Escola de Música e Arte de Salvador vai funcionar em prédio de oito andares

Método UPB de Letieres Leite será empregado no ensino e na preparação dos artistas

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  • Gil Santos

Publicado em 11 de junho de 2024 às 05:15

Projeção de como ficará após a obra Crédito: Divulgação

Faz meses que operários estão trabalhando na construção de um prédio na Rua Santos Dumont, no Comércio. O movimento da obra tem atraído a atenção de curiosos. "O que estão fazendo ali?", pergunta um homem. "Deve ser alguma coisa da prefeitura", responde o amigo. Ele tem razão. Dois novos equipamentos vão integrar o Complexo Cidade da Música da Bahia. São eles: a Escola de Música e Artes e a Sala de Espetáculos Letieres Leite, com previsão de entrega para 2025.

A escola em construção fica no anexo do Museu da Música, uma região onde há outros equipamentos culturais (confira abaixo) e a proposta é fazer um quarteirão inteiro com opções de lazer para baianos e turistas. A Sala de Espetáculos vai funcionar em um casarão do século XVII que estava em ruína, mas a fachada e as paredes de pedra de 1,5 metro de largura foram preservadas. Terá dois pavimentos e a capacidade é para 300 pessoas.

Ao lado, ficará o prédio de oito andares da escola. No térreo terá um café e a bilheteria. No rooftop haverá outro café, um estúdio e um espaço aberto para contemplar a baía de todos os santos. O restante do edifício será formado por salas de aula, cinco estúdios de gravação, auditórios e outros espaços voltados para a formação dos estudantes. Os ambientes serão climatizados e integrados à Sala de Espetáculos.

Enquanto os operários martelavam, serravam e descarregavam materiais em uma espécie de sinfonia da construção, nesta segunda-feira (10), cerca de 50 metros adiante, na Rua Portugal, as orquestras Rumpilezzinho e Afrosinfônica davam o tom de abertura do evento em que os detalhes do projeto foram apresentados pelo prefeito Bruno Reis (União Brasil). O gestor disse que o objetivo é montar uma agenda cultural com espetáculos semanais e integrando os espaços.

"Essa será a maior escola de música do Brasil, onde vamos formar jovens talentos e onde vamos preservar a nossa história dos principais movimentos culturais do Brasil que foram liderados por artistas baianos e soteropolitanos. E também vamos formar outros artistas para seguir propagando Salvador no Brasil e no mundo como a Cidade da Música e como um grande caldeirão cultural", afirmou o prefeito.

O investimento na construção será de R$ 110 milhões, sendo R$ 80 milhões para construção e R$ 30 milhões para a compra dos equipamentos do prédio. Os recursos são do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). O projeto é da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF).

Homenagem

A homenagem a Letieres Leite (1959-2021) é a chave para entender qual será a metodologia da escola. O maestro foi criador da Orkestra Rumpillezz, que funde as matrizes percussivas do candomblé com o jazz, e do Rumpilezzinho, laboratório musical e socioeducativo voltado para jovens músicos. Ele era conhecido também pelo trabalho na criação do método Universo Percussivo Baiano (UPB).

O UPB é um estudo sobre a presença sonora de elementos de matriz africana na música produzida na diáspora negra nas Américas e, particularmente, no Brasil. Na prática, os músicos se debruçam sobre as complexas e sofisticadas estruturas musicais africanas para compreender e reestruturar a musicalidade brasileira. 

A sobrinha do maestro, Priscila Letieres, acredita que a criação da escola deixaria o tio feliz. “Além da honra, é uma alegria muito grande saber que o legado do meu tio vai se perpetuar, crescer e consolidar nesse lado científico, que abraça o ensino sobre a música diaspórica. Meu tio veio de um berço de escola pública, e isso serviu como uma incubadora para ele. Com certeza, ele estaria muito feliz de saber que dará nome a um espaço plural como este”, afirmou Priscila.

Letieres era considerado uma referência no meio musical. Ele morreu em 2021, aos 61 anos. A prefeitura informou que a metodologia que será adotada pela escola foi criada junto a Ubiratan Marques, maestro da Orquestra Afrosinfônica, e Fabrício Mota, produtor musical e baixista da Banda IFÁ, e terá como foco a rítmica afro-baiana e o UPB. 

O secretário de Cultura e Turismo (Secult), Pedro Tourinho, disse que a escola vai reafirmar a imagem de Salvador. “Somos internacionalmente conhecidos como a Cidade da Música. Essa escola terá conteúdo didático totalmente fundamentado na música afroindígena feita na Bahia e decodificada pelo Maestro Letieres Leite. O legado dele construiu uma metodologia de ensino que o mundo inteiro veio para a Bahia aprender”, disse Pedro Tourinho.

A Escola de Música da Universidade Federal da Bahia acredita que a nova escola repercutirá a importância de criar espaços de fomento a cultura, de facilitar o acesso de crianças da rede pública a esse tipo de arte e a relevância de adotar o UPB. No entanto, institucionalmente não podem acrescentar muito a pauta.

Comando

A administração será uma parceria entre o Município e a Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI). Nesta terça-feira (10), o Município e a instituição firmaram um acordo de cooperação técnica para gestão conjunta do complexo cultural que inclui a Cidade da Música da Bahia, a Casa das Histórias de Salvador, o Arquivo Público Municipal e a Galeria Mercado, todos no bairro do Comércio.

O diretor da OEI no Brasil, Leonardo Barchini, afirmou que os próximos passos serão definidos em breve, como patrocínio, seleção dos estudantes e professores e leis de incentivo. Ele contou que a metodologia adotada será um diferencial e uma marca da unidade e que será uma escola de referência dentro e fora do Brasil.

"Faremos uma parceria com toda a comunidade científica da cidade, do estado e do Brasil, inclusive com especialistas internacionais que vamos trazer. A gente entra agora em uma fase de produção do projeto político pedagógico da escola. Essa fase vai até a inauguração da escola. É um projeto único no Brasil", afirmou.

Há quatro anos a OEI faz a gestão do Museu de Arte do Rio de Janeiro. A parceria é diferente de uma concessão, porque quem opera não busca faturamento. O objetivo é trabalhar junto com o poder público na administração e fomentando o acesso a cultura.

Confira o que terá no quarteirão cultural:

Cidade da Música da Bahia - O espaço tem 700 horas de conteúdo sobre o repertório musical de Salvador, com depoimentos exclusivos de músicos baianos sobre os bairros em que viveram. Destaque para Letieres Leite, Riachão, Leo Santana, Majur, Virgínia Rodrigues, Mônica Millet e Chocolate da Bahia. Há também elementos interativos como karaokê, estúdio de gravação, batalhas de rap e oficina de percussão.

Casa das Histórias de Salvador - No local é possível conhecer histórias que seguem transformando, ao longo de quase cinco séculos, os diversos povos que deram origem à primeira capital do Brasil. Além disso, a Casa das Histórias joga luz sobre Salvador ao reforçá-la como um dos principais centros urbanos, paisagísticos, arquitetônicos e culturais do país, valorizando seu patrimônio e estimulando ainda mais seu potencial turístico

Arquivo Público Municipal - Através de técnicas especiais de conservação foi possível organizar, higienizar, restaurar e, em seguida, digitalizar todo acervo constituído de documentos textuais, audiovisuais, iconográficos e cartográficos. É lá que estudantes, pesquisadores e os cidadãos podem buscar informações referentes ao processo histórico da formação administrativa do Brasil.

Galeria Mercado - O espaço funciona no subsolo do Mercado Modelo e propõe um mergulho na história de Salvador e de um dos mercados mais famosos do Brasil. O acervo une a contemporaneidade da obra de Vinicius S.A ao modernismo de Mário Cravo Jr. e Rubem Valentim.