walter da Silveira, o filme Orfeu Negro (1959). O longa-metragem rendeu a ela uma indicação de melhor atriz no Festival de Cannes. >
"A repercussão foi internacional e a comunidade negra abraçou a obra de Marcelo Camus por se ver retratada como protagonista. E desfrutamos de muitas críticas, inclusive o filme ficou em segundo lugar na Palma de Ouro", recorda-se Léa. A atriz também já recebeu dois Kikitos, em Gramado: um em 2004, por Filhas do Vento, e outro, em 2013, por Acalanto. Neste ano, o festival gaúcho vai lhe conceder o Troféu Oscarito, pelo conjunto da obra. >
A idealizadora da mostra Lugar de Mulher é no Cinema, Hilda Lopes Pontes, fala sobre a homenageada, que está em Salvador até sexta-feira: "Desde a edição passada da mostra, quando assisti a O Dia de Jerusa [com Léa no elenco], tive uma sensação positiva e pensei o quanto precisamos reverenciar mulheres que vieram antes da gente". Veja no site do CORREIO os destaques da programação da mostra, que foi aberta nesta quarta (5) e segue até domingo (9). >
Nesta conversa com o CORREIO, Léa Garcia fala sobre a importância de continuar na ativa aos 90 anos e a atuação em papéis que a tornaram conhecida, como a Rosa, de Escrava Isaura. Ela também lembra a relevância de Abdias Nascimento (1914-2011), ator e dramaturgo com quem Léa foi casada e tem dois filhos. >
A senhora esteve recentemente nos filmes O Pai da Rita e Barba, Cabelo e Bigode. Agora, é homenageada em uma mostra de cinema. Qual a importância de, aos 90 anos, ainda estar na ativa?>
A arte tem o poder mágico de retratar o envelhecimento interno de seus profissionais e a arte cênica em especial não limita o ator e seu ofício de representar porque ela retrata a vida em todos os momentos do ser humano. E, ao retratar a vida, ao exercitar a memória, o etarismo se faz distante, apesar do capitalismo selvagem. Então, os atores e atrizes, em qualquer etapa de suas vidas quase não são atingidos pelo etarismo. Por essa razão, é permaneço ativa.>
Além de atriz, a senhora tem dois roteiros escritos para filmes que ainda podem vir a ser gravados. Pode falar um pouco sobre o que escreveu?>
Tenho adaptações cinematográficas e essa adaptações foram inscritas em editais. Lógico que fiz essas adaptações baseadas em contos negros e em livros de autores negros. E os autores escolhidos foram o professor Moniz Sodré; a jovem mineira Cidinha Silva e Cuti (Luiz Silva). E não poderia ser de outra forma: nem um outro povo poderia falar tão bem de uma forma real de si mesmo, a não ser aquele próprio povo.>
Numa entrevista, a senhora disse que tinha dificuldade em fazer cenas de maldade com Lucélia Santos em Escrava Isaura. Por que?>
Sim, a dificuldade se apresentou muito forte não só por Lucélia ser tão jovem naquela época, como por eu ter uma grande estima por ela, mas também por eu perceber os conflitos do personagem Rosa e a sua não possibilidade de denunciar o preconceito racial, embora ela percebesse que alguma coisa estava errada no tratamento dispensado ao personagem Rosa.>
O negro ainda é retratado de maneira estereotipada na mídia ou isso está mudando?>
Quando conquistarmos todos os espaços e cargos existentes nas produções cinematográficas, teatrais e televisivas, aí, sim, deixaremos de ser apenas sujeitos e nos tornaremos realizadores. Desta forma, poderemos ocupar esses espaços de uma forma igualitária, porque teremos conquistado um poder de realização fugindo do estereótipo e nos definindo, definindo nossa experiência, nossas vivências com um olhar preto, com um olhar com uma visão verdadeira de nossas vidas e de nossa história.>
Qual a importância de Abdias Nascimento na sua vida e para o teatro brasileiro?>
O TEN - Teatro Experimental do Negro, na pessoa de sua fundadora, Abdias do Nascimento, foi o estimulador, incentivador de meu ingresso na arte cência e o condutor de minha conscientização racial graças a todo o trabalho desenvolvido para o social, político e racial daquela instituição. O meu agradecimento ao TEN, por me fazer atriz, meu agradecimento a Abdias, por essa timada de consciência e por ser pai de meus dois filhos mais velhos, avô de meus netos; bisavô de meus bisnetos e tataravô de meu tataraneto.>