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Yasmin Oliveira
Publicado em 28 de fevereiro de 2024 às 06:00
As paredes da casa de dona Antônia Simões Santos, 60 anos, são todas decoradas com pinturas de paisagens e de seus sentimentos. A doméstica aposentada e mãe de quatro filhas é reconhecida pelos vizinhos por estar sempre com um pincel na mão e um sorriso no rosto. O balde cheio de tintas é a ferramenta que ela utiliza para criar suas paisagens nas paredes, telhas e telas de papelão.
Além da sua galeria particular, que é a sua residência no bairro de Pirajá, a artista também deixou sua marca em paredes de vizinhos que viram suas telhas decoradas secando no sol e pediram para que ela colorisse partes do bairro.
“Para ver essas coisas, tem que ter alguma coisa errada, ou até mesmo certa. Eu olho e vejo [a pintura], às vezes é um raio de sol que entra em casa e ele vira uma imagem. Assim que vejo a imagem, pego o lápis e desenho, só depois que pinto”, explicou.
Há dez anos, dona Antônia decidiu pintar uma de suas paredes pela primeira vez e, a partir disso, as únicas partes de sua casa com a tinta original são aquelas inalcançáveis pela artista que mede cerca de 1,60 metro. Sua jornada artística começou quando tinha apenas oito anos, um ano antes de sair de Santa Bárbara, sua cidade natal, para Salvador, em 1972. A doméstica utilizou da arte para superar os desafios e expressar seus sentimentos em telhas e papelões.
Autodidata, a aposentada revelou que aprendeu a desenhar e a compor músicas sozinha. Mesmo tendo estudado até o ensino fundamental, ela tentou buscar aulas na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, para aprender mais sobre pintura. “Um dos professores me disse que um dia eu estaria lá, mas eu falei que estudei até o primeiro grau e que se fosse estar ali, estaria velha demais”, contou.
Com pinturas de paisagens que focam nas casas simples e nos elementos naturais ao seu redor como, folhas, flores, árvores, pedras, rios e riachos, o lar de dona Antônia é único. Desenhos de rostos e pessoas, por sua vez, ela já não gosta tanto de fazer. A telha, entre os materiais que ela usa, é sua 'tela' preferida.
Dona Antônia explicou que algumas das paredes sofreram alterações devido ao tempo e a fumaça de seu fogão a lenha, mas garantiu que não enjoa de suas obras e irá restaurar a maioria delas.
Há dezesseis anos, ela terminou um casamento que lhe rendeu momentos desagradáveis, de discussões a agressões entre os dois. Para a artista, suas filhas foram a melhor coisa do relacionamento. “O pessoal diz que eu fechei o coração, mas eu me decepcionei demais e não quero saber de mais ninguém na minha vida. Abri o coração para a arte e para a música que vem da alma. A pintura é botar para fora através do pincel e a música é semelhante porque tem letra, ela nunca fica velha”, expressou.
Antônia explicou que a arte também a ajudou na sua batalha com a depressão. “Eu estive muito doente, tenho uma deficiência óssea que deixa os ossos como isopor e meu trabalho me colocou para fora. Foram 24 anos e me colocaram para fora sem pensar duas vezes, aquilo me criou uma tristeza por dentro. Fiquei depressiva, muito depressiva e cheguei ao ponto de ouvir vozes. Até hoje sou acompanhada e Deus me ajudou, isso já tem 13 anos, mas não deixo me vencer”, lembrou.
As pinturas com cores mais escuras representam os dias mais tristes, enquanto as pinturas mais coloridas são sinônimo de sua tranquilidade e felicidade. “As cores eu escolho aleatoriamente, vou olhando e vou vendo o que combina. Eu vejo como o azul combina com mais um azul clarinho, com verdinho ali pelos meios, pelos lados e ali está escuro, meio escuro assim, porque ali é tipo uma montanha”, contou enquanto apontava para o seu primeiro painel.
Mais de 300 telhas já foram pintadas pela aposentada que tem o sonho de abrir uma escola de pintura para que as crianças de Pirajá possam aprender a pintar de graça. Ela contou que percebe o interesse da molecada ao ver suas telhas espalhadas pelo jardim de casa. A matrícula seria um kit de tintas e quatro pincéis para começarem. “Eu não tenho condição para fazer a escola de pintura no terreno em frente à minha casa, mas vou fazer devagarzinho. Muitas vezes as crianças precisam aprender alguma coisa, em vez de ficar na rua. Daqui a pouco vai para uma Belas Artes e faz uma faculdade de pintura”.
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela