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Moyses Suzart
Publicado em 12 de novembro de 2025 às 05:30
Quando não é bolso vazio, é medo da violência. Na 6ª edição da pesquisa Hábitos Culturais, divulgada nesta terça (11) e realizada pelo Observatório Fundação Itaú com apoio técnico do Datafolha, dois motivos travam o acesso da população brasileira a eventos culturais: falta de dinheiro e falta de segurança. O levantamento ouviu 2.432 pessoas de todas as regiões do país, sendo 27% no nordeste, e aponta que 34% dos brasileiros não participam de eventos culturais por causa de barreiras financeiras, enquanto 31% citam o medo da violência como impeditivo. >
Quando o recorte está nos municípios nordestinos, incluindo o território baiano, este número chega a 27% e 34%, respectivamente. Ou seja: a insegurança está impedindo o acesso dos baianos à cultura. “O impacto negativo da questão econômica e da segurança tende a ser maior conforme aumenta o porte do município. Barreiras financeiras são apontadas por 43% na cidades de grande porte, enquanto o índice cai para 29% entre residentes de municípios de pequeno porte”, descreve o documento. >
A pesquisa também perguntou os motivos relacionados à segurança pública que desmotivam a ida a eventos culturais. No contexto nacional, a resposta mais repetida foi “ocorrência de assaltos ou furtos na região dos espaços culturais”, com 47%. Já no Nordeste, o maior motivo é “falta de policiamento no entorno dos espaços culturais”. Em Salvador, apesar da pesquisa não mencionar, a guerra entre facções é um fator decisivo, principalmente, em bairros populares. >
“Eu até quero sair, ir em alguma praça, alguma festa em outros bairros, mas a guerra aqui não deixa. Eu posso ir para um bairro vizinho curtir um evento e tomar tiro porque moro num bairro que pertence a outra facção. Se vou comer uma pipoca aqui no bairro, pode ser o dia que uma facção resolve invadir e eu tô no lugar errado e na hora errada. Prefiro ficar em casa mesmo, assistindo Netflix”, conta uma moradora de Mata Escura, que não quis se identificar - naturalmente, por medo de represálias. >
A moradora também contribui para reforçar outro aspecto curioso na pesquisa. As pessoas estão ficando mais em casa para assistir televisão ou eventos online. E a novela da TV aberta continua fazendo o maior sucesso nos lares nordestinos. Das pessoas entrevistadas na região, 90% dizem que assistem novelas, mas as plataformas digitais de filmes e séries crescem pelo terceiro ano seguido e já estão em segundo lugar nas atividades mais mencionadas pelos brasileiros, ultrapassando eventos presenciais, como cinemas e shows. >
Ao todo, 87% dos entrevistados assistem filmes em plataformas de streaming. Em 2023, eram 68%. Um crescimento evidente, principalmente em comparação com outras atividades. Na atual pesquisa, 37% disseram ir ao cineminha. Ao museu? Só 16%. O menos mencionado foram saraus de poesia, com 10%. Ouvir música online está no topo como a melhor atividade cultural do brasileiro, segundo a pesquisa. >
Entre as plataformas de streaming, a Netflix continua sendo a mais acessada com 64% - em 2024, eram 65%. Quem mais cresceu em relação ao ano passado foi o Globoplay, que saiu de 21% para 25%. >
Desigualdade >
A pesquisa também reforça que a cor e a classe social interferem diretamente na forma como o brasileiro consome cultura. Pessoas brancas frequentam mais cinemas (80%), teatros (64%) e museus (64%), enquanto entre pessoas negras os índices caem para 69%, 51% e 48%, respectivamente. Seguindo o perfil da desigualdade social, o mesmo acontece quando o aspecto é classe social. >
De acordo com o texto, a escolaridade, a condição socioeconômica, o porte da cidade em que se vive e a raça são determinantes ao acesso a atividades culturais no Brasil. Os dados apontam que, quanto maior a escolaridade e a classe econômica, maior é a participação em eventos culturais .>
No Nordeste, onde a maioria da população é negra e parda, o dado acende um alerta. Além da renda menor, há carência de equipamentos culturais públicos, apontados pelos entrevistados, especialmente no interior. Enquanto 43% dos moradores das grandes cidades citam o custo financeiro como barreira, esse número é de 29% nas cidades pequenas, onde o problema é falta de oferta de cultura. Um contraste que mostra como a infraestrutura e a segurança pública são determinantes para o acesso.>
Mesmo diante de tantas barreiras, o Nordeste segue sendo o território da cultura viva no país: é a região das festas populares, do forró, do carnaval de rua, do bumba meu boi e do São João, que seguem como as atividades mais frequentadas. A pesquisa mostra que 70% dos nordestinos participaram de festas folclóricas ou típicas nos últimos 12 meses.>
As atividades infantis e as bibliotecas públicas aparecem entre as que menos crescem em frequência, o que pode comprometer a formação das novas gerações. A leitura, por exemplo, se concentra nas classes mais altas: 81% dos brasileiros leram livros impressos no último ano, mas esse índice cai para 67%.>
No Nordeste, insegurança e falta de dinheiro travam o acesso à cultura