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A 'poesia do café com leite' em Tudo Pronto Para o Fim do Mundo

Novo livro do poeta Bruno Brum traz ecos das escolas paulista e mineira

Publicado em 14 de junho de 2019 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Divulgação

Divulgação O mais novo livro do poeta e editor mineiro Bruno Brum (que se notabilizou com o premiado “Mastodontes na Sala de Espera”, tornado público no ano de 2011) estimula a reflexão e o debate sobre os rumos da mais recente poesia feita no país ao oferecer dois caminhos, ao leitor e aos poetas e literatos, que, até então, pareciam antagônicos, espécie de forquilha ou via dupla com uma vicinal no meio.

Brum, que atualmente mora em São Paulo, traz de volta a “política do café com leite”, em voga na República Velha (1889-1930) da incipiente História do Brasil, e prova a todos que: sim, é uma boa política. Cultural.

Em um poema encontramos ecos de Drummond (o Drummond de “Lição de Coisas”, sobretudo), com pitadas do contista fantástico Murilo Rubião, também mineiro; em outro encontramos destroços de Leminski e sua família literária, aparecendo em “Tudo pronto para o fim do mundo” com o arsenal poético (piedras, noches, poemas) produzido pelo Brasil dos anos de chumbo e do início de seu fim: ironia, sátira, pastiche.

Se já se sabia que Drummond é um poeta múltiplo que vai do soneto a uma pedra no meio do caminho, com um “ter” existencial contrariando a gramática normativa, e que a geração mimeógrafo muito se beneficiou do coloquialismo do poeta itabirano, é no livro de Brum que reconsideramos ou atualizamos essas aproximações décadas depois e percebemos que num só poeta o convívio entre Minas Gerais, com sua tímida ternura cínica, e São Paulo, com sua geometria áspera e lacônica feita de seres humanos, é tão salutar que certamente seria recomendado por um etólogo de nomeada.

E se esse encontro é arrematado pelo desconcerto “silencioso” diante do mundo, lido na poesia de Raymond Carver – recentemente publicada no Brasil pela editora responsável pela publicação de “Tudo pronto...” –,  com suas trágicas tardes insuspeitas, o resultado é uma obra quase perigosa por seu alto teor de distimia, beirando, em efeito, os apotegmas de Cioran.

Parênteses: uso o curitibano Leminski para representar São Paulo no livro de Brum porque o espírito paulista se acha inteiro na poesia do autor de “Caprichos & Relaxos”.

Leminski é filho (ou neto) de uma tradição paulista que começa com Oswald de Andrade e desemboca nos irmãos Campos, paulistas, como se sabe.

E vale ainda lembrar que a genial vanguarda paulistana liderada por Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, movimento cultural que começa em 1979 e alcança meados de 1980, tinha como integrantes, não por acaso, alguns paranaenses, inclusive o próprio Arrigo Barnabé, que passou a morar na capital econômica do país. 

Há uma unidade no livro de Brum, no entanto, e é dela que surgem tanto os poemas líricos – mas de um lirismo sempre corrosivo, ferruginoso como a lembrança de Itabira na parede – quanto os poemas iconoclastas, críticos e pós-Facebook: o eu poético, muito bem definido.

O livro é escrito por um homem branco, pobre, solteiro, jovem, poeta que mora sozinho em um apartamento de uma cidade grande. É desse lugar (de fala, diriam hoje) que todos os versos de “Tudo pronto...” saem. 

Esse homem dividido, mas já em avançado estágio de individuação, é aquele que faz parte de uma nova leva de eus poéticos que cultiva a “ode ao fracasso” (pensemos no famoso poema de Leminski “Dor elegante”), e é também aquele que escreve três poemas drummondianos irrepreensíveis que se comunicam entre si (“A fila – Rubião escreveu um conto com esse título e com a atmosfera do poema do jovem autor mineiro –, “Termos e condições” e “Canção do labirinto”).

A síntese nasce desse eu fortemente delimitado: o eu do homem fracassado (mais uma vez), cético, pessimista, com o olhar desconfiado até mesmo para a eficácia do Apocalipse – não são poucos os poemas marcados pelo espírito nonsense encontrado na obra pioneira (apesar de Rosário Fusco) do contista mineiro Murilo Rubião, com seu “realismo mágico” representando bem o homem confuso ou confundido do pós-guerra. 

Mas se há versos inesquecíveis como “Nem sempre é possível confiar/ no cadáver que, coberto com jornal,/ lê em voz alta as últimas notícias”, do poema “Em aberto”, há divertimentos gastos e absolutamente efêmeros, esquecíveis, como em “Folha Mecânica”, em que o poeta repete o primeiro verso sempre suprimindo uma palavra do final de cada verso, até fechar com “enfim, vocês entenderam”, um recurso usado sem moderação pelos concretistas, neoconcretistas, poetas de mimeógrafo e outras tribos. Essa é a banda paulista do livro de Brum.

Aliás, antes que me esqueça: há pelo menos um Bandeira em “Tudo pronto...”, o poema “Nota de esclarecimento”, que nos leva a pensar em “Poema tirado de uma notícia de jornal”, outro bom momento da obra que nos chega agora pela respeitável – apesar de alguns deslizes imperdoáveis em seu catálogo de poesia brasileira – Editora 34. 

Minas Gerais produziu alguns dos melhores poetas do país, e não só poetas. São Paulo se sai melhor em eventos, em movimentos, manifestos (atmosfera) que em poemas, historicamente falando.

A poesia de Brum é mais consistente quando mineira. Quando paulista, às vezes se aproxima dos insights engraçadinhos (mas sempre tristes, como o Carlitos de Chaplin, que tirou mais de um poema da cartola de Drummond, ele de novo e sempre; o pungente poema “O Porcossauro”, um dos bons momentos do livro, é exemplar dessa tristeza lúdica dos palhaços adultos) que infestam as redes sociais de hoje – poemas como “Claque”, “Fronteira” e “Conteúdo indisponível” são algumas amostras do gênero.

Mas há leitor para esse tipo de texto, que, de resto, registra e/ou reflete a realidade, virtual e efêmera, em que vivemos os que não fugiram para as montanhas.

Arrisco dizer que há mais leitor para esse tipo de texto que para a poesia mais consistente, mais substantiva, supracitada. E sim, o autor de “Tudo pronto...”, como um típico paulista que não o é, escrevendo poesia no século XXI, está interessado em se comunicar com o leitor de hoje.

Assume ser um homem – poeta – de seu tempo, e traz para si essa responsabilidade, uma atitude louvável, diga-se. O que é muito bom também porque abre um caminho sagaz em direção ao aliciamento de jovens leitores, apresentando-lhes, como numa edição bilíngue, outras versões para os temas universais do homem em sua humanidade. 

*Texto gentilmente cedido pelo escritor e crítico literário ao CORREIO.