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Alexandre Lyrio
Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 12:47
- Atualizado há 2 anos
O aposentado Zacarias Santana, 69 anos, toma uma cerveja sozinho no Bar do Moqueca, na Travessa São Jorge, no Canela. À caráter, camisa e chapéu do Alerta Geral, acompanha com três dedos da mão direita o hino que vem do trio elétrico e pode ser ouvido de longe. “Manda essa tristeza embora... Pode acreditar, um novo dia vai raiar, sua hora vai chegar”, diz o refrão, na voz de Xande de Pilares. “Meu amigo, qualquer um que ouve uma letra dessa, com um som desse, enche o coração de esperança e paz”. >
Sem querer, Zacarias resumiu em uma frase as quintas-feiras de Carnaval no Centro. No dia em que os blocos de samba desfilam, não tem essa de tirar o pé do chão. A folia do primeiro dia no Campo Grande é “só no sapatinho”. Desde que o samba é samba é assim. A conversa de botequim tem que rolar no esquente e depois é só alegria, alegria. “O trio já passou, mas eu gosto de ficar aqui na maciota. Um hora eu alcanço ele”, diz Zacarias, agora acompanhado de um amigo.>
Não tem como não entrar no compasso. Quem vai pensando em brigar aprende que não é do jeito que ele quer, mas “do jeito que a vida quer”. Até a polícia sente a diferença. “Os mais exaltados se rendem ao tom, à música. É diferente. Parece que vira tudo uma família só. Todo mundo junto, se abraçando”, percebeu o sub tenente Hamilton Kruschewsky, comandante do PA-03, no Canela. “Ainda não vi uma ocorrência”, confirmou. Pois é. É uma só nação! >
Além do Alerta, a voz do morro era amplificada também por blocos como Amor e Paixão, Proibido Proibir, Pagode Total e Rodopiô. Mas, na verdade, todo o entorno foi contaminado por aquela aura de alegria, educação e festa. Canta, canta minha gente. Em uma casa da travessa São Jorge, o samba já rolava antes mesmo dos trios chegarem na concentração. Som ligado o dia inteiro em Almir Guineto, Martinho da Vila, Arlindo Cruz e companhia. “Samba é samba, ‘cumpadi’”, disse o dono da residência, que, malandro, preferiu não se identificar. >
Nos bares, não tinha nem “Conflito” tipo Zeca Pagodinho. “A noite do samba é tudo de bom. O pessoal é muito mais tranquilo. O povo gosta de sentar, beber, comer uma coisinha sem estresse. É só alegria”, disse Bianca Farias, 65 anos, funcionária do Bar do Moqueca. Verdade! “Samba de Verdade”! Famílias inteiras, com crianças e idosos, sambavam juntas atrás dos blocos e na pipoca. Casais como o pedreiro Israel de Jesus, 34 anos, e a doméstica Maria de Jesus, 37, não perdem uma quinta-feira de Carnaval. >
“Namoramos há pouco tempo. Mas os dois sempre gostaram. A gente vinha separado, sem nem se conhecer. Agora juntou as paixões. É bom demais!”, disse ela. Até a volta para casa é mais tranquila. “Rapaz, esse é o dia de Carnaval que eu mais gosto de trabalhar. Um público maduro, tranquilo. Trabalho sem medo”, disse o taxista Francisco Prazeres, 60 anos, na frente da reitoria. Mas, ainda que a alegria e a paz prevaleçam, em alguns casos “a tristeza é senhora”. O marceneiro Roberval dos Santos, 45 anos, por exemplo, fez uma observação. “O problema do samba é que se o cara tiver com uma dor de cotovelo o bicho pega. Tem umas músicas que deixam o cara para baixo. Tem alegria? Tem! Mas também tem saudade”, sublinhou. Que é isso, Roberval. Chega de Saudade. Foi só um rio que passou em sua vida. O mundo é um moinho, irmão. O show tem que continuar. Amanhã vai ser outro dia. >
É nessa hora que um bêbado passa dançando sozinho, com os dois dedos indicadores para o alto. Reverberava o que tinha acabado de ouvir na avenida. “Vai passar nessa avenida um samba popular. Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar”. Maravilha, Chico. “Tá vendo, irmão. Hoje é dia de festa”, disse eu a Roberval. Aí pronto, aquele abraço. Se for para chorar, melhor deixar para a quarta-feira. Ela vai chegar? Vai! Mas aí a gente recorre a Vinícius: “E nos nossos corações, saudades e cinzas foi o que restou”. >