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Polícia

Não vi zorra nenhuma

Leia o artigo sobre o título do Vitória na Série B

  • Moysés Suzart Autor(a) Convidado(a) Moysés Suzart é jornalista e torcedor fanático do Leão

Publicado em 20/11/2023 às 05:00:00
Torcida do Leão subiu no alambrado do Barradão
Torcida do Leão subiu no alambrado do Barradão. Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

Nem queira saber de mim como o Vitória jogou contra o Sport. Até hoje nem sei qual foi a escalação (só fui saber que Léo Gamalho não estava jogando com 15 minutos de jogo), imagina quem jogou bem ou perdeu gol de cara. Esquema tático? Só se for a sincronia perfeita do mosaico vindo da arquibancada. No jogo que levantamos o troféu de campeão brasileiro, minha ida ao Barradão foi sem aquela tensão pré-jogo. Tampouco utilizei meu dicionário de xingamentos e reclamações proferidas na arquibancada que causaria espanto até ao Aurélio.

Na verdade, foi como ir num passeio ao parque. Um show na Concha Acústica ou bater palminha no pôr do sol do Porto da Barra. E acho que muita gente nem queria saber o que ocorria no gramado mesmo. Quer um exemplo? Um corneteiro que ficava todo jogo na grade do Barradão cometendo diversos crimes de pequeno potencial ofensivo contra a pessoa do técnico ‘Léo Condeus’, sábado parecia uma nigrinha, fazendo juras de amor pro nosso salvador. “Condé, eu te amo, sinha desgraça!”. Outro, tomado de substâncias etílicas de quem estava comendo água no estacionamento desde 9h da manhã, teve a maluquice de perguntar se o empate era suficiente para sermos campeões. Tudo tem limite.

Eu mesmo não me lembro de nada do primeiro tempo. Só fiz bater papo com os velhos das cadeiras. No golaço de Osvaldo na etapa final (já decidi: meu próximo filho se chamará Osvaldo ou Osvaldina), eu estava sentadinho na cadeira, saboreando o tradicional sorvetinho do Barradão, carinhosamente apelidado de diabete, que tem um sabor todo especial de tudo misturado. No momento do gol, minha reação foi apertar a casquinha e jogar pra cima, caindo no ombro de um broder que vestia a camiseta da TUI, com os dizeres: “sozinho mato mil…”. Achei que não veria mais a taça levantada (lá ele), mas o sacana me deu um tapão no peito, riu e me abraçou. “Somos campeões, porra”. Choramos juntos e levamos um banho de cerveja dos amigos dele.

Naquele momento do gol e do chororô coletivo, pensei no meu filho, que foi meu parceirinho de estádio durante toda campanha nesta Série B, que nos primeiros jogos me disse: “Pai, você tem 42 anos e nunca viu o Vitória campeão nacional. Eu, com 9, vou ver este ano. Confia”. E viu. E vimos. No meio daquele Barradão lotado, você imagina quantas pessoas carregavam uma história especial de relação com o Leão até o final feliz? Cada choro foi uma molécula de esperança, desilusão, mas um amor incondicional pelo Vitória. Deveria ter uma fila para cada torcedor levantar o troféu.

Cada cabecinha ali no estádio deve ter passado um filme na cabeça. Eu, filho de mãe solo, tinha uma relação bem restrita com meu pai. Ele geralmente esquecia de me ligar nos meus aniversários, mas sempre me chamava para ir ao Barradão. Eram 90 minutos provando um gostinho de ter um pai. Na minha adolescência, sem grana, traseirava até em caminhão do lixo para ir ao meu templo sagrado. Agora, posso levar meu filho ao estádio, ver a cara de felicidade dele de amar, apenas amar seu clube. É por isso e outras, bicho, por cada história naquele Barradão, que vai ter estrela, sim!

Será uma estrela pela conquista, mas também uma estrela pelo amor incondicional que tirou o Vitória do fundo do poço e trouxe de volta à vida. É uma estrela que representa uma nova patente após 124 anos de espera. Ninguém deste mundo cagado de pombo (e quase rebaixado) pode opinar sobre botar ou não a douradinha, senão o próprio torcedor do Vitória. E ele disse sim. E vai ter estrela. Vai ter muita estrela. E se reclamarem muito, picamos estrela na camisa toda, de todas as cores, assim como nossa torcida, essa torcida que tem casa, que coloca piscina inflável no estacionamento, que chega em dia de jogo 10 horas antes, pois torcer para o Vitória é um ritual. Temos estrela porque somos a torcida mais preta, popular e raiz do Nordeste, inimiga das arenas elitistas, que não estamos à venda para estes novos colonizadores do futebol (não queime minha língua, Fabinho Mota, te amo).

Deixemos o desabafo de lado e voltemos ao jogo, digo, ao título. Já na volta olímpica, quando o troféu estava próximo de mim, me senti um garoto de novo e, num momento de loucura e insensatez, pulei na grade do Barradão num salto ninja, escalei feito o Peter Parker e só me dei conta da besteira quando já estava pendurado no topo, sem saber como me manteria ali até a passagem na taça. Esta experiência, que não aconselho para quem já passou dos 40, pode servir como exemplo. Para chegar no topo, é preciso ter raça. Mas para se manter lá em cima, precisamos de muito mais, né Fábio Mota? Mas isso é problema dele e de seus funcionários. Aos torcedores das arquibancadas, só resta tirar proveito da única coisa que Paulo Carneiro fez de útil na sua última (e espero que seja a última mesmo) passagem pelo clube: “vamos comer uma pizza, tomar uma cerveja, dormir tranquilo...”. Somos campeões brasileiros!

Moysés Suzart é jornalista e torcedor fanático do Leão

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