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“Trabalho a espiritualidade da matéria”: artista togolês vem a Salvador para residência no Goethe-Institut

Residencia Vila Sul recebe a partir de segunda (30) artistas do Japão, Togo, Canadá e Porto Rico na capital baiana

  • Foto do(a) author(a) Luiza Gonçalves
  • Luiza Gonçalves

Publicado em 27 de junho de 2025 às 11:50

Kokou Ferdinand Makouvia e obras da instalação Clan Dinamique
Kokou Ferdinand Makouvia e obras da instalação Clan Dinamique (2022) Crédito: Divulgação/Gregory Copitet

Artistas de quatro continentes chegam a Salvador na próxima segunda-feira (30) para compor o segundo ciclo de 2025 da Residência Vila Sul, no Goethe-Institut de Salvador. Durante quatro meses, a capital baiana será o espaço de criação e pesquisa de nomes oriundos do Japão, Togo, Canadá, e Porto Rico em linguagem que abrangem artes plásticas, audiovisual, composição e que estarão em contato instituições, artistas e público local. O tema de reflexão proposto neste ano será “Meio Ambiente e Sustentabilidade – Reconhecendo Limites”.

Leonel Henckes, responsável operacional da Residência Vila Sul, conta que o projeto começou em 2016, transformando a unidade do Goethe-Institut de Salvador em uma casa de residência. “O conceito da residência traz consigo justamente esse objetivo de fomentar uma plataforma de intercâmbio e debates sobre e a partir de temas e demandas do sul global. Por este motivo, a Vila Sul recebe não apenas artistas da Alemanha, mas de todos os países do mundo”, explica. Desde então, cerca de 140 pessoas de 35 países já passaram pelo espaço, desenvolvendo projetos em diálogo com a cena artística local.

A residência dá liberdade criativa aos artistas, sem exigência de resultados finais. “Nosso principal objetivo é conectar os residentes com artistas, pesquisadores, pensadores e mobilizadores culturais locais. Esses encontros têm sido portas de acesso para artistas de Salvador alcançarem outros espaços profissionais nas artes. Uma das principais missões de um Programa de Residência Artística Internacional é ser portal e facilitador para modos de networking cultural global”, defende Henckes.

O artista togolês Kokou Ferdinand Makouvia será um dos integrantes que desembarca em Salvador para participar da Vila Sul, trazendo na bagagem uma trajetória internacional marcada por obras de arte, performances e reflexões profundas sobre espiritualidade e ancestralidade. Radicado na França, Makouvia já integrou programas prestigiados como De Ateliers (Amsterdã) e ISCP (Nova York), além de ter vencido o Salomon Foundation Residency Award. Em entrevista ao CORREIO, ele refletiu sobre sua produção, o papel do artista como ouvinte do mundo e sua expectativa de dialogar com a energia espiritual que atravessa Salvador.

Como você descreveria sua prática artística e as principais questões que atravessam seu trabalho?

No meu trabalho artístico, me interesso muito pela vibração que está presente nos materiais, na matéria. Seja o metal, a madeira, tudo o que nos rodeia e como essa relação — a própria relação humana — se desenvolve de uma maneira entre o físico, o espiritual e qual é a conexão que nos liga, todas essas vibrações que nos cercam, que também vêm desses objetos. Comecei essas reflexões revisitando minhas memórias de infância com meus avós, que eram animistas, mas tinham uma crença profunda nos objetos que, para eles, representavam divindades. Costumo dizer que trabalho a espiritualidade da matéria, de certo modo. Para algumas pessoas isso pode parecer absurdo, mas para mim é exatamente isso que faço: coloco-me em uma dimensão quase meditativa, onde tento escutar antes de começar o trabalho. E esse processo se torna uma conversa entre mim, as ferramentas e os materiais que uso. Isso, por fim, se transforma em uma identidade própria, uma entidade — não diria uma personalidade, mas algo com sua integridade e existência própria, que se desenvolve como um ser humano: cresce, evolui, etc. Minha prática também existe também a dimensão do corpo, não só escultura, que entra em cena como um objeto entre outros objetos, ou como uma personalidade entre outras. Eu interajo com minha obra, danço com ela, estou dentro do espaço e reajo dentro desse espaço. Além da escultura e dessas reações performáticas, faço muitos desenhos. Para mim, o desenho é uma parte do inconsciente que se revela. Gosto de desenhar de diversas formas.

Como surge para você a oportunidade de vir para Vila Sul?

Há um ano e meio, dois anos, Em'kal Eyongakpa, um artista camaronês, com quem me conheci em 2018 na Costa do Marfim durante um prêmio e desde então, nos tornamos muito amigos, trabalhamos juntos, discutimos política, enfim. A gente já tinha falado sobre meus projetos. Na época, eu estava indo pros EUA e falei que tinha interesse pela América do Sul. E há dois anos, ele me mandou uma mensagem, dizendo: “Gostaria de te indicar para uma pré-seleção.”. Eu disse: “Claro! Se for no Brasil, eu adoro o Brasil.” Já tinha planos de visitar o país futuramente. Depois, fui contatado e acredito que meu projeto chamou a atenção do júri e, por isso, fui selecionado para a residência em Salvador da Bahia. A partir do momento em que fui convidado, tudo começou a se desenvolver. Estou muito feliz por ir a Salvador.

Quais são seus pensamentos iniciais em torno da temática da residência? Qual a conexão desta com seu trabalho?

Fiquei muito contente com a temática proposta pela residência, pois venho refletindo sobre isso há alguns anos. Por trás disso tudo, vejo a hipocrisia internacional de políticos e bilionários que ainda lucram muito, criando instituições, colocando “guardas” em todo lugar e não fazendo nada efetivo — apenas impedem os povos de viver melhor, distribuindo migalhas e explorando a terra de forma abusiva. Por isso, minha vontade na primeira semana da residência é me aproximar da população, fazer perguntas, entender o que pensam sobre isso e como isso pode se conectar com o meu trabalho. Posso dizer que o meio ambiente não está dissociado do meu trabalho — eu vivo no ambiente, e ele vive em mim. O mesmo vale para minhas obras: há uma conversa. Não quero denunciar, mas levantar questões. Como nós, humanos, estamos conscientes de que a natureza não está separada da nossa vida? Nós fazemos parte dela. Explorar a natureza como se fosse uma posse nossa é um erro. Quero propor um espaço de conversa, de existência compartilhada.

Há elementos e vivências culturais que você já tem em mente para explorar em Salvador?

Eu não consigo me projetar sobre as obras que farei em determinado lugar sem antes viver aquele espaço. Prefiro me inserir no ambiente, discutir com as pessoas, entender os possíveis e os impossíveis. A criação vem de um conjunto, de uma troca. Já comecei uma lista de locais que quero visitar e observar com atenção, para ver como, na minha pesquisa, isso pode gerar uma ideia que virará obra. A criação será moldada pelas conversas e encontros que terei ali. Mas posso destacar a questão espiritual, que nos acompanha por toda parte e dizem que o coração do vodu se encontra no Brasil, em Salvador. Tenho vontade de aprofundar isso, ver com meus próprios olhos. Sou mina — sou togolês e também beninense. Os mina desses dois países são os mesmos, partilhamos a mesma religião. Por isso, esse projeto é ainda mais essencial para mim. Quero entender como toda essa riqueza foi preservada lá, como se fundiu com outras religiões.

Qual a importância de residências como Vila Sul para a formação de um artista?

Já viajei bastante na minha carreira, e isso nutre meu trabalho. Sempre senti que é só estando no lugar que se vive a realidade. Alguns até conseguem virar especialistas sobre um país lendo na internet. Mas, para mim, o que importa é a voz das pessoas, os gritos, os rostos, os olhares, a arquitetura, o cotidiano, as crianças, os anciãos… é impossível imaginar isso tudo apenas de longe. Por isso, essa viagem é muito importante para mim. Quero buscar algo mais puro, simples e direto com as populações locais.