12 em cela para 4: superlotação de presídios na Bahia faz internos dormirem até no banheiro

60% das prisões da Bahia têm mais detentos do que capacidade carcerária

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  • Wendel de Novais

Publicado em 16 de maio de 2024 às 05:00

Arte sobre presídios super lotados na Bahia
Superlotação em presídios Crédito: Gabriel Cerqueira/CORREIO

Quatro detentos em dois beliches e outros oito espalhados perto da porta e até no banheiro. É assim que se pode descrever a noite de centenas de celas em unidades prisionais da Bahia. Policiais penais responsáveis pela segurança de diferentes presídios no estado foram ouvidos pela reportagem e contam que é comum ver 12 detentos em locais com capacidade para abrigar apenas quatro pessoas.

É o caso, por exemplo, do Conjunto Penal de Teixeira de Freitas. A unidade, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap), tem uma capacidade real de 316 detentos. No entanto, até o último domingo (12), o local comportava 604 presos. Ou seja, no momento, o conjunto opera com um excedente de 288 internos espalhados pelos pavilhões. A maioria deles, de acordo com um policial penal da unidade que não se identifica, estão aglutinados nas celas.

“Ao todo, na ala masculina, existem 54 celas. Oito têm espaço para seis camas, quatro têm dois lugares para cama e 42 têm quatro lugares. As camas, na verdade, são beliches de concreto, com dois espaços de cama, mas que acaba tendo um terceiro no vão que existe entre o chão e o espaço de baixo. Quem tem mais poder no crime organizado, dorme nesses espaços. Os outros dormem no chão do banheiro e perto da porta. Quem não é de facção fica relegado nessa estrutura”, relata.

Presos apertados em área comum do Conjunto Penal de Teixeira de Freitas Crédito: Arquivo CORREIO

De acordo com o agente, as celas de quatro lugares têm uma dimensão de 4,20 x 2,70. São acomodações padrão das unidades, com 11,3 metros quadrados. Ou seja, nas celas em que existem 12 presos, não há nem um m² por detento. No Conjunto Penal de Feira de Santana, a superlotação é ainda mais acentuada, de acordo com dados da própria Seap. Por lá, a capacidade real é de 1.280 presos, mas tem ocupação atual de 1.867, com um excedente de 587.

Um policial penal da unidade, que também prefere não se identificar por medo, conta que a unidade também tem acomodações lotadas. “Nas celas, deveriam ter quatro internos, mas varia muito, tendo algumas com cinco, outras com oito e até com 10. A maioria, te garanto, têm mais internos do que a capacidade. É fácil provar isso, já que são quase 600 presos a mais do que a capacidade. A conta não bate”, fala.

Presos se apertam e até dormem em banheiro por conta de superlotação Crédito: Arquivo CORREIO

A situação também é crítica em presídios menores, como o de Paulo Afonso. Nele, assim como em outras unidades, as facções determinam as variações de presos por cela. Como na cidade há uma maior atuação da facção do Bonde de Maluco (BDM), os líderes da organização criminosa ficam em celas sem lotação, enquanto quem está abaixo na escala do crime se aperta em condições extremas.

“Em algumas celas, onde há espaço para seis camas, existem 15 internos. Nas celas dos líderes com regalias, têm apenas cinco ou seis, não chega nem a encher. Quando você pergunta ao preso se quer sair de uma lotada para a mais vazia, se negam. É determinação de cima, dos líderes que mandam no local”, explica outro policial penal, que trabalha no conjunto de Paulo Afonso e não revela o nome.

Presos tentam pegar itens jogados em tela de pavilhão do Módulo C do Conjunto Penal de Paulo Afonso
Presos tentam pegar itens jogados em tela de pavilhão do Módulo C do Conjunto Penal de Paulo Afonso Crédito: Arquivo CORREIO

A reportagem ouviu ainda policiais penais de Jequié e Vitória da Conquista, que confirmam a situação de superlotação e a organização problemática das celas por conta das facções. A Seap também foi procurada para responder sobre a situação e informar se estuda medidas para reduzir o problema em unidades superlotadas, como transferência de presos, mas não respondeu até o fechamento dessa reportagem.

O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) foi questionado se acompanha a situação, mas também não respondeu à reportagem. Já a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) afirmou em nota que propõe a implementação de projetos de ressocialização, que têm impacto direto na remição de pena e profissionalização das pessoas privadas de liberdade.

“Desde 2019, através do projeto Liberdade na Estrada, a DPE/BA realiza mutirões, no interior e na capital, para analisar, individualmente, a situação processual de cada preso em situação provisória. Esse trabalho possibilita a identificação de pessoas que já poderiam estar em liberdade. Somente no ano de 2023, foram 5.756 atendimentos prestados pelo projeto”, escreveu o órgão.