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Caminhada contra intolerância religiosa une crenças em nome da paz

19ª edição da passeata aconteceu nesta quarta-feira (15), partindo do Engenho Velho da Federação

  • R
  • Raquel Brito

Publicado em 15 de novembro de 2023 às 20:05

Caminhada levou povo de santo para as ruas da Federação
Caminhada levou povo de santo para as ruas da Federação Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

Um mar de trajes brancos e muita fé marcaram a 19ª Caminhada pelo Fim da Violência e do Ódio Religioso, realizada na tarde desta quarta-feira (15), no Engenho Velho da Federação. Regada a dança e toques sagrados, a passeata reuniu uma multidão a partir da Praça Mãe Runhó, no fim de linha do bairro. A caminhada é realizada pelo Coletivo de Terreiros do Engenho Velho da Federação desde 2004 e acontece anualmente, sempre no dia 15 de novembro.

O início da passeata foi simbolizado pelo tradicional banho de milho branco e pela soltura de pombas brancas, em um pedido de paz. A marcha percorreu a Rua Apolinário Santana e a Avenida Cardeal da Silva, antes de voltar para o fim de linha do Engenho Velho, passando por terreiros como o do Gantois e da Casa Branca.

Para Valnizia Pereira, a mãe Val, ialorixá do terreiro do Cobre e idealizadora da caminhada, o movimento é uma reivindicação para que seja colocado em prática o respeito às religiões de matriz africana. “Eu não preciso que ninguém me tolere e ninguém precisa tolerar ninguém, mas precisa respeitar, sim. Depois de 19 anos, não é só isso, mas também juntar essas pessoas todas, com energias e nações diferentes, e pedir saúde e paz, principalmente para o mundo, que está precisando”, diz.

A marcha teve início há 19 anos, quando templos religiosos do bairro foram atacados por igrejas da região. Na época, a manifestação aconteceu com apenas meia dúzia de pessoas, que saíram batendo palmas até um posto de gasolina na Avenida Cardeal da Silva e retornaram ao terreiro do Cobre.

Este ano, o cortejo teve como foco a celebração das diferentes gerações e o culto à ancestralidade. Os homenageados da edição foram as crianças Paula Riana (Terreiro Pena Branca) e Aylan de Oliveira (Terreiro do Cobre), o ogã da Casa Branca Valter Neves Nabuco, Joseilda Natividade, liderança do Terreiro Pena Branca, Júnior Pakapym, xicarangoma do Nzo Onimboyá e o babalorixá Pai Pote, do terreiro Ilê Axé Oju Onirê.

Para Pai Pote, a homenagem foi uma surpresa boa, que recebeu com carinho. “Estou feliz com isso e também porque a caminhada está saindo com felicidade, com resistência, contra a homofobia e contra a violência que estamos vendo no estado. A nossa religião é uma religião do bem, e é importante fazermos essa caminhada todos os anos para deixar esse legado para as nossas crianças”, afirma.

A edição ressaltou como o encontro de gerações é parte essencial do candomblé. Uma das reivindicações feitas durante o cortejo foi pelo direito das crianças de viver todas as fases da vida, da juventude à terceira idade, num apelo contra a violência. Apenas este ano, pelo menos 15 crianças foram baleadas em Salvador e Região Metropolitana, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado. “O nosso futuro são as nossas crianças”, disse mãe Val, enquanto o ogã Valter entregava a homenagem aos pequenos.

Roberta Froes, museóloga de 35 anos, morou por muito tempo no Engenho Velho. Nesse período, participava das caminhadas sempre que podia. Este ano, levou o filho Lorenzo, de seis anos, pela primeira vez.

“Eu acho muito importante homenagear as crianças, principalmente se tratando de religiões de matriz africana. A gente tem que ensinar a elas o respeito às religiões desde pequenos, independente da idade”, diz.

Um dos rostos conhecidos na celebração foi o de Padre Lázaro Muniz, que tenta sempre estar presente nas caminhadas. Segundo o pároco, fiéis de diferentes crenças precisam se juntar para erradicar os preconceitos. “Uma caminhada como essa, já na sua 19ª edição, marca profundamente o quanto ainda precisamos lutar contra a intolerância e contra o racismo. Precisamos fazer mais caminhadas, unir mais as religiões, porque se não forem os grupos religiosos a trabalhar pela construção da paz, quem fará?”, questiona.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro