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Roberto Midlej
Publicado em 31 de outubro de 2023 às 06:00
Ser filho de autores de ficção tem lá suas vantagens. Helena, filha de Manuela Dias, sabe bem disso. Manuela, que é conhecida por criar histórias para a TV, como a minissérie Justiça e a novela Amor de Mãe, está agora se lançando como escritora infantil, com Berenice e Soriano (Melhoramentos/ R$ 55 / 56 págs.). O livro é uma adaptação da peça homônima que estreou em Minas Gerais há quatro anos e é escrita pela própria Manuela. >
E aí está a sorte de Helena: foi para ela que a roteirista escreveu o texto para o teatro. "Tenho escrito coisas intensas e inapropriadas para crianças. São produtos que minha filha só vai ver daqui a um tempo, se quiser. Então queria escrever algo que ela pudesse ver ou ler", diz Manuela.>
A história do livro é a mesma da peça e, como diz a própria autora, é propositalmente simples, sem reviravoltas nem complicações no roteiro. Até porque escreveu pensando em crianças da faixa etária de Helena e, segundo a autora, é para um público que vai mais ou menos dos três a sete anos de idade. "É a história de uma menina, Berenice, que tem um passarinho e ele foge. Aí, ela, com a boneca, vai atrás do passarinho. E, no caminho, encontra personagens das canções populares. O sapo [de 'o sapo não lava o pé'], Dona Barata, o Trava-Línguas...", resume a autora.>
Embora a essência da história seja a mesma da peça de teatro, Manuela fez uma modificação na personalidade de Flávia, a boneca que acompanha Berenice na saga pelo resgate do passarinho Soriano. Enquanto nos palcos, o sonho de Flávia se resume a casar com o boneco por quem é apaixonada, no livro a boneca é uma corajosa bombeira. Mas a mudança, garante Manuela, não foi por um simples desejo de ser politicamente correta.>
"Tive um incômodo genuíno. No livro, não tinha graça. Na peça, ainda não mudamos, mas a gente está discutindo se muda. Dá vontade de atualizar, mas ao mesmo tempo há uma vontade quase 'museológica' de manter como está", diz a autora, que escreveu o texto há cerca de cinco anos.>
A montagem continua em cartaz em Minas Gerais, mas no palco Flávia ainda sonha se casar com o boneco que estava na mesma loja onde ela foi comprada pela mãe de Berenice. Segundo Manuela, na peça, o desejo da boneca não causa uma impressão de machismo, porque há um contexto que explica a vontade dela.>
"Nesses cinco anos desde que escrevi a peça, muita coisa aconteceu. Coisas muito necessárias, que são reconceituar o machismo, o racismo, o feminismo... São agendas que são super importantes para mim como pessoa e como produtora de conteúdo", justifica Manuela.>
Se por um lado o livro se contagiou pela modernidade - e uma das provas disso foi a mudança em Flávia -, por outro, o leitor vai notar na história um certo apego ao passado na história, que é o resgate das canções populares e brincadeiras de infância.>
Além disso, há um divertido Dicionário de Expressões Ameaçadas de Extinção que Berenice deseja escrever. Como diz o livro, a menina decidiu ser a guardiã de palavras e frases que andam meio fora de moda e que ela aprendeu com a avó Bibiana: "docinho de coco"; fulano "tem tutano"; "dar nó em pingo d'água" são algumas das favoritas da protagonista do livro.>
Segundo Manuela, as expressões apareceram muito naturalmente no texto. "Só percebi que as estava usando enquanto escrevia e isso foi rolando de maneira mais fluida. A língua é um tesouro a ser preservado. Morro de saudade do trema. Depois da reforma, a língua portuguesa ficou mais feia", brinca Manuela. Mas ela sai mesmo do sério quando o repórter lhe pergunta sobre o fim do acento diferencial em "para" (preposição) e "pára" (do verbo parar): "Isso é caso de intervenção federal!", reclama.>
BERENICE E SORIANO>
Autora: Manuela Dias>
Ilustrações: Alexandre Rampazo>
Editora: Melhoramentos>
Preço: R$ 55 | 56 págs>